Quero fazer com que vocês compreendam... é assim que o apóstolo Paulo começa a desenvolver a sua explanação acerca dos dons espirituais. O termo usado em grego é "gnorizo", dar conhecimento, dar entendimento. Ele começa assim porque os crentes de Corinto eram ignorantes, desconhecedores, de um dos temas de grande importância nas Escrituras. Tinham todos os dons espirituais - um padrão para a igreja moderna, porém não tinham conhecimento de como operar esses dons e por isso havia muito desequilíbrio no uso dos dons.
A força desta expressão é: "Eu lhes dou esta regra para distinguir", ou pela qual vocês possam conhecer que influências e operações são de Deus. O plano da passagem é dar um guia geral e simples pelo qual os crentes poderiam ao mesmo tempo reconhecer as operações do Espírito de Deus, e determinar se eles, que alegavam estar sob tal operação, realmente estavam. Essa regra era que todos os que foram realmente influenciado pelo Espírito Santo estariam dispostos a reconhecer e conhecer Jesus Cristo, e onde existisse essa disposição, era por si mesma uma demonstração clara de que tal operação era genuinamente do Espírito de Deus. Vemos substancialmente a mesma regra em I João 4:2,3 ("Nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo o espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que já está no mundo.")
Paulo segue dizendo: "quero que vocês entendam que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo". O princípio que há por detrás desse intróito é que o Espírito Santo em todas as instâncias deve honrar a Jesus Cristo, e todos que estivessem sob sua influência deveriam prontamente amar e reverenciar o nome e a pessoa de Jesus. O Senhor mesmo disse que o Espírito falaria dele, do Senhor Jesus: "Mas, quando vier aquele, o Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar." (Jo 16.13,14)
"Senão pelo Espírito Santo". Este é um versículo muito importante, não só no que diz respeito ao assunto em particular sob consideração no tempo de Paulo, mas também em sua relação prática no presente. Podemos aprender com ele várias coisas:
1. Qualquer pessoa sob a influência do Espírito Santo está disposta, de coração, a honrar o nome e obra de Jesus Cristo;
2. As formas e expressões religiosas, bem como suas opiniões e práticas, estarão de acordo com o Espírito de Deus à medida que elas honrarem e amarem o nome e a obra de Cristo;
3. É verdade que nenhum homem jamais vai valorizar o relacionamento com Jesus Cristo, nem amar o seu nome e sua obra, a menos que ele seja influenciado pelo Espírito Santo. Ninguém ama o nome e a obra do Redentor, seguindo simplesmente as inclinações de seu próprio coração corrupto. Em todos os casos, aqueles que foram levados a honrá-lo e amá-lo, foi pela atuação do Espírito Santo.
4. Se qualquer pessoa, não importando quem seja, de qualquer forma, menospreza a obra de Cristo, fala levianamente de sua pessoa ou seu nome, ou tem doutrinas que infringem a plenitude da verdade com respeito à sua dupla natureza (divina e humana), sua pureza, sua expiação, isso é a prova de que tal pessoa não está sob a influência do Espírito de Deus.
5. Toda verdadeira religião é a produção do Espírito Santo. Tal religião consiste essencialmente na vontade e na ação de honrar, amar e servir o Senhor Jesus Cristo: religiões, denominações, igrejas, etc. que honram mais a criatura (o homem) do que o Criador, que é bendito eternamente, não são geradas, mantidas ou potencializadas pelo Espírito Santo.
6. A influência do Espírito Santo deve ser valorizada, deixando de lado a frieza de coração, as trevas, a esterilidade, e a morte espiritual.
Note que, portanto, Paulo nos dá uma forma clara para distinguirmos as influências e operações, se são genuinamente de Deus ou não. Esse é um ponto pacífico aqui, sobre o qual não resta dúvida. Perceba o quão importante é essa regra bíblica, especialmente em nossos dias, onde vemos uma explosão de religiões e seitas, e onde vemos várias coisas acontecendo dentro de igrejas as quais reputamos, via de regra, como sendo genuinamente produzidas pelo Espírito Santo.
Hoje, na Igreja, há coisas que são produzidas genuinamente pelo Espírito de Deus e coisas que não o são, mas são produto da mente humana. É preciso sabermos discernir, a fim de não acabarmos envolvidos com algo que não foi produzido por Deus. Mesmo aquilo que não tem, a princípio, conotação espiritual ou relação direta com o mundo espiritual, pode e deve ser julgado por nós e discernido. A Bíblia diz que se somos espirituais, então podemos e devemos discernir todas as coisas, comparando "coisas espirituais" com "coisas espirituais". Nós podemos - e devemos - buscar conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus. Não podemos, como cristãos, sermos ignorantes com relação àquilo que o Espírito de Deus fez e continua a fazer na Igreja. (I Co 2)
Nosso Deus age na história humana - essa é uma verdade insofismável. Ele mesmo deu início a história humana quando criou o homem no Éden. Desde então, o homem vem agindo nessa Terra e sendo agente da história. Porém Deus, que em Sua soberania permite o agir humano até certo ponto, faz com que Seu plano eterno seja cumprido na humanidade. E a Igreja é, sem sombra de dúvida, parte desse plano. Deus deseja agir no mundo a partir de Seu povo, essa é outra verdade bíblica inconteste: foi assim no Velho Testamento e é assim no Novo Testamento. Deus pode fazer sozinho? Sim! Ele precisa de nós? Não! Mas o plano de Deus é fazer em nós e a partir de nós, Seu povo; é envergonhar e derrotar Satanás com alguém mais fraco do que ele.
Deus fez surgir no dia de Pentecoste a Igreja. Conforme lemos no livro de Atos, a Igreja surge num ambiente de poder espiritual, do derramar do Espírito Santo sobre a vida de cada um que cria no Senhor Jesus. Era uma igreja una, viva, forte, cheia do Espírito: "E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações. E em toda a alma havia temor, e muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos. E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister. E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração, Louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar." (At 2.42-47) Note que a palavra-chave é perseverança:
- Eles não tinham uma pluralidade de fontes doutrinárias, nem oscilavam de uma fonte para outra. A única fonte doutrinária eram os apóstolos e nela permaneciam unidos.
- Eles não iam a um lugar frequentar 2-4 horas de reunião egocêntrica, onde vamos para pedir, receber, ouvir, cantar, dar dinheiro e voltar para casa. Hoje, chamamos isso de comunhão. Mesmo o nosso "partir do pão" (Ceia do Senhor) é frequentemente egoísta. Precisamos ser sinceros conosco mesmo e com Deus: Nós não temos esse nível de comunhão que aqueles irmãos possuíam. Eles tinham tudo em comum; eles perseveravam em estar juntos. Sequer perseveramos em qualquer coisa que exija muito de nós (como a oração - imediatismo). Muito comumente, olhamos as necessidades dos outros e, se muito, oramos por elas! Eles comiam juntos, repartindo entre si de forma que não havia necessidade, com coração singelo (sem malícia) e alegre. Somos cheios de porfias, de disputas tolas, de partidarismos.
- Eles perseveravam unânimes todos os dias no templo.Unanimidade em pensamentos, em sentimentos, em valores, em tudo! Perseverantes na unidade, perseverantes em frequência no templo. Nota: Unanimidade (grego ὁμοθυμαδὸν, omothumadon, "com uma mente" é algo possível de existir entre crentes, como mostra a Bíblia, contrariando o senso comum! v.t. 1:14, 4:24, 5:12, etc).
Falemos a verdade uns com os outros, dileto(a) leitor(a): nós hoje somos assim, como eram aqueles irmãos??? Somos cheios de desculpas! Culpamos tudo e todos, mas não assumimos nossa responsabilidade em nossas misérias e falhas. Teologizamos em tudo, mas dificilmente somos bíblicos em essência, isto é, somos verdadeiros com Deus e conosco. Gostamos de uma "explicação" e somos mestres em criá-las. Sejamos sinceros: onde estão todas essas coisas? Onde estão os sinais e maravilhas? Será que você nunca parou para olhar um doente, um aleijado, um cego, um mudo e pensou consigo mesmo "poxa, eu gostaria de poder fazer como Pedro e João e mandar que em nome de Jesus essa pessoa seja curada, mas não faço isso porque tenho medo, porque sei que não vai acontecer nada"? É tremendo isso, realmente! Deveríamos chorar muito aos pés do Senhor, pedir muito perdão ao Senhor por não serví-Lo e representá-Lo como devíamos hoje em dia! Mas ao invés disso, o que fazemos? (1) Nos preocupamos com nosso próprio umbigo e (2) arrumamos desculpas esfarrapadas! Nós inventamos aquilo que a Bíblia nunca disse para justificar a nossa situação miserável: nós dizemos que isso tudo foi "só para aquela época", que "os dons e maravilhas cessaram com a morte dos apóstolos", e blábláblá... Sabe porquê fazemos isso? Porque é muito melhor tranquilizarmos nossa consciência e nos encastelarmos em nossos raciocínios humanos, em nossas ciências, do que sermos confrontados pelo Espírito Santo e vermos que estamos muito, mas muito aquém da posição que deveríamos estar, reconhecendo nosso fracasso. Precisamos fazer como Josias, diante da verdade da Palavra: rasgar as nossas vestes! (II Cr 34.18,19)
Deus, amado(a) leitor(a), não está, contudo, de braços cruzados, olhando as coisas sem nada fazer. Ele tem um plano e esse plano será cumprido: Seu Nome será exaltado sobre a Terra! Seu povo será, novamente, um povo que fará proezas! Veremos novamente o caráter e o poder - e esse ainda maior - do que lemos no Livro de Atos. É um erro acharmos que a Igreja dos últimos dias deverá ser mais fraca do que a Igreja dos primeiros dias, não! Deus tem um padrão para tudo o que Ele faz. Para fazer o tabernáculo e seus utensílios, no Velho Testamento, Deus mostrou a Moisés no monte o modelo de tudo (Êx 25.40); porque acharíamos que com a Igreja não haveria Deus de ter um modelo também? Esse modelo está expresso no Livro de Atos! O que precisa acontecer, portanto, é que a Igreja seja restaurada ao padrão bíblico de Atos. E Deus está a agir na Sua Igreja, restaurando-a independentemente da crença, desejo, entendimento ou vontade humana paulatinamente. Deus terá para Si uma "igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível." (Ef 5.27) A Igreja há de ter um testemunho irresistível ao mundo, pois faremos as obras do Senhor Jesus que Ele fez, e as faremos maiores do que aquelas! (Jo 14.12)
Foi assim com a Reforma Protestante: o padrão de Deus para a Igreja é que a Palavra de Deus esteja no centro, conforme vemos em Atos. E assim Deus levantou no momento certo os pré-reformadores e os reformadores para trazer essa realidade de volta a Igreja! Mas, o que aconteceu? A Igreja estava totalmente restaurada? Não! Um princípio é que todo movimento é incompleto, limitado. Precisava Deus restaurar o mover do Seu Espírito na Igreja e foi justamente o que Deus fez, na Rua Azusa, onde TODAS AS DENOMINAÇÕES experimentaram o mover do Espírito, o batismo no Espírito Santo e os dons espirituais novamente. E agora, a Igreja está totalmente restaurada? Ainda não! Há mais coisas que Deus precisa restaurar em nosso meio ainda. Uma delas é essa UNIDADE que os cristãos possuíam e que nós estamos patinando nisso.
Talvez você diga: "Muito bem pastor. Mas onde está hoje essa restauração da Palavra e do Espírito, na prática?" Há um princípio na história da Igreja: tudo esfria com o tempo. Hoje, deixamos de lado aquilo que Deus fez no passado e queremos inventar coisas. Nós não olhamos para o passado e não honramos o que Deus já fez. Por exemplo, em relação a reforma, hoje raramente vemos uma pregação biblicamente responsável como dizia Lutero que a pregação deveria ser (pregação expositiva, bíblica). Nós não meditamos nas Escrituras, nem honramos a Palavra de Deus, escrita. Lutero falava muito sobre o Salmo 119, onde vemos um profundo amor pela Palavra por Davi. Por outro lado, hoje não vemos uma pregação fácil de entender, por exemplo, nas igrejas reformadas, enquanto Lutero dizia que a pregação deveria ser fácil de entendimento para todos (princípio do ajustamento). Por outro lado, outro princípio que vemos na história da igreja é que todo avivamento uma hora vira um movimento que vira um monumento. Aliás, foi o esfriamento da reforma que acabou sendo o motivador do novo movimento de Deus (apostasia e frieza, época de liberalismo, formalidade, materialismo, profissionalismo ministerial, etc., em especial nos EUA). A formação de monumentos a partir de avivamentos também tomou conta do movimento pentecostal. Hoje, achamos que o mover do Espírito é somente para alegrar a nossa vida durante o momento do louvor da igreja, para falarmos noutras línguas e profetizarmos, ou para agirmos com "unções sem-noções". Cada vez mais e mais profecias, aliás, não passam de pura invenção e manipulação emocional (ainda que há manifestações genuínas, porém cada vez mais raras). Faltou e ainda falta a existência e pleno funcionamento dos 5 ministérios de Efésios.
O que precisa acontecer? O que devemos fazer? Primeiro, precisamos buscar aquilo que Deus já fez na história para nossa própria vida. Deus já restaurou a Palavra e precisamos buscar conhecê-la e vivê-la desesperadamente. Tudo começa com a Palavra, quando estudamos a mesma com sinceridade e a partir de Sua verdade buscamos a Deus para vermos essa verdade em nossa vida. Precisamos busca também o Espírito: o batismo no Espírito e os dons espirituais. Deus já fez isso na história, precisamos buscar isso para nossa vida pessoal. Segundo, precisamos nos colocar na presença de Deus, na brecha do muro, atentos, para discernirmos qual é o agir de Deus em nosso tempo. O que Deus está fazendo? O que Deus não está fazendo? Qual é o mover genuíno do Espírito? Qual não é? Como vimos, todas formas e expressões espirituais, bem como suas opiniões e práticas, serão geradas pelo Espírito de Deus se e somente se honrarem e amarem o nome e a obra de Cristo. O mover honra a Cristo? Glorifica Seu Santo Nome? Traz edificação para Sua Obra? Faz com que os homens amem e honrem ao Senhor Jesus e Sua Obra?
Pense nisso. Deus está te dando visão de águia!
Referências:
- Barnes' Notes on the Bible.
- Jamieson-Fausset-Brown Bible Commentary.
- Matthew Henry's Concise Commentary.