Ninguém vos julgue... ninguém vos domine... são as instruções do apóstolo Paulo aos crentes de Colossos. A palavra julgar aqui é usada no sentido de pronunciar uma sentença. Ninguém deveria pronunciar sentença contra aqueles irmãos por eles não observarem ritos externos judaicos como regra de fé. Aquelas ordenanças judaicas eram obsoletas; serviram profeticamente como sombra (do grego skia) de Cristo e com Ele perderam o sentido. Agora que Cristo havia se manifesto no mundo físico pela encarnação, morte, ressurreição e exaltação, não havia mais necessidade do uso daquelas práticas. Todos os ritos judaicos eram sombras das bênçãos do evangelho.
Assim, o "comer e beber", que Paulo menciona nesse texto, refere-se tanto às leis dietéticas estabelecidas no Livro de Levítico (caps. 11, 17, etc), da distinção entre animais puros e animais imundos, do uso de vinho, às leis dietéticas relativas ao nazireado, de bebida em vasos impuros, etc., além daquelas estabelecidas pelos fariseus (cf. explica Cambridge Bible for Schools and Colleges), as quais, em Cristo, "não possuem valor algum senão para a satisfação da carne" (ou seja, para auto-emulação, exaltação pessoal típica do "sou mais santo que você porque faço isso ou aquilo e você não"). Os apóstolos já haviam determinado essa questão após evidência incontestáveis que os crentes gentios deveriam tão somente absterem-se das contaminações dos ídolos, da prostituição, do que é sufocado e do sangue (At 15.19,20) e o próprio Paulo, escrevendo aos Romanos, nos ensina que o Reino de Deus "não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo" (Rm 14.7). Vale dizer que a ordenança da abstinência dos alimentos que Deus criou para os fiéis (os cristãos) é maligna, sendo claramente definida por Paulo como sendo "doutrina de demônios" e "conversa de espíritos enganadores" (I Tm 4.1-5).
Por sua vez, a menção aos "dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados" nos remete diretamente ao texto de Ezequiel 45:17 ("E estarão a cargo do príncipe os holocaustos, e as ofertas de alimentos, e as libações, nas festas, e nas luas novas, e nos sábados, em todas as solenidades da casa de Israel. Ele preparará a oferta pelo pecado, e a oferta de alimentos, e o holocausto, e os sacrifícios pacíficos, para fazer expiação pela casa de Israel") mostrando inequivocamente a relação entre as ordenanças constantes no Livro de Levítico nos dois textos; estes eram obrigatórios na velha dispensação, na Lei, não na atual dispensação, da graça. Acerca desse texto, o Ellicott's Commentary for English Readers comenta: "A "festa" parece ser um dos grandes festivais; a "lua nova", o mensal, e no sábado a solenidade semanal [...] Aqui são as festas judaicas, e somente elas, que são anotados". Por sua vez, Gill's Exposition of the Entire Bible explica "nas festas, e nas luas novas e nos sábados, e em todas as solenidades da casa de Israel; nas festas da Páscoa, tabernáculo e Pentecostes, que foram todas as figuras de Cristo". Portanto, definitivamente, os cristãos não estão e nem devem ser obrigados a observar tais coisas, pois temos o Senhor conosco em substância. O corpo - destas sombra; é de Cristo - A substância delas é exibida no evangelho de Cristo, em quem Ele de tudo é o Centro e a razão final, o antítipo de todas as sombras (tipos) prefiguradas do Antigo Testamento.
É interessante notar que os falsos mestres alegavam uma pretensa "espiritualidade superior", uma espécie de "revelação especial" para quererem obrigar os cristãos nessas práticas. Eles alegavam terem recebido tal ensino a partir de visões sobrenaturais, visões de anjos, conferindo uma aura de autoridade divina ao mesmo, como explica Tertuliano ("Contra Marcião", 5:19). Isso era usado como justificativa para aceitarem como verdade aquele engano, do grego katabrabeuo. Assim, com uma pretensa justificativa sobrenatural, aliado à uma aparência de humildade, buscavam enganar os crentes de Colossos.
Parênteses: O termo katabrabeuo, de kata (contra) + brabeuo (ser um juiz ou árbitro e, assim, atribuir o prêmio em um jogo público), literalmente, refere-se a um árbitro que decide contra alguém, declarando-o indigno do prêmio e assim defraudando-o do prêmio da vitória. O juiz em jogos de atletismo era o brabeus e o prêmio o brabeion. A palavra grega descreve um árbitro que exclui da competição qualquer atleta que não segue as regras. O competidor não deixa de ser um cidadão da terra, mas ele perde a honra de ganhar o prêmio. Figurativamente, como usado neste versículo, katabrabeuo refere-se ao ato de privar alguém de sua recompensa espiritual. Aqueles irmãos, assim enganados, não perdiam necessariamente a sua condição de salvos, mas perdiam a recompensa - as bênçãos espirituais (I Co 9.24; Fp 3.14); poderiam, não obstante, chegar a um grau de distanciamento de Cristo que os tornariam apóstatas, agora com implicações eternas. Porém, com relação aos falsos mestres, a conversa é outra: seus ensinos malignos denotavam mentes inconversas à Cristo, pessoas não regeneradas, não nascidas de novo, gente inchada na compreensão carnal. Sobre esses, as Escrituras são claras: são fontes sem água, nuvens levadas pela força do vento, para os quais a escuridão das trevas eternamente se reserva (II Pe 2.17). Fecha parênteses.
Os crentes, portanto, não devem estar carregados de ordenanças, pois estão mortos com Cristo quanto aos rudimentos (gr. stoicheion, "princípios elementares") do mundo. Pela Lei, morremos para a Lei, de forma que hoje vivemos por Cristo e para Cristo (Gl 2.19). Estas ordenanças são exatamente àquelas do Velho Pacto, as ordenanças exteriores. Lógico que como em Cristo estou livre das ordenanças da Lei, estou mais ainda livre das invencionices humanas, tenham elas quaisquer fundamentações filosóficas! Ora, estou livre; fui liberto por Cristo Jesus! Na Sua obediência, eu obedeci pela fé e na Sua morte, morri pela fé; posto que, portanto, na Sua ressurreição eu ressuscitei pela fé, para andar em novidade de vida! Não precisamos, portanto, como crentes em Cristo Jesus, de coisas exteriores, pois temos conosco Aquele para quem todas as coisas exteriores apontavam.
Aplicando hoje: Não precisamos ter, por exemplo, a Arca da Aliança na Igreja, pois a Arca apontava para a presença contínua de Deus no meio do Seu povo que é materializada, hoje, na prática, pela Bendita Pessoa de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A arca, hoje, não possui valor algum para a prática da fé dos crentes, isto é, ter ou não ter, tocar ou não tocar, trazer ou não trazer uma réplica da arca dentro do culto cristão nenhum valor possui para a fé ou espiritualidade pessoal. Aliás, é bom dizer que se houvesse algum tipo de poder sobrenatural na réplica da arca, ou se Deus a considerasse como considerou a original, nenhum gentio jamais a tocaria, nem chegaria perto dela (Lv 16.2; I Sm 5.3-11; 6.19; II Sm 6.6-9)! Somente os levitas podiam carregá-la, e ainda assim por meio de varais, sem tocar diretamente nela! A verdadeira arca da aliança perdeu-se, provavelmente por ocasião do cativeiro babilônico de Israel. Jeremias 3:16 se refere a ela, dizendo que, quando o Messias vier, ninguém mais mencionará a Arca da Aliança. Uma vez que o Verdadeiro chegou, o tipo passou a ser desnecessário. A passagem final que se refere à arca é Apocalipse 11:19, que menciona o Templo original dos céus, como tendo sua própria e original Arca do Testemunho. Não há, assim, nenhum poder espiritual nessa réplica que é chamada de arca! O mesmo se aplica aos demais utensílios, como o castiçal de ouro.
Por outro lado, a atual invencionice do meio neopentecostal na busca do "tudo por uma bênção" é sem fundamentação bíblica. Nada do que esses pretensos apóstolos, bispos, pastores, missionários, etc. faz, por criação própria, tem algum poder ou eficácia sobrenatural em si mesma, a despeito de insistentemente dizerem que é fruto da "visão espiritual" que receberam. Coisas como "objetos ungidos", como "atos proféticos" (mergulhar na lama, descer em poços, unção de sal, unção do esquecimento, dança ungida, dores de parto profética, etc), numa tola tentativa de usar antigos símbolos da fé judaica no Cristianismo, jamais terá qualquer eficácia real. Isso é, na verdade, uma mistura de judaização e teatralização gospel! Tudo no afã de tentar impressionar os incautos, por meio da representação de "bravatas espirituais"!
Tampouco não se impressione com a caracterização do "ungidão bazófio", do "farfante consagrado", com uma aparência de auto-humildade baseada em vestimentas ou origens humildes ou ausência de estudo formal! Humildade não é isso, é algo do coração, algo que esses sujeitos não possuem por tudo o que demonstram na prática - sim, porque o que alguém é, não pode ser escondido por muito tempo; o que uma pessoa realmente é, em seu interior, irá aparecer mais dia menos dia - esses "pseudo-apóstolos/pastores/bispos-humildões" são, via de regra, conhecidos por amaldiçoar quem discorda deles e os critica, algo nada santo, nem cristão, nem humilde. Homens que adquiriram verdadeiras fortunas com os "shows gospel" que promovem - carrões (porsche, aprox. R$ 800.000,00; afora cordões, anéis e relógios dourados, bonés e tênis de marcas como Nike e Hugo Boss), milhares de cabeças de gado, propriedades no Brasil e no Exterior, jatinhos, etc. Teatro gospel, nada bíblico, nada profético; poder/autoridade espiritual zero! Isso nunca foi, nem jamais será o Evangelho de Cristo (ainda que alguns insistam em chamar isso de evangélico). Isso é inútil em matéria de fé bíblica, além de ser algo perigoso para a verdadeira espiritualidade derivada das Escrituras Sagradas, pois pode levar pessoas a se afastarem da Graça de Cristo e a apostatarem da fé genuína "a qual uma vez por todas foi entregue aos santos" (Jd 1.3)!
Assim, querido(a) leitor(a): cuidado com o que você tem ouvido e recebido em matéria de fé. A Bíblia não é livro de práticas espirituais isoladas e desconectadas, como se fosse um livro mágico. Não! A Bíblia é um conjunto de 66 livros (39 no Antigo Testamento e 27 no Novo Testamento) que abordam, dentre outros, a relação de Deus com o homem (sua criação, queda, resultados da queda e a redenção do homem caído por Cristo Jesus) a qual, se estudada com zelo e de forma sistemática, nos conduz à comunhão do Espírito Santo e à Graça de Deus, a qual "se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente, aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Salvador Jesus Cristo; o qual se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniqüidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras" (Tt 2.11-14).
Quer um conselho: saia já desse tipo de coisa! Se você quer realmente seguir ao Senhor Jesus, procure uma Igreja evangélica verdadeira, que prega o Evangelho de verdade, que respeita a Bíblia Sagrada e que se esforça para viver segundo seus ensinos. Deus ama você e não quer, de modo algum, que você seja participante de algo de não honra o Seu Santo Nome! Lembre-se do que foi predito na Bíblia: "E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição. E muitos seguirão as suas dissoluções, pelos quais será blasfemado o caminho da verdade. E por avareza farão de vós negócio com palavras fingidas; sobre os quais já de largo tempo não será tardia a sentença, e a sua perdição não dormita." (II Pe 2.1-3)
Pense nisso. Deus está te dando visão de águia!