quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

OS RUDIMENTOS DO MUNDO E A GRAÇA DE DEUS

Digo, pois, que todo o tempo que o herdeiro é menino em nada difere do servo, ainda que seja senhor de tudo;
Mas está debaixo de tutores e curadores até ao tempo determinado pelo pai.
Assim também nós, quando éramos meninos, estávamos reduzidos à servidão debaixo dos primeiros rudimentos do mundo.
Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei,
Para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos.
E, porque sois filhos, Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai.
Assim que já não és mais servo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro de Deus por Cristo.
Mas, quando não conhecíeis a Deus, servíeis aos que por natureza não são deuses.
Mas agora, conhecendo a Deus, ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como tornais outra vez a esses rudimentos fracos e pobres, aos quais de novo quereis servir?
Guardais dias, e meses, e tempos, e anos.

(Gálatas 4:1-10)


Rudimentos do mundo, os quais são fracos e pobres. Rudimentos aos quais os crentes da Galácia estavam novamente praticando, mesmo após sua conversão a Cristo. O texto grego usa o termo στοιχεῖα (stoicheia) para "rudimentos", uma linha ou série; um pequeno passo; um alfinete ou estaca, qualquer coisa "elementar", como um som, uma carta. Portanto, esse termo significa "elementos básicos", dando a entender que se trata de pequenos elementos que são parte de um todo mais amplo. Paulo usa a expressão ta stoicheia tou kosmou ("os princípios elementares do mundo") em Gl 4.3,9 and Cl 2.8,20. O Ellicott's Commentary for English Readers explica que tratam-se aqui dos "elementos (ou rudimentos) do ensino religioso". Esses são chamados de "os elementos do mundo" porque eram mundanos e materiais; eles não incluiriam um reconhecimento claro das coisas espirituais. Os gentios recém-convertidos e os adeptos da religião judaica estavam muito ligados aos sentidos; o elemento mais importante neles era o ritual.

Os crentes Gálatas desse modo, não podiam entender completamente o significado da lei dada por Moisés. Para eles, a lei era a dispensação da escravidão; eles estavam ligados a muitos ritos e observâncias pesadas, pelos quais eram ensinados e mantidos sujeitos como uma criança sob tutores e governadores. Não é que a Lei fosse algo ruim, ou mundana; de modo algum. Porém, como as coisas do mundo, as ordenanças e ritos contidos na Lei eram transitórias, temporárias e de pouco valor. Eles eram insatisfatórios em sua natureza, e logo iriam passar e dar lugar a um sistema melhor - como as coisas deste mundo estão prestes a dar lugar ao céu. 

Paulo argumenta: "quando éramos crianças, estávamos sujeitos aos rudimentos do mundo". Crianças, aqui, não se refere a idade cronológica, mas sim em maturidade para com a Graça de Deus, em conhecimento de coisas divinas, espirituais e evangélicas. Assim, quando crianças, eles não compreendiam a Lei e nem o seu propósito, de revelar a extrema pecaminosidade humana e assim servir de guia ou aio até Cristo. Estavam presos a toda ritualística estabelecida na Lei, rito pelo rito, regra pela regra. Eles estavam na condição de servidão que a lei naturalmente generalizou, servindo por medo da morte; presos as sanções e penalidades legais. Pelo medo da morte, estavam sob disposição servil e estavam por toda a vida sujeitos à escravidão; eles carregavam um jugo de escravidão em seus pescoços e estavam sob um espírito de escravidão e medo. Presos naquilo que conhecemos como legalismo.

O legalismo sempre foi um problema pendente de solução na igreja cristã. De modo bastante frequente, vemos grupos e denominações impondo sistemas ritualísticos derivados direta ou indiretamente do Antigo Pacto como regra de fé para os cristãos. Nos tempos atuais, vemos por exemplo os crentes judaizantes modernos, que insistem em obrigar a Igreja a guarda de dias específicos (como o sábado, pelos adventistas), de festas/ritos "bíblicos" (festas judaicas, como a festa dos tabernáculos) e do uso de utensílios judaicos em nome da fé (como o Menorá, bandeira de Israel, arca da aliança, shofar, talit, etc.). Há ainda outros ritos praticados pelos crentes neopentecostais como ritos de fé, para obterem "bênçãos de Deus", como "unção de lenços/roupas", nos quais o fiel deve participar para ser abençoado. Há também aqueles que impõem o uso de costumes, como roupas específicas (terno para pregadores/obreiros, vestido longo para mulheres, não usar calça comprida ou bermuda, não andar sem camisa ou de short, não ouvir músicas que não sejam religiosas, subir monte para orar, orar de joelho, etc.); outros, impõem pelo costume regras como "cair na unção", "unção de animais", "unção de mares, oceanos e rios", etc.

Nas palavras de Paulo, nada disso tem valor algum em matéria da fé cristã centrada na Bíblia. Podem ter elementos extraídos da Bíblia, mas não se configuram em uma fé bíblica neo-testamentária, baseada inteiramente na Graça de Cristo e no Evangelho de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Esses elementos dentro das denominações acabam servindo para manter os crentes frequentadores num estado de infantilidade espiritual, incapacitados para viverem a solidez da vida cristã. Num cenário onde o fiel será demandado a afirmar categoricamente sua fé em Cristo mesmo sob prejuízo pessoal, é pouco provável que tal fé se sustente, uma vez que manter a fé em meio às mais duras provações é via de regra um dos mais sérios e graves desafios que o cristão se depara. O crente que vive sua fé baseado em regrinhas e ritos é, como Paulo diz, uma criança em termos espirituais. E é a partir da maturidade cristã que temos inteira certeza de fé sobre a nossa paternidade espiritual, a nossa filiação junto a Deus. Essa certeza é uma das mais importantes que um cristão deve ter em matéria de sua fé, sendo gerada pelo Espírito Santo no coração do fiel que já conhece tal realidade (o Espírito Santo nos convence daquilo que já sabemos, daquilo que ouvimos e aprendemos).

Quem vive debaixo de legalismos e de ritualismos vive, na verdade, preso. É um escravo desses sistemas, aprisionado sem poder se libertar e condenado a obedecer sempre a essas regras e ritos, sob ameaça de experimentar "a ira de Deus". Nesses sistemas de fé, Deus está sempre pronto a castigar severamente aqueles que não atentarem para as regras que aquela denominação postulou. Por exemplo, se a denominação mandou participar "do Encontro" (como foi no auge do G12) e a pessoa não foi, ela passa a estar assim sujeita a todos os males que Deus mandará sobre ela. Quem não anda segundo suas doutrinas e regras e ritos está "desviado" e "perdido"; é "rebelde", filho da ira, bode. 

O mais novo sistema legalístico que os crentes criaram chama-se "autoridade espiritual inquestionável". Esse sistema é baseado na aplicação irrestrita dos ensinos do livro de pr. Watchman Nee, "Autoridade Espiritual". Segundo "a regra", os crentes devem "abaixar a cabeça", dizendo "amém" para tudo aquilo que seus pastores fizerem, independentemente da sandice que seja; afinal, "eles são autoridade" e "quem lida com autoridade é Deus". Assim, se o pastor é mentiroso e traidor, se aplica mal os recursos financeiros da denominação, se é megalomaníaco, se nunca assume seus erros, se só pensa em grana, etc. não importa, afinal ele é o "ungido do Senhor" e "aí daquele que tocar no ungido do Senhor"! Quem desobedece e questiona é rebelde, é filho de Coré, Datã e Abirão e será lançado vivo ao inferno! Deus trará um sem número de maldições sobre a vida dos desobedientes - aqueles que criticam os erros e lambanças da tal "autoridade". Tem quem ousadamente afirme que "há possibilidade de morte, ao despertar a ira de Deus sobre aquele que toca em um ungido do Senhor". Isso não passa esse sistema de mais um sistema legalista e opressor, sistema que confere prerrogativas de infalibilidade e inquestionabilidade a um homem como outro qualquer e que faz com que outros lhe estejam sujeitos, pelo medo. Isso mesmo: por medo "de Deus", que está "100% fechado com a autoridade lambujeira", os crentes obedecem irrestritamente a um semelhante, quando a Palavra de Deus estabelece que a obediência ao homem aplica-se se, e somente se, quando o ensino for reconhecidamente correto, da parte de Deus. Isso favorece e perpetua a dominação do povo de Deus e a apropriação da herança do Senhor, algo totalmente condenado e proibido na Palavra! Faz gente ser dona de gente! Gente que se torna incapaz de tomar a mínima decisão na vida - com quem casa e quando casa, onde mora, no que trabalha, etc., precisando sempre consultar - e obedecer timtim por timtim o "guru ungido", para tudo e por tudo, como ensinam esses caras que ensinam e aplicam tal sistema apassivador e dominador! Esses líderes chegam a dizer que democracia é coisa do diabo!

Note: Deus JAMAIS ensinou obediência absoluta a homens! E mais: se o sujeito fizer lambança, não tem essa de "ungido": tem que ser confrontado biblicamente e corrigido sim! Insistindo na lambança, tem que ser disciplinado e afastado das funções, até que demonstre por seu comportamento que se arrependeu! E não é Deus quem fará isso: é a Congregação! E em lugares onde o sujeito dominou e escravizou as mentes e corações, onde a maioria concorda com as lambanças do sujeito, o que fazer? Dar o fora, ir para outra denominação. Simples assim. Veja como o apóstolo Judas - que não é Deus - trata os falsos ungidos: "homens ímpios" (v. 4), "dizem mal do que não sabem; e, naquilo que naturalmente conhecem, como animais irracionais se corrompem" (v.10), "Ai deles" (v. 11), "manchas em vossas festas de amor, apascentando-se a si mesmos sem temor; são nuvens sem água, levadas pelos ventos de uma para outra parte; são como árvores murchas, infrutíferas, duas vezes mortas, desarraigadas" (v. 12), "Ondas impetuosas do mar, que escumam as suas mesmas abominações; estrelas errantes, para os quais está eternamente reservada a negrura das trevas" (v. 13), "murmuradores, queixosos da sua sorte, andando segundo as suas concupiscências, e cuja boca diz coisas mui arrogantes" (v. 16), "sensuais, que não têm o Espírito" (v. 19). Não tem essa conversa fiada de "não toque no ungido" não! Esse protecionismo a favor desses pecadores sem arrependimento que ficam posando de ministros de Deus! Não tem essa de "posso falar nada não contra esse sujeito, que vou ser condenado por Deus e uma maldição do arranca-toco vai vier sobre minha vida"! Denominações que assim se comportam tornam-se terrenos férteis para todo tipo de abuso espiritual, algo muito conhecido e doloroso para quem dele se torna vítima. 

É bom deixar bem claro isso: NÃO PODEMOS ACRESCENTAR LEI À GRAÇA! Muita gente pensa que precisa acrescentar Lei (e pior, legalismo!) à Graça para que esta última não seja "Graça Barata". Quem assim pensa e age não entendeu patavina do que a Bíblia ensina! Segundo Dietrich Bonhoeffer, pastor e teólogo da Igreja Luterana da Alemanha, que hoje descansa no Senhor, "a graça barata é a pregação do perdão sem arrependimento, é o batismo sem a disciplina de uma congregação, é a Ceia do Senhor sem confissão dos pecados, é a absolvição sem confissão pessoal. A graça barata é a graça sem discipulado, a graça sem a cruz, a graça sem Jesus Cristo vivo, encarnado [...] A fé se torna barata quando é oferecida como um produto de consumo para satisfazer as massas que buscam uma mensagem que se encaixe aos seus desejos pessoais. Quando é oferecida como espetáculo para um público que deseja que se adoce os ouvidos e se prometa estabilidade para seu "status quo". Quando se defende a identidade de ser filho ou filha de Deus como uma garantia para reivindicar as promessas materiais em troca de uma módica soma ou transação monetária a que alguns chamam de “lei da semeadura e da colheita” ou “pacto com Deus" (veja mais em: https://www.ultimato.com.br/conteudo/bonhoeffer-a-graca-barata-e-o-evangelho-da-prosperidade) . Disciplinar não significa oprimir, discipular não significa manipular: a disciplina é o ensino de como viver a nova fé em Cristo, enquanto o discipulado é fazer de cada cristão uma pessoa mais semelhante a Cristo. Para levar os crentes a unidade da fé, a perfeita varonilidade espiritual! Disciplina pode envolver correção e repreensão? Sim. Mas isso é feito SEMPRE À LUZ DO QUE ENSINA O NOVO TESTAMENTO, nunca a partir daquilo que o homem acha que é bom. Aliás, é para isso que Deus confere à Igreja apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres, os quais são dados pela Graça! Pergunto: o Novo Testamento ensina o legalismo? Ensina o autoritarismo? A infalibilidade pastoral? O "não toque no ungido do Sinhô"? O ritualismo? A guarda de "dias"? A possibilidade de cristãos serem amaldiçoados? A subserviência à denominação? 

É por tudo isso que devemos nos esforçar para reter firmemente a Graça de Deus em nossas vidas! Para por fim nessa praga chamada legalismo só esperando e vivendo inteiramente na graça oferecida na revelação de Jesus Cristo! Escandolosa Graça, incontrolável Graça, Barulhenta Graça, mas acima de tudo Graça! Graça sem nenhum tipo de mérito ou de sistema meritocrático, sem nenhuma sombra de auto-justificação ou de auto-salvação ou de conquista de bênçãos de qualquer tipo! Graça que humilha e mantém humilde, Graça que reduz ao mínimo "o eu" para aumentar ao máximo "o Ele", Graça que diz "você não merece nada do que Eu fiz e faço e farei em ti e por ti, nem nunca merecerá independente do que faça ou venha a fazer, mas mesmo assim Eu fiz, faço e farei sempre; não porque você merece, mas porque Eu quero; não por seus méritos, mas pelo Meu Filho!" Graça que pega o pior pecador e põe na posição de Filho de Deus, Adotado como Filho, somente e exclusivamente pela fé em Cristo - e isso independente da vida pregressa! Graça que chama para perto, que aproxima, que cuida, que sustenta, que fortalece, que anima, que impulsiona, que enche de fé e de amor o coração, que constrange pelo tão grande amor propiciado! Graça que independe de usos e costumes, de regras humanas, de ritos e rituais! Graça que solta e que deixa livre aquele que foi solto por ela! Graça que chama pelo amor, pela bondade, pela tamanha misericórdia que fica impossível dizer não a esse chamado! Graça que nos leva a Deus de forma leve, gostosa, prazerosa, sem dramas e sem encucos, sem medo!  


Pense nisso e viva inteiramente na Graça de Deus!
GRAÇA e paz!

3 comentários:

  1. Esse é o Evangelho que vale a pena viver e pelo qual vale combater o bom combate da fé. Evangelho que se traduz em liberdade ,em poder pensar fora da caixa, pensar por si mesmo ,sem lavagem cerebral de líderes dominadores. Penso logo existo . Tempo de beijar mão e pedir bênção a esses líderes fajuto é coisa passada .
    Coisa imposta pelo sistema religioso. Amemos e honremos nossos líderes como recomenda a Palavra , mas vamos estrear nossos cérebros também . Vamos buscá-Los sempre que precisarmos sem jogar sobre eles decisões que nos cabem tomar.




    nossos guias como diz a Palavra,

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  2. Ótimo estudo, Glória a Deus pela sua vida.

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