segunda-feira, 19 de setembro de 2011
RUDIMENTOS DA DOUTRINA DE CRISTO - III: OS BATISMOS
POR isso, deixando os rudimentos da doutrina de Cristo, prossigamos até à perfeição, não lançando de novo o fundamento do arrependimento de obras mortas e de fé em Deus, e da doutrina dos batismos, e da imposição das mãos, e da ressurreição dos mortos, e do juízo eterno. E isto faremos, se Deus o permitir. (Hb 6.1-3)
Dando prosseguimento ao estudo dos fundamentos da fé cristã, nesta argumentação vamos abordar a doutrina dos batismos. Note que o ensino acerca dos batismos refere-se aos rudimentos da fé cristã e que o autor aos Hebreus escreveu sua epístola para um grupo específico de crentes que existiram naquela época – os crentes que eram hebreus, convertidos do judaísmo à fé cristã.
Este ensino se reveste de grande importância em nossos dias, onde as trevas têm tomado as mentes e corações daqueles que deveriam conhecer e ensinar a Palavra de Deus sem enxertos humanos. Nos últimos dias têm se levantado alguns pastores, bispos e apóstolos ensinando heresias acerca dos batismos: para uns, só serão salvos aqueles que forem batizados nas águas; para outros, ninguém pode ser batizado com Espírito Santo nos dias de hoje; outros confundem as manifestações da alma com as do Espírito; outros, de forma muitíssimo pior, classificam temerariamente todas as manifestações ocorridas como “obras do diabo”, sem procurar discernir as manifestações, pecando de forma imperdoável contra o Espírito Santo e ensinando outros a fazer o mesmo. E assim há um sem-número de erros e confusões acerca dos batismos, gerando desorientação e enfraquecimento da fé. O escasso discernimento espiritual por si só já é um sintoma do baixíssimo nível espiritual desses líderes religiosos, se é que há alguma espiritualidade em suas vidas. Paulo ensina que quem não discerne as coisas do Espírito de Deus é o homem natural, não convertido, sem o Espírito de Deus.
OBSERVAÇÃO: Segundo o ensino dos Mórmons, também conhecidos como "Santos dos ùltimos Dias", há o batismo por procuração ou batismo pelos mortos. Segundo este ensino, um vivo poderia ser batizado no lugar de uma pessoa morta e esta então usufruiria dos benefícios do ato praticado pelos vivos. Este ensino surge a partir da interpretação distorcida de I Co 15.29: "Doutra maneira, que farão os que se batizam pelos mortos, se absolutamente os mortos não ressuscitam? Por que se batizam eles então pelos mortos?" Com uma simples leitura do contexto, é fácil perceber que "os mortos", na argumentação paulina, refere-se ao pensamento de alguns de que Cristo não havia ressuscitado (I Co 15.12-14). Aqui vale a máxima da exegese bíblica: texto sem contexto só serve para fazer um pretexto; e este só serve para jogar no cesto. Os Mórmons não são considerados como Igreja cristã pelas denominações genuinamente cristãs, pois seguem um outro evangelho (Gl 1.9), com outro testamento.
O termo batismo vem do substantivo grego “baptismo”, sendo traduzido por submergir, imergir. Observe que o termo “batismo” está no plural, o que indica que o ensino envolvia mais de um tipo de batismo. Mas que batismos eram esses? Dado que a epístola foi escrita para os Hebreus, estes batismos envolvem as práticas daquele povo. Além disso, é muito provável que envolva também os “batismos” praticados pelas religiões de mistério existentes naquela época.
Os Hebreus, em sua religião, praticavam rituais de purificação que envolviam abluções (o termo grego baptismo se refere tanto ao ato de imersão quanto ao rito de purificação como lavagem). O primeiro milagre de Jesus, realizado nas Bodas de Caná, foi justamente a transformação de água (utilizada para as purificações – do Gr. katharismos – dos judeus) em vinho (João cap. 2). O cap. 19 do livro de Números mostra algumas purificações com água realizadas pelos Hebreus.
“Houve então uma questão entre os discípulos de João e os judeus acerca da purificação. E foram ter com João, e disseram-lhe: Rabi, aquele que estava contigo além do Jordão, do qual tu deste testemunho, ei-lo batizando, e todos vão ter com ele.” (João 3:25,26). Aqui novamente aparece o termo “katharismos”. Há somente 7 versos no Novo Testamento que usam este termo (Mc 1:44; Lc 2:22; 5:14; Jo 2:6; 3:25; Hb. 1:3; 2 Pe. 1:9); nos Evangelhos, é usado sempre se referindo às purificações dos judeus. Nos versículos 22 e 23 o termo grego utilizado é baptismo. Este texto não indica, como propõem alguns intérpretes, que o batismo de Jesus era diferente do batismo de João, mas sim sobre o porquê que Aquele (não que Ele mesmo batizasse, mas seus discípulos o faziam) que fora batizado por João passara a batizar também (observe que João responde, nos versículos 29 e 30, que Cristo é quem tinha a preeminência, não João. Veja também Jo 4.1,2). Observe também que o batismo aqui é entendido pelos discípulos de João como sendo algo voltado para a purificação.
Lucas afirma que o batismo de João era o batismo de “arrependimento, para perdão dos pecados” (Lc 3.3). Note que Lucas relata que João exortava duramente à multidão que saía para ser batizada por ele (Lc 3.7-9). Ora, se ele pregava a necessidade urgente de batismo, porque ele repreendia àqueles que a ele vinham para sem batizados? Porque a multidão entendia que o batismo de João era mais um rito de purificação, algo meramente exterior, sem a necessidade de transformação interior (arrependimento). De nada adiantaria àquelas pessoas, espiritualmente falando, serem batizadas sem que houvesse real arrependimento primeiramente. O rito em si mesmo não tem efeito nenhum; é preciso de haja mudança de vida (Lc 3.10-14) para que haja eficácia no batismo. Por isso, o arrependimento e a fé devem ser primeiramente gerados pelo Espírito Santo no coração dos homens, para que só então esses homens sejam batizados nas águas.
Abre parênteses: Segundo São Tomás de Aquino, em sua Summa Theologica, o texto de Hebreus 6:2 se refere ao batismo de água, de arrependimento, e de sangue. Trata-se de uma “teologização” do batismo, onde o batismo de sangue seria o martírio, em razão da fé cristã, de alguém que não necessariamente tivesse sido batizado em água. Thomas de Aquino, citando Agostinho, compara os batismos de água e de sangue: "O recém-batizado confessa a sua fé na presença do sacerdote: o mártir na presença do perseguidor. O primeiro é aspergido com água, depois que ele confessou, este último com o seu sangue. O primeiro recebe o Espírito Santo pela imposição das mãos do bispo, este último é feito templo do Espírito Santo". Para o catolicismo romano, o batismo de sangue (aparentemente baseado em Mt 20.22,23), aliado ao desejo de ser batizado (o que a teologia católica denomina “batismo de desejo” ou “penitência” – outra teologização, onde é há uma confusão com o batismo do Espírito. O argumento Tomaquiano para “batismo de desejo” baseia-se no episódio do ladrão na cruz, salvo sem batismo) acarretaria os frutos do batismo em água: o perdão dos pecados e a entrada no Reino de Deus. O leitor deve atentar para o fato de que este conceito foi elaborado posteriormente à escrita da epístola aos Hebreus, não refletindo necessariamente o pensamento do autor da mesma, nem do autor desta argumentação. Fecha parênteses.
Assim, o ensino a que se refere a epístola aos Hebreus no que concerne ao batismo de João consistia na distinção, tanto em propósito quanto em natureza, desse batismo das purificações dos judeus, algo facilmente confundível pelos crentes de origem hebréia. As purificações tinham o propósito cerimonial, sendo interpretadas como mero rito exterior – assim como o restante da Lei de Moisés; por sua vez, o batismo de João tinha como propósito o arrependimento, algo ligado ao interior do homem. Não eram, de modo algum, práticas equivalentes; assim, mesmo que os crentes hebreus tivessem experimentado inúmeras vezes as purificações em água, uma vez tendo sido convertidos deveriam agora participar do batismo nas águas. Perceba adicionalmente que no texto da epístola, os ensinos sobre arrependimento das obras mortas e a fé em Deus são citados antes do ensino sobre os batismos, de forma que os primeiros são pré-requisitos para os seguintes.
Segundo a ordem do próprio Senhor Jesus, o batismo nas águas é feito “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19). A expressão “em nome de” indica que o batismo é feito na autoridade e determinação unicamente da Divina Trindade (não no nome da pessoa que está batizando outra). Se cada homem batizasse em seu próprio nome o caos se instalaria na Igreja, pois haveria uma disputa sobre “quem foi batizado no nome do mais proeminente batizador”. Por muito menos, na Igreja de Corinto, existiam disputas e contendas motivadas por “preferências” dos crentes pelos ministros de Deus: “Quero dizer com isto, que cada um de vós diz: Eu sou de Paulo, e eu de Apolo, e eu de Cefas, e eu de Cristo.” (I Co 1.12) Note que Paulo pergunta: “Está Cristo dividido? foi Paulo crucificado por vós? ou fostes vós batizados em nome de Paulo?” O apóstolo mesmo responde a pergunta: “Dou graças a Deus, porque a nenhum de vós batizei, senão a Crispo e a Gaio, para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome.” (I Co 1.13-15) Batizar em seu próprio nome – como fazer discípulos para si mesmo – é típico de fundadores de seitas, coisa inconcebível na fé cristã. Um crente pode ser discípulo de um outro crente, desde que este segundo seja discípulo de Cristo e tenha, deste modo, o propósito de edificar a pessoa na fé cristã, tornando-a mais semelhante ao próprio Senhor de ambas.
Abre parênteses: O batismo nas águas cura doenças físicas? O batismo nas águas liberta a pessoa de espíritos malignos? Não e não! Ele não tem esse propósito! Mas, o batismo nas águas purifica o homem dos seus pecados? O batismo salva? Novamente, a resposta é não. O batismo não lava pecados, como querem fazer crer alguns religiosos. Nem tampouco salva, ainda que o batismo tenha um papel no plano de Deus para a salvação do homem. Essa verdade está muito clara nas Escrituras: Felipe foi transladado pelo Espírito Santo de Samaria a Gaza por causa de uma única alma, o eunuco da rainha Candace, a ser salva e batizada nas águas. Fecha parênteses.
Há que se considerar, ainda, o batismo com o Espírito Santo, e com fogo (Mt 3.11), onde Jesus é o batizador. Eis um tema bastante debatido entre os irmãos pentecostais e os irmãos tradicionais. Mesmo entre os pentecostais, há controvérsias: o texto aborda dois batismos (batismo com Espírito Santo e batismo com fogo) ou apenas um? (batismo com Espírito Santo e com fogo) No texto grego, a expressão “batismo com Espírito Santo e com fogo” é “en pneumati hagio kai puri” (“βαπτίσει ἐν πνεύματι ἁγίῳ καὶ πυρί”, Textus Receptus – 1550, com acentos). Conforme alguns mestres da Palavra de Deus, a coordenação copulativa kai (“e”) exige que “o batismo com Espírito Santo e com fogo” seja tratado como sendo um único batismo.
Há outros Mestres da Bíblia que argumentam que ao mencionar o batismo com Espírito Santo e com fogo João estaria se referindo a dois tipos de batismo diferentes: o batismo com Espírito Santo, destinado ao trigo (aos arrependidos) e o batismo com fogo, destinado à palha (aos impenitentes, baseados em Ml 3). Ainda que esta interpretação pareça ser a mais óbvia, há alguns argumentos que a contradizem. O termo “batismo” na Bíblia nunca é associado a algo negativo, como a destruição dos ímpios e infiéis, mas aparece sempre ligado a uma atitude positiva (não há uma expressão “batismo de destruição” na Bíblia). Ao contrário do que argumentam alguns, o fogo, em Malaquias 3:1-3, é destinado aos “filhos de Levi”, para os purificar, de forma que tragam ofertas em justiça ao Senhor; não sendo assim destinado aos “filhos de Belial” para os destruir, como sugerem os intérpretes de Mateus 3. Porque a inclusão da expressão “com fogo”? Obviamente, para enfatizar um dos aspectos deste batismo: a rápida capacidade de se alastrar. Havendo comburente e combustível, o fogo arderá ininterruptamente. Note que a rápida e ininterrupta expansão da Igreja, a partir do Pentecostes, pode ser facilmente associada à ação do fogo sobre os materiais combustíveis; do mesmo modo, associa-se também a sua ininterrupção (não existe instituição que tenha sido tão combatida e mesmo assim continue insistentemente existindo na face da Terra do que a Igreja). É preciso também considerar que João está se referindo a um tempo futuro (“ele vos batizará”), a um momento profético específico, que não correspondia ao momento em que aquelas palavras foram pronunciadas; deste modo, ao inspirar estas palavras, o Espírito Santo poderia estar se referindo à Igreja que seria ainda formada no dia de Pentecostes.
O que seria este “batismo com Espírito Santo e com fogo”, ou de forma mais simplificada o “batismo com Espírito Santo”? É o cumprimento da profecia de Joel: “E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, Que do meu Espírito derramarei sobre toda a carne; E os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, Os vossos jovens terão visões, E os vossos velhos terão sonhos; E também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e as minhas servas naqueles dias, e profetizarão” (Jl 2.28-30 comp. com At 2.17,18). Jesus afirmou que ele é o revestimento de poder (At 1.5,8), para capacitar os crentes para serem testemunhas do Senhor (mártires). Assim, o batismo com Espírito Santo deveria tornar os crentes mais aptos para testemunharem sobre a realidade do ministério do Senhor Jesus; afinal o ministério do Espírito Santo é glorificar o Senhor Jesus, anunciando o que Dele receber (Jo 16.14).
Como se dava o batismo com Espírito Santo nos tempos apostólicos? Dava-se pela imposição de mãos dos apóstolos, como em Samaria (At 8.14-17), após o batismo nas águas; dava-se espontaneamente, após a pregação da Palavra de Deus, como na casa de Cornélio (At 10.44; 11.15-17); dava-se também a partir da busca pelo Senhor em comunhão e oração (At 2). Sobre isso, Pedro disse: “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2.38). Em Éfeso (At 19.2-7), Paulo perguntou aos irmãos que ali estavam: “Recebestes vós já o Espírito Santo quando crestes?” A resposta foi unânime: “E eles disseram-lhe: Nós nem ainda ouvimos que haja Espírito Santo.” Os irmãos em Éfeso sequer tinham conhecimento da existência do Espírito Santo! Eles só haviam sido batizados até o momento conforme o batismo de João, ou seja, o batismo nas águas para arrependimento. A Bíblia diz que Paulo então impôs as mãos sobre eles, e aqueles discípulos foram batizados com o Espírito Santo, com as evidências disso: línguas estranhas e profecias!
Assim, de forma geral, o batismo com o Espírito Santo aparece no livro de Atos após a conversão (da qual precedem o arrependimento e a fé) e o batismo nas águas. Qual é a ligação bíblica entre os batismos? O ministro batiza nas águas, Jesus batiza com o Espírito Santo. E o Espírito Santo? Batiza no Corpo de Cristo, que é a Igreja! (I Co 12.13) Se realmente somos batizados na base do arrependimento e fé em Jesus, certamente receberemos o Espírito, e é este Espírito que nos introduz no corpo de Cristo e forma sua natureza em nós. É somente através do Espírito nos batizar no corpo que a pessoa de Jesus, sua vida e humanidade, pode ser manifestada ao mundo através de nós. Essa realidade – do batismo no Corpo – ainda precisa ser restaurada na Igreja hodierna!
Observe que a seqüência – batismo nas águas, batismo com Espírito e batismo no Corpo – não é automática, conforme Atos 19. Trata-se de uma propriedade inerente, um potencial que pode ser desenvolvido pela fé. Ao sermos batizados na água podemos e devemos ser batizados no Espírito e ao sermos batizados no Espírito podemos e devemos ser batizados no corpo. Mas por termos entrado em apostasia e vivermos em tempos de restauração, precisamos lutar para voltar a este nível, que é nosso direito e herança.
A necessidade de arrependimento e fé, gerando conversão e desejo de ser batizado nas águas, ao qual tendo acontecido ensejará, ao seu tempo, o batismo com Espírito Santo e o batismo no corpo é a causa da negativa de batismo àqueles que não compreenderam ainda o propósito disso. É preciso ter compreensão sobre o que significa ser batizado nas águas, com clareza, antes do ato. Do ponto de vista bíblico, uma pessoa só deveria ser batizada nas águas após a evidência de conversão e da compreensão do que implica ser batizado.
Na próxima argumentação, estudaremos acerca do ensino sobre a imposição de mãos. Até lá, permitindo Deus! Lembre-se: Deus está lhe dando visão de águia!
terça-feira, 6 de setembro de 2011
RENOVAÇÃO ESPIRITUAL E A MÚSICA NA LITURGIA CRISTÃ
Tradução: "Isto é Heresia!" Legenda: "O órgão da igreja trocado por guitarras e tambores! Despesas gerais substituem hinários, e o pastor não usa gravata!! Gracie Smith não está contente nem um pouquinho... Deve ser o fim dos tempos."
Quem é mais antigo na jornada cristã deve se lembrar dos conflitos que ocorriam nas igrejas no início da música gospel no Brasil. Havia uma multiplicação de sermões dominicais e de artigos nos boletins das igrejas falando sobre o rock evangélico que começava a entrar em algumas denominações, exortando os crentes a não aderirem àquilo que era considerado "do diabo". Naquela época, o único instrumento permitido no culto cristão era o órgão, geralmente tocado por uma irmã que dominava a música sacra, contida nos hinários da denominação. Em alguns pouquíssimos lugares aceitava-se adicionalmente um violão.
Porém, o fato é que a música gospel chegou para ficar. Mesmo as denominações mais resistentes já estão permitindo a "música moderna" em seus cultos e reuniões. Infelizmente, há uma "polarização" na música: se a opção é aderir ao gospel, isso implica em esquecer-se do sacro, dando a impressão que ambas não podem conviver dentro do mesmo ambiente. Hinos antigos e inspirados são assim esquecidos para sempre, condenados ao ostracismo, e com eles as raízes históricas e litúrgicas da denominação. Os cultos tornam-se mais barulhentos e menos reflexivos, num ambiente onde o movimento exterior é mais importante do que o movimento interior. Saem assim de um extremo para outro: da burocrática liturgia de algumas denominações para a libertina liturgia moderna, onde vale tudo desde que tenha a alcunha de "unção", até mesmo imitar animais no culto. E isso é chamado "renovação espiritual". Renovar é tornar novo, é melhorar; mudar ou modificar para melhor. Mas o que se vê hoje na maioria das igrejas não pode ser considerado algo melhor do que era anteriormente, de forma alguma. Qual é a solução? A reversão da renovação não é uma opção, por certo.
Analisando ambos os cenários - o antes e o depois da "renovação" - ressalta a olhos vistos a relação entre a música e a expressão da espiritualidade. A música tem efeito "potencializador" sobre o homem. Porém, será que isso só acontece com as músicas modernas? Será que apenas elas tem essa influência? Ou qual a relação entre os hinos e músicas com a genuína renovação da alma humana? A relação é inequívoca: um hino ou música inspirado pelo Espírito Santo, mesmo que seja considerado "antigo e ultrapassado" por alguns irmãos, é ainda um dos instrumentos que Deus usa para ministrar Sua presença, Seu amor e Seu consolo ao homem. Deus ainda fala e age utilizando-se dos mais variados e diferentes elementos, mesmo que estes elementos tenham sido rejeitados pelos atuais edificadores da Igreja.
Há quem pense que as músicas devem servir apenas para agitar a alma humana, especialmente no período de louvor em nossas igrejas. Os ministros de louvor que assim pensam ainda não compreenderam que a música é muito mais do que um amontoado de sons sem sentido. Infelizmente, para muitos "a letra não é importante". Ora, se a letra não é importante, o que é, então? O ritmo? O volume do som, que alguns insistem em por "nas alturas"? Não importa se a letra é antibíblica, ou se não faz nenhum sentido, repleta de simbolismos pouco compreensíveis? Não precisa nem pensar muito para concluir que esse conceito de "louvor renovado dos últimos dias" está erradíssimo!
Abre parênteses: A intensidade do som, ou pressão sonora, é medida em bels (homenagem a Alexander Graham Bell, que inventou o telefone em 1877), ou mais comumente em seu submúltiplo, o decibel (dB). É definido como a divisão de uma escala logarítmica cujos valores são 10 vezes o logarítimo decimal da relação entre o valor de potência considerado e um valor de potência especificado, tomado como referência e expresso na mesma unidade. Segundo a Norma Regulamentadora Nº 15, a máxima exposição diária permissível para um nível de ruído de 100 dB é de 1 hora. Se o nível de ruído for de 115 dB a exposição máxima é de 7 minutos. Um conceito, muito comum entre os músicos e ministros de louvor das igrejas, é que "louvor ungido" é igual a "som alto", ou que “só conseguem tocar se o som estiver alto”, tornando assim o ambiente de culto insuportável em termos de potência sonora. Não há como haver unção, manifestação do poder de Deus, curas e conversões durante o período de louvor se o nível do som extrapola os limites do corpo humano. Os níveis insuportáveis de som produzem estresse e aumento da pressão arterial (sistólica e diastólica) pelo aumento da produção de adrenalina. O som muito alto prejudica ainda a concentração e performance, além de causar irritação e incômodo. Uma boa referência para consulta e estudo é a norma ABNT NBR 10151:2000 - Versão Corrigida: 2003 Acústica - Avaliação do ruído em áreas habitadas, visando o conforto da comunidade - Procedimento, a qual pode ser adquirida a baixíssimo preço no site da ABNT. Fecha parênteses.
O que os "ministros de louvor dos últimos dias" não conseguiram ainda compreender é que o louvor à Deus não é apenas "cantoria de músicas vazias e remelexo, tudo isso no mais alto volume possível". O louvor a Deus expressa gratidão e reverência, obrigatoriamente. Dependendo do contexto, desperta também o temor do Senhor aos homens. Basta sossegar um pouco a alma que facilmente pode se sentir o temor do Senhor em hinos tais como "O Banquete de Belssazar" (hino 249):
Tua vida, ó amigo,
Nesta hora escrita está;
O registro dos teus atos
Deus, no céu, escreve já;
Que Jesus, pois, te faça
Tal escrita compreender,
Que, em havendo tempo, possas
Sua graça receber.
Lá no céu, a mão de Deus!
Lá no céu, a mão de Deus!
Vê qual seja a tua sorte,
A tua vida ou morte;
Lá no céu, escreve a mão de Deus
Como, pergunto, não sentir o amor de Deus a partir de hinos como "Dez Mil dos Anjos" (“Amarraram as mãos de Cristo/ Quando no Jardim orava/ e assim sofreu vergonha e dor./ Bateram em sua face tão pura e sem pecado/ e disseram: "Crucifica-o já")? Eis aí um bom hino para ser cantado nos cultos de Santa Ceia, pois é um hino que traz a memória tudo o que o Senhor Jesus fez por nós e Sua principal motivação em ser crucificado. Ou como não sentir toda ternura e consolo do Espírito Santo na letra “meu Jesus vê quando estou só/é sabedor do meu sofer/.../Ele me ampara no caminho/e diz baixinho: não está só”? Alguém já viu uma declaração mais enfática sobre o Servir a Cristo do a registrada na estrofe “Oh! Sim! Vale a pena servir a Jesus/neste mundo é melhor ter a Cristo/riquezas se vão, honra, glória e posições/mas feliz é sempre quem tem a Cristo”?
Abre parênteses: Muitos dos hinos aqui citados são de autoria de cantores – verdadeiros ministros de louvor a Deus – como o Pr. Feliciano Amaral. Desde tenra idade eu escuto-os, debaixo da tábua de passar roupa, graças a minha querida mãe que colocava os LPs de vinil na antiga vitrolinha. Creio que as mensagens desses hinos ficaram impressas em minha alma, o que me ajudou a encontrar o Senhor quando adolescente. Hoje, vejo muitas mães que anseiam pela conversão dos seus filhos, orando desesperadamente por eles (oxalá!), sem, no entanto, fazerem a “sua parte” para que a tão desejada conversão aconteça. Se as mães assistissem menos um pouco a TV, se o mundo com seus valores entrassem menos um pouco em suas casas a partir de programas televisivos de qualidade duvidosa, se elas passassem a dedicar mais tempo e sabedoria em incutir no coração dos filhos a Palavra de Deus por meio das histórias e da música, elas cedo ou tarde lograriam êxito no afã de ver seus filhos queridos no Caminho do Senhor. Fecha parênteses.
Pode parecer que aqui está se afirmando que em matéria de músicas e hinos tudo que é novo é ruim, ou só o que é antigo é bom. Essa não é a intenção. Há boas músicas evangélicas modernas, porém infelizmente cada vez mais escassas. A imensa maioria não passa de “mais do mesmo” e “manipulação emocional”. Emoção é parte do louvor a Deus? Sim; é um grande erro excluí-las do louvor e da adoração. As emoções se constituem em um dos atributos da alma humana, não apenas o raciocínio ou a lógica. É uma bênção poder adorar a Deus também com nossas emoções, onde Deus mesmo se encarrega de desbloquear a alma do adorador. É preciso reconhecer que num mundo cada vez mais impessoal, onde muitos relacionamentos são construídos em bases opressoras ou interesseiras, as emoções (quer sejam de tristeza, quer de alegria), quando liberadas na presença de Deus em reuniões menos burocráticas e institucionalizadas, são trabalhadas e curadas pelo Espírito Santo. Mas as emoções não podem ser o objetivo final dos hinos e músicas produzidos e utilizados pelas igrejas.
As emoções precisam surgir livremente, sem “forçar a barra”. Elas precisam ser espontâneas, como se deu no caso da mulher pecadora em Lucas 7:36-50, onde as lágrimas fluíram livremente a partir do encontro da alma humana com o Senhor Jesus. Como não se emocionar em Sua presença? Como não “beijar os pés” daquele que demonstra ternura e amor com o pecador arrependido? Como não “bater palmas”; como não “aclamar a Deus com voz de triunfo” (Sl 47.1)? A renovação espiritual passa inexoravelmente pela adoração ao Senhor, a qual deve ser gerada a partir de músicas e hinos cantados com inteligência, que é a capacidade de compreender e adaptar-se facilmente, o que tem íntima relação com a faculdade de interpretar o que está sendo dito e cantado – a letra da música ou hino.
Abre parênteses: Não existe nenhuma indecência ou desordem em alguém chorar ou sorrir, ou dar brados de glória e aleluia durante o culto a Deus. A desordem e a indecência passam a acontecer quando há descontrole emocional, o que geralmente acontece em ambientes onde há ênfase nesse tipo de adoração. Quando a desordem começou a acontecer no culto dos irmãos em Corinto – a igreja mais avivada do Novo Testamento – o apóstolo Paulo tratou de pôr as coisas em seu devido lugar. Assim, cabe ao pastor da igreja não coibir a espontaneidade por medo da desordem, burocratizando a adoração cristã, mas sim ensinar o ponto de equilíbrio. Cabe a ele coibir os excessos, ensinando os crentes a adorarem ao Senhor com emoções e inteligência, sendo ele mesmo o exemplo dos fiéis. Fecha parênteses.
Liberdade e espontaneidade são marcas de reuniões de igrejas renovadas e avivadas. Glória a Deus porque podemos adorá-Lo num ambiente mais alegre, onde é possível expressar todo amor que sentimos por Deus. Glórias a Deus também porque podemos fazer tudo isso sem sermos indecentes ou desordeiros. O próprio apóstolo Paulo disse que onde o Espírito do Senhor está aí há liberdade (II Co 3.17), assim é possível ser liberto sem ser libertino. Ser renovado por Deus, espiritual e emocionalmente, é uma das consequências de uma adoração dinâmica e alegre, num ambiente saudável e equilibrado. E a música tem papel importante na construção deste ambiente.
A música evangélica precisa ser entendida como uma ferramenta de apoio à renovação espiritual e isso só se dará a partir da compreensão da influência da música sobre a alma humana e da compreensão da Bíblia sobre o uso de hinos já conhecidos e sobre a criação de novas músicas. Somente a partir da comunhão com Deus e do estudo da Palavra haverá discernimento espiritual necessário para compor músicas realmente inspiradas pelo Espírito Santo e somente estas causarão impacto espiritual positivo na vida dos crentes e dos visitantes em nossas igrejas. Com esse objetivo internalizado em nossos corações, não haverá mais tensões, em termos musicais, entre o antigo de Deus e o novo de Deus, mas o antigo e o novo estarão em harmonia, cumprindo o seu papel com perfeição e maestria.
Novamente, comunhão com Deus e estudo incessante das Escrituras são os requisitos mínimos - o minimum minimorum - necessários à vida dos compositores evangélicos para que suas músicas possuam as mesmas qualidades das músicas e hinos antigos. Sem vida com Deus, não há como haver inspiração e sem inspiração, só serão compostas músicas de pouca ou nenhuma qualidade como a imensa maioria disponível no mercado. Enquanto essa triste realidade perdurar, não haverá a produção de nenhum valor espiritual permanente na vida dos crentes a partir destas músicas, apenas impressões emocionais passageiras.
Pense nisso. Deus está lhe dando visão de águia!
Assinar:
Postagens (Atom)