quarta-feira, 29 de março de 2023

DONS ESPIRITUAIS: QUAIS SÃO E PARA O QUÊ DEVEM SERVIR?


TEXTO-BASE
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1 Coríntios cap. 12.

Acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes.
Vós bem sabeis que éreis gentios, levados aos ídolos mudos, conforme éreis guiados.
Portanto, vos quero fazer compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo.
Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo.
E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo.
E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.
Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil.
Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência;
E a outro, pelo mesmo Espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo Espírito, os dons de curar;
E a outro a operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretação das línguas.
Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer.
Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também.
Pois todos nós fomos batizados em um Espírito, formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito.
Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos.
Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo?
E se a orelha disser: Porque não sou olho não sou do corpo; não será por isso do corpo?
Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o olfato?
Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis.
E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo?
Assim, pois, há muitos membros, mas um corpo.
E o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti; nem ainda a cabeça aos pés: Não tenho necessidade de vós.
Antes, os membros do corpo que parecem ser os mais fracos são necessários;
E os que reputamos serem menos honrosos no corpo, a esses honramos muito mais; e aos que em nós são menos decorosos damos muito mais honra.
Porque os que em nós são mais nobres não têm necessidade disso, mas Deus assim formou o corpo, dando muito mais honra ao que tinha falta dela;
Para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual cuidado uns dos outros.
De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele.
Ora, vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular.
E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas.
Porventura são todos apóstolos? são todos profetas? são todos doutores? são todos operadores de milagres?
Têm todos o dom de curar? falam todos diversas línguas? interpretam todos?
Portanto, procurai com zelo os melhores dons; e eu vos mostrarei um caminho mais excelente.

(1 Coríntios 12:1-31)

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INTRODUÇÃO

A Igreja em sua tenra idade possuía uma prosperidade a qual hoje não se tem visto: ela possuía abundância em dons espirituais. A verdade de que esses dons são valiosos como evidência da habitação do Espírito, e na medida em que podem ser úteis para a Igreja, foi esquecida pelos cristãos. Infelizmente com a mudança de ênfase da igreja, da presença e poder do Espírito para o poder e influência secular, muito daquilo que lemos no Novo Testamento foi deixado de lado. Considerando isso, esse estudo visa trazer despertamento, arrependimento e retorno à busca da presença e influência do Espírito Santo tal como fora no passado.

Paulo, escrevendo aos crentes de Corinto, fala sobre a diversidade dos dons que Deus por seu Espírito havia conferido à sua igreja, das várias administrações e ofícios designados pelo mesmo Senhor, e das diferentes operações dAquele que opera tudo em todos. Ele compara a Igreja com seus muitos dons ao corpo humano com seus vários membros e suas funções distintas e, argumentando sobre o benefício que cada membro do corpo tem para o corpo como um todo, enfatiza a unidade do corpo de Cristo apesar da existência de muitos dons diferentes. Noutras palavras, os diferentes dons não deveriam ser objeto de disputa entre os crentes (do tipo "eu sou melhor que você porque tenho esse dom e você não"), mas sim servir à comunhão da Igreja. Existem vários dons e vários ofícios a serem executados, mas todos procedem de um só Deus, um só Senhor, um só Espírito; isto é, do Pai, Filho e Espírito Santo, a origem de todas as bênçãos espirituais. Nenhum homem os tem apenas para si ou por qualquer mérito pessoal. 


OS DONS ESPIRITUAIS

Os dons são diversificados (v.4, do gr. Διαιρέσεις, diaireseis): são variados, distintos, diferentes. Um dom não é igual ao outro; além disso, um mesmo dom pode apresentar variações, como no caso dos dons de curar. A despeito de sua variedade, todos tem origem no Espírito Santo. “Mas o Espírito é o mesmo”, Paulo explica, um só Espírito como autor de todos os variados dons espirituais. Importante ressaltar que no versículo 4 o termo usado para dom é charismatōn, termo grego que possui a mesma raiz do termo graça (charis), o que nos indica que os dons espirituais são a manifestação da graça de Deus e, portanto, não são dados por mérito humano. 

Parênteses: Nada que é dado por Deus vem a nós pelo nosso mérito. Absolutamente nada! Tudo é pela bondade e misericórdia de Deus, por simples e pura Vontade Divina. Os dons, a salvação e tudo mais são presentes graciosos de um Deus que é Amor e que nos ama independente de nossos inúteis esforços humanos. Nunca por "fazermos por merecer", conceito que deveria ser extirpado totalmente do nosso entendimento em relação a fé em Cristo e portanto da vida comunitária na Igreja, incluindo o exercício de dons e ministérios. 

Outro termo que surge na listagem de 1Co 12 é ministérios (v.5), traduzido do grego diakonia, o mesmo usado em Atos 6 quando da eleição dos primeiros 7 diáconos da Igreja. Diakonia significa "serviço" e, assim como os dons, é também diversificado (diairesis), sendo o Senhor é o mesmo – um só Senhor como autor de todos os variados ministérios. Lógico que sendo o Senhor o autor de todos os ministérios, mais uma vez percebemos que ninguém exerce ministério algum se não for pela Graça de Deus. Veja como isso é importante especialmente numa época como a nossa em que há proliferação de gente com título eclesiástico, como se fossem títulos dignitários conferidos por "honra ao mérito", mas notoriamente sem possuir o dom para o exercício da função.  

No versículo 6 vemos o apóstolo mencionar "operações". Ele diz: "Há diversidade de operações". As operações vem do gr. energēmatōn, que pode ser traduzido por "efeito" ou "trabalho". Este termo significa o que é efetuado, ato, ação, operação e trabalhos, podendo ser entendido como "trabalhar efetivamente para fazer algo acontecer", descrevendo um trabalho ativo, eficiente e eficaz. No Novo Testamento quase sempre descreve a atividade sobrenatural. A idéia no versículo 6 é que existem ações sobrenaturais por parte do Espírito Santo que produzirão resultado nas vidas dos crentes, individualmente e enquanto membros do Corpo de Cristo, e na vida dos incrédulos que estiverem presentes. Um exemplo de uma operação é quando a Palavra de Deus pregada ou ensinada produz fruto no coração humano.

Spurgeon conta um episódio que ocorreu com ele.  Certa vez, ele testou a acústica em um auditório no qual ele iria falar naquela noite. Subindo ao púlpito, ele proclamou em alta voz: "Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo." Satisfeito com a acústica, saiu e seguiu seu caminho. Sem que ele soubesse, havia dois homens trabalhando nas vigas daquele grande auditório, nenhum deles cristão. Um dos homens sentiu uma pontada na consciência pelo versículo citado por Spurgeon e tornou-se um crente mais tarde naquele dia!

Essas operações do Espírito são variadas (diairesis), mas novamente é o mesmo Deus que opera tudo em todos – um só Deus como autor de todas as variadas operações. 

Note que é de suma importância entendermos que a base para a posse e o exercício dos dons foi e ainda é a mesma (1Co 12:31; 1Co 13:1-13). Amor por Deus, por Cristo, pelos irmãos e até mesmo pelos incrédulos. Sem amor, tudo é completamente inútil (I Co 13) porque perde o seu propósito, gerando desunião, desavença e soberba (obras da carne). Amor não é em si mesmo um dom do ponto de vista bíblico e portanto não deve ser entendido como tal; o amor é um aspecto do fruto do Espírito (Galátas 5:22) que é, conjuntamente com os demais aspectos, o caráter de Cristo gerado na nossa vida pelo Espírito. Assim, o Amor é o contexto no qual os dons devem ser desenvolvidos e exercidos.

OBS.: A imagem mostra os sinos e as romãs na roupa do sumo-sacerdote, tiupificando os dons e o fruto do Espírito. Ambos devem estar presentes em nossas vidas. 

Parênteses: Como o exercício do dom tem como base exclusiva o amor, aquele que recebeu dons do Senhor deve sempre priorizar o bem de outrem, não de si mesmo, quando executa o dom. Por outro lado, aqueles que se beneficiam do dom na vida de um irmão ou irmã em Cristo deveriam cuidar com carinho dessa pessoa e não destratá-la e entristece-la com coisas como fofocas, ofensas, traições e desprezo. Afinal de contas, se todos os membros funcionam no Corpo para o bem do Corpo, então não faz sentido algum prejudicar deliberadamente qualquer membro. Não faz o menor sentido, por exemplo, dar voluntariamente uma martelada no dedo do pé só porque ele não é olho, nem deixar de fazer curativo num corte no dedo só porque é no dedo e não no nariz. Ao contrário, se o dedo sofre, o nariz, o olho, o ouvido, etc. sofre com ele; se ele está bem, todo o corpo está bem. Note que Paulo diz: "Para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual cuidado uns dos outros. De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele." O dom está sendo exercido? Vamos nos regozijar com aquele que exerce o dom, vamos apoia-lo e demonstrar a ele nossa gratidão e amor. Ele está padecendo, vamos igualmente apoia-lo e demonstrar a ele o nosso amor. Chega de obras da carne!

Os dons são dados para edificação da Igreja. Amor sem dons não edificam a Igreja, do mesmo modo dons sem amor também não. DONS DEVEM SER EXERCIDOS COM AMOR PARA PRODUZIREM EDIFICAÇÃO! Assim, devemos seguir o amor e desejar ardentemente os dons espirituais – desejar com fervor, com ardor, intensamente. O desejo ardente para recebermos dons espirituais deve, sem exceção alguma, vir acompanhado do ardente amor pelas vidas das pessoas, pela Igreja e pelo próprio Senhor. Noutras palavras, é o intenso amor em nossos corações o catalisador pela busca persistente dos dons espirituais.

 

TENDÊNCIAS SOBRE OS DONS ESPIRITUAIS

1. A tendência de negar ou desprezar os dons espirituais: Na sua forma mais extrema, esta tendência diz que os dons do Espírito foram dados como sinais miraculosos no Pentecoste mas não têm validade hoje. Dons de cura, profecia e línguas não mais são considerados válidos. Na sua forma mais moderada esta tendência admite, em teoria, a validade dos dons espirituais mas, na prática desconfia deles e tende a desprezá-los. Todos os dons espirituais, especialmente os mais controvertidos, são considerados no mínimo desnecessários e no máximo heréticos. A rejeição dos dons espirituais realmente indica um desentendimento básico da natureza de tais dons. Aqueles que temem os dons espirituais (e muitas vezes o problema verdadeiro é medo) geralmente imaginam os dons como manifestações altamente individualistas, irracionais e excêntricas que atrapalham a unidade do corpo de Cristo. Mas isso não é de modo nenhum o que a Bíblia esclarece sobre os dons do Espírito. Os carismas não são coisas artificialmente anexadas, nem temporária ou culturalmente limitados. São válidos em qualquer cultura e é sua presença na igreja que a torna relevante em qualquer cultura. Simplesmente não temos autoridade para declarar inválidos determinados dons. 

2. A tendência de superindividualizar os dons espirituais: os dons espirituais são muitas vezes considerados estritamente um problema de relacionamento “particular” de um indivíduo com Deus, sem levar em consideração a comunidade cristã. Em contraste a isto Paulo repetidamente enfatiza que os dons do Espírito são para a edificação da igreja e se isto não for enfatizado os dons perdem seu significado. O princípio geral é “a cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito para o proveito comum” (1 Co 12:7). O dom individual é equilibrado pela responsabilidade e interação da comunidade. O conceito bíblico é que a comunidade de crentes age como contexto de controle para o exercício dos dons, desencorajando desta forma aberrações individualista. E os dons precisam operar desta forma, ou seja, no contexto do Corpo. Quando a igreja realmente funciona nesta base, os diversos dons não somente complementam um ao outro, mas também agem como controle para evitar extremos. Os dons espirituais não são dados simplesmente para proveito pessoal e nem ainda principalmente para o próprio crescimento espiritual do indivíduo, embora isto também seja importante. Os dons são dados para o proveito comum, “para que a igreja receba edificação” (1 Co 14:5).

3. A tendência de enfatizar alguns dons e desprezar outros: Esta aberração é tão séria que hoje qualquer discussão sobre os dons espirituais geralmente fica atolada na questão de línguas. A tendência de pensar sobre os dons espirituais somente em termos de dons mais espetaculares como línguas, cura, ou profecia é uma aberração que deve ser evitada. Todos os dons são importantes, todos os dons são necessários e todos são dados por Deus para proveito comum. O problema, muitas vezes, é a falha em admitir a plena extensão dos dons — a falha em apreciar “a multiforme graça de Deus”. O fato é que todos os dons são importantes, e nenhum é uma anomalia quando exercido corretamente no contexto de comunidade. Desta forma, assim como é errado enfatizar demais pregação e ensino e negar línguas e curas, também é errado fazer o contrário - enfatizar os dons mais espetaculares em detrimento dos dons mais comuns. “Todo verdadeiro membro da igreja local tem no mínimo um dom e a maioria das pessoas tem vários. Sendo que ninguém tem todos os dons e todo mundo tem no mínimo um, há uma interdependência entre os membros da igreja. As Escrituras ensinam (1 Co 12:22-25) que os dons menos espetaculares são mais necessários.

Os dons do espírito foram dados no Corpo de Cristo para trazer unidade e criar interdependência. Os dons foram dados a todo o Corpo de Cristo, não apenas aos pastores e demais ministros. Por esta razão, não devemos pedir apenas aos ministros que façam o ministério do altar. As pessoas que têm o dom da cura devem orar pela cura. Pessoas que têm discernimento de espíritos devem ser usadas em circunstâncias questionáveis. As igrejas precisam dar prioridade à identificação dos dons espirituais e colocar as pessoas apropriadas nas funções-chave onde esses dons são necessários. 

4. A tendência de divorciar os dons espirituais da cruz: Esta tendência surge da falha de equilibrar a tensão entre a cruz e os carismas, entre a Páscoa e o Pentecoste. Por um lado, esta tendência enfatiza os dons de tal forma que a cruz perde seu valor e a comunidade é fragmentada pelo egocentrismo; já do outro lado, rejeita qualquer ênfase nos dons por causa desta tendência de egocentrismo e auto exaltação. O ensino do Novo Testamento sobre os dons espirituais não é um chamado para cada cristão “fazer sua própria coisa a seu modo” e esquecer o bem-estar do grupo e a necessidade do mundo. O ministério não é determinado exclusivamente por desejo pessoal, mas pela cruz. “Quando alguém realmente entra na prática dos dons, descobre que significam responsabilidade e sacrifício”.  A identificação dos dons traz à luz o problema de compromisso. De alguma forma se eu nomeio meu dom e há confirmação, não posso viver solto como antes. Meu compromisso me dará uma identidade. 

5. Pode haver abuso (excessos) no uso dos dons espirituais: Como aconteceu em Corinto, pode acontecer que pessoas com dons espirituais (em especial aqueles que envolvem o uso da fala) cometam excessos durante o culto cristão, desvirtuando o uso e o propósito do dom bem como o próprio culto em si. São pessoas que perturbam a ordem no culto, orgulhosos pelos dons que possuem acabam não permitindo mais ninguém falar durante o culto. Em Corinto eles estavam sempre preparados com alguma profecia, com alguma língua, com alguma exortação, com alguma mensagem, interrompendo qualquer um que falasse no culto. O uso dos dons na Igreja requer decência e ordem. O "poder do Espírito" como razão para o descontrole no uso de dons da fala - os mais comuns são línguas e profecia - não encontra base bíblica, uma vez que a Bíblia ensina que  "o espírito dos profetas está sujeito ao controle dos próprios profetas" (1Co 14:32). Quem fala, fala a partir do seu próprio espírito, podendo ser este espírito humano inspirado quanto ao conteúdo pelo Espírito Santo.

Proibir que os dons sejam usados é a solução? Definitivamente não!  Paulo fala: "gostaria que todos vós falásseis em línguas, todavia, muito mais que profetizásseis" (1Co 14:5). Ele exorta aos crentes, inclusive, para que ninguém proíba o falar em línguas: "Portanto, meus irmãos, busquem com dedicação o profetizar e não proíbam o falar em línguas" (1Co 14:39). O que fazer, então? O que deve ser feito é ensinar e treinar aqueles que tem o dom de profecia ou de línguas. Essa tarefa é parte da razão de existirem anciãos (presbíteros) na Igreja, bem como da razão de haverem dons ministeriais. O aprendizado no uso dos dons nunca deveriam ser "learning by yourself" (aprenda por si mesmo), mas sim uma tarefa contínua a persistente de ajuste (que envolve erro e acerto) de cada membro do Corpo com sua função específica, ligado um no outro pelo auxílio de todas as juntas, segundo o justo funcionamento de cada parte (Ef 4.16). 

Parênteses: Devemos considerar que há pessoas que são imaturas espiritualmente (meninos) as quais também recebem dons espirituais. Um pré-requisito para a maturidade espiritual é crescer e desenvolver o fruto do espírito. Algumas das pessoas mais perigosas na igreja são aquelas que tentam operar nos dons do espírito, sem primeiro desenvolver o fruto do espírito. Eles se tornam mesquinhos, cheios de orgulho e arrogantes em sua tentativa de usar um dom espiritual. Este grupo traz uma repreensão a este grande movimento do Espírito Santo. Os verdadeiros crentes maduros são cheios de amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade e domínio próprio. Imaturidade significa simplesmente “subdesenvolvido”. Não significa irresponsável, apenas subdesenvolvido. Existem muitas pessoas boas que foram cheias do Espírito Santo, mas nunca se desenvolveram espiritualmente para usar adequadamente seu dom espiritual. Pessoas espirituais imaturas tratam o ministério como um “show de talentos”. Crentes maduros sempre querem que Jesus seja o centro das atenções. Pessoas espirituais imaturas querem ser vistas, enquanto o crente maduro entende a diferença entre os dons espirituais públicos e os dons espirituais privados. Todos os dons espirituais nem sempre são apropriados em um culto de adoração. Os dons de edificação só são apropriados se o “corpo” puder ser edificado. Crentes espirituais imaturos fazem o dom espiritual sobre si mesmos e muitas vezes não entendem como fluir em uma unção corporativa.

6. Podem ser usados de forma errada: O propósito de todo e qualquer dom é sempre a edificação e esta, por sua vez, tem como base o próprio Senhor. No entanto, por conta da imaturidade humana, o dom pode ser usado para desagregação. Isso especialmente acontece por conta do orgulho e vaidade humana, que faz com que aquele que tenha o dom sinta-se "a última bolacha do pacote" e assim passar a fazer "o que der na telha". A solução para isso, mais uma vez, envolve uma ação amorosa e zelosa dos anciãos da Igreja e daqueles que possuem dons ministeriais, tal como discutido acima.  

7. Podem ser falsificados (pelo homem e pelo próprio Satanás): Infelizmente pode acontecer que uma exibição de um pretenso dom seja na verdade uma manifestação da alma humana ou até mesmo o exercício de um poder satânico. Daí a importância do dom de discernimento de espíritos. Também é muito importante conhecer a Palavra de Deus, especialmente no que diz respeito ao ensino central da mesma. Note: Cristo deve ser sempre o centro da Igreja e isso se aplica a tudo, inclusive os dons ministeriais (é possível haver falsos pastores e falsos mestres atuando dentro da própria Igreja, cf. 2 Pedro cap. 2, Mateus 24:11, etc.). Então, como podemos saber o que é genuinamente do Espírito e o que é falso? Jesus disse que quando “o Espírito da verdade vier, ele vos guiará em toda a verdade” (João 16:13). O Espírito de Deus sempre opera de acordo com as Escrituras. Portanto, como nos sentimos ou os resultados que vemos não são ferramentas eficazes para determinar a autenticidade espiritual de uma pessoa, crença ou atividade. Em vez disso, devemos compará-lo com as Escrituras para ver se é do Espírito ou não.

8. Podem ser exercidos por crentes carnais: os dons não são prova de uma pretensa "espiritualidade superior". A verdadeira espiritualidade consiste no amor cristão (ao próximo e a Deus), na humildade e na busca da santificação. Ressalto que o dom aqui é genuíno. Perceba que também nesse caso devem entrar em ação os demais dons e ministérios da Igreja, conduzindo a pessoa no amadurecimento espiritual cristão. 

 

QUANTOS DONS ESPIRITUAIS EXISTEM? PODEM HAVER OUTROS?

Comparando os textos de 1Co 12:8-10,28-30 com Romanos 12:6-8 e com Efésios 4:11 e eliminando-se as redundâncias, é possível constatar que a Bíblia aponta para a existência de aproximadamente 22 diferentes dons. Uma das possíveis formas de agrupa-los é do seguinte modo:

I. Dons de Assistência: (1) Serviço, (2) Contribuir, (3) Exercer misericórdia, (4) Dons de curar, (5) Operações de milagres, (6) Socorro.

II. Dons Ministeriais e de Direção: (7) Presidir, (8) Governo, (9) Discernimento de espíritos, (10) Apóstolos, (11) Profetas, (12) Pastores, (13) Evangelistas, (14) Mestres (ou Doutores), (15) Fé.

III. Dons da Palavra: (16) Palavra de sabedoria, (17) Palavra da ciência, (18) Exortar, (19) Variedade de línguas, (20) Interpretação de línguas, (21) Ensinar, (22) Profecia.

Pode haver outros dons que a Bíblia não fala? Há duas teses sobre isso: a primeira ensina que a Lista Bíblica é Exaustiva: Isto é, não há outro dom a não ser aquele que está incluído nas listas bíblicas. Outra tese é de que a Lista Bíblica não é Exaustiva: Conforme alguns mestres da Palavra de Deus ensinam, um exame das passagens bíblicas relevantes sugere que os vários dons mencionados são considerados representativos. A multiforme operação do Espírito poderia despertar uma infinidade de dons; os dons poderiam ser tão variados como a personalidade humana. Desta forma, qualquer habilidade (dom natural) vivificada e usada pelo Espírito Santo - seja na música, arte, literatura, oração intercessória, afazeres domésticos, hospitalidade, ouvir, e qualquer outro – seria considerado um dom espiritual legítimo. “A fé cristã criaria espaço para dons e criatividade na base da importante doutrina bíblica dos dons do Espírito”, segundo Howard A. Snyder. 

 

BREVE DESCRIÇÃO SOBRE CADA UM DOS DONS ESPIRITUAIS

A descrição aprofundada sobre cada dom foge do escopo dessa postagem. Apresento a seguir uma breve descrição de alguns deles, para balizar o entendimento. 

(A) Dons de Curar: “e a outro, pelo mesmo Espírito, os dons de curar” (I Co 12.9 – gr: charismata iamatōn en tō heni Pneumati). Note o plural (dons de curar). Os dons de curar variam conforme a origem da enfermidade (funcional, orgânica, psicossomática ou espiritual). Os dons de cura são manifestações do poder de Deus na esfera (na área) da doença, restaurando a saúde dos enfermos de maneira sobrenatural. OBS.: Devemos ter cuidado com as distorções em torno da cura, pois o Novo Testamento nos informa que nem todos os crentes foram curados (1 Tm 5.23; 2 Tm 4.20). Os dons de curar não dispensam as ciências médicas. Veja mais em: PALAVRA E ESPÍRITO: ENTENDENDO A CURA INTERIOR E A SUA FONTE e também em: JOHN LAKE – APRESENTAÇÃOJOHN LAKE – NASCE UM MINISTÉRIO DE CURA DIVINA

(B) Operações de Milagres: O dom de operar milagres consiste na capacitação da pessoa para realizar obras poderosas e sobrenaturais, que despertam surpresa, admiração ou espanto nas outras pessoas, dando testemunho do poder de Deus e edificando sua igreja (p.ex.: At 13.11,12 ver também 2Rs 6:5-7). As operações de milagres podem ser bastante variadas, envolvendo uma ampla gama de ações sobrenaturais distintas realizadas pelos que possuem esse dom. 

(C) Socorro: “E a uns pós Deus na igreja [...] socorros” (I Co 12.28 – gr: antilēmpseis). A palavra socorros, do grego “antilempseis”, é derivada do vocábulo grego "antilambanomai", que significa “segurar com as mãos”. Capacidade  de  ajudar  outros  em  suas  necessidades  de  modo  a  fortalecê-los  e encorajá-los material e espiritualmente. É o dom da ajuda onde há necessidade, da disposição de servir ou do espírito serviçal.  Note: Esse dom não tem nada tem a ver com a prática do ativismo, algo tão comum no meio cristão-evangélico. O ativismo é opressor, o dom é ligado a liberdade e voluntariedade. Vejamos um exemplo da manifestação desse dom:

"Numa das igrejas em que servi como pastor havia um casal com este dom. Apesar de bastante novos na fé naquela época, nunca vira nada igual. Pessoas com problemas chegavam à igreja e eles logo as descobriam. Certo irmão perdeu o emprego na sexta-feira; no domingo o casal já estava a par. Aproximaram-se de mim e disseram: “Pastor, fulano está desempregado, e o pior é que esta semana ele tem dívidas a saldar; não vai poder pagar o aluguel”. De três em três meses havia uma família morando na casa deles. Ficavam ali uma semana, eles arrumavam emprego, davam-lhes um jeito na vida. Estavam sempre ocupados. Desde o primeiro mês, quando chegaram à Igreja e se converteram, esse dom começou a se manifestar. Faziam isto num acordo, uma harmonia e alegria enormes; têm-se por privilegiados neste ministério de socorro." (Pr. Caio Fábio; Espírito Santo: O Deus que vive em Nós) 

(D) APÓSTOLOS: Os apóstolos são responsáveis por plantar igrejas (I Co 3.10,11), levam o evangelho até lugares não-alcançados (Rm 15.20), apontam e treinam líderes (At 14.21-23; Tt 1.5), tratam com problemas doutrinários e com pecado, supervisionam Igrejas e promovem a unidade (I Co 16.1-4), demonstram e concedem o sobrenatural (II Tm 1.6-7; II Co 12.12, At 4.33, 8.4-20, 10.44-46, 19.16 ), não manipulam ou se auto-promovem (II Co 11.7-15), não mercadejam com o evangelho (Hb 3.1), possuem a marca de Cristo - crucificação pessoal (II Co 1.3-7). Veja mais em: Entendendo a Natureza e o Papel dos Cinco Ministério de Efésios. Ao contrário do que muitos ensinam, esse ministério não está extinto, apesar de existir muita falsificação desse dom hoje em dia (muitos falsos apóstolos). Do mesmo modo, não se trata de um título de igreja, hierárquico, como se o apóstolo estive hierarquicamente acima do pastor. O verdadeiro apóstolo fundamenta a Igreja (Ef 2:20). Para quem quiser conhecer mais, recomendo a leitura do livreto "Primeiramente Apóstolos", por John Walker (disponível no link: https://hermesgama.files.wordpress.com/2008/09/primeiramente-apc3b3stolos.pdf). O ofício de apóstolo é uma combinação dos outros quatro dons-ministérios da igreja. Ele pode ser o que for necessário - pastor, evangelista, mestre ou profeta.

(E) PASTORES: Os pastores apascentam o rebanho. Possuem capacitação divina para nutrir, cuidar e amadurecer espiritualmente cada ovelha; são abnegados, generosos, hospitaleiros e moderados. Leia mais em: O MINISTÉRIO DO PASTOR.

(F) EVANGELISTAS: Evangelista é a pessoa que proclama o Evangelho aos que não o aceitaram ainda, com o fim de levar as boas novas a eles. Pregador de boas novas. Evangelistas são pregadores itinerantes,  pregando especificamente a mensagem da salvação. Eles possuem, necessariamente, o dom da fé (I Co 12.9); sua mensagem é impactante, gerando fé nos ouvintes. É errado entender o ministério de evangelista como sendo um cargo ou como sendo uma função hierárquica inferior à de pastor e superior à de presbítero. O foco do ofício do evangelista é totalmente diferente dos demais. Algumas características desse ministério:

i) Mensagem cristocêntrica, com foco na salvação de almas (não no pastoreio delas!) NÃO É UMA MENSAGEM TEOLÓGICA/REFLEXIVA, MAS PRÁTICA. 

ii) Sua mensagem inspira fé nos ouvintes para que tomem a decisão por Cristo.

iii) São criativos na arte da pregação do Evangelho. Usam bem ilustrações, parábolas, fatos e acontecimentos, datas, etc. São exímios comunicadores, eloquentes, carismáticos. A pregação é carregada de vida, cheia de imagens, intensa, pulsante, radiante. (veja, por exemplo, o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=IZdMCgFl_pg)

iv) Geralmente, operam dons do Espírito (como cura) e atuam em libertação – tudo aliado à pregação do Evangelho.

v) Aproveitam toda e qualquer oportunidade que surge para pregar a Cristo e ganhar almas: filas de mercado, visitas, enterros, lazer, etc.

vi) “Exímio pescador (evangelista), mas péssimo limpador de peixe” (tarefa do pastor).

(G) MESTRES: Os mestres são transformadores. São mais que meros professores ou teólogos; são capacitados divinamente para entender, explicar claramente e aplicar na prática a Palavra de Deus (Jo 6.45). O mestre é responsável pelo ensino à Igreja. Vale aqui a distinção entre o dom de ensino e o de mestre: o dom de ensino é geralmente específico (por exemplo, ensino em Escola Bíblica, ensino para crianças, etc.); já o ofício de mestre é geral, aplicando-se a toda a Igreja. Ressalte-se que esse dom-ofício não deve ser confundido com o de pastor. Noutras palavras, nem todo pastor é mestre (ainda que possa sê-lo). 

Um ponto importante aqui é que esse dom-ofício (assim como o dom de ensino) não dispensa o estudo das Escrituras e, algumas vezes, até de outros assuntos. A expressão "o Espírito vai ensinar o que deve ser dito na hora" aplicada ao ensino é algo sem pé nem cabeça à luz da Bíblia. O dom, aqui, implica numa facilidade sobrenatural de entender e de transmitir o que a Bíblia ensina, de forma que a Igreja possa compreender e praticar aquilo que é ensinado, não em um "download sobrenatural do hard disk divino".  

A vocação do mestre envolve, obrigatoriamente, um ardor, uma paixão consumidora e quase insuportável em ensinar a Palavra. Todo verdadeiro mestre é um dom. Ele acessa a alma (inteligência) e o espírito (revelação bíblica) para compreender a ensinar a Bíblia. Todo verdadeiro mestre reconhece a importância de ler e estudar a Bíblia (e o que for útil para o ministério).

(F) PROFETAS: O profeta é aquele que aponta a direção para a Igreja, porém não a conduz. É aquele que fala aquilo que o Senhor mostrou como orientação espiritual para o Corpo. A Bíblia diz que na igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e mestres, a saber: Barnabé e Simeão chamado Níger, e Lúcio, cireneu, e Manaém, que fora criado com Herodes o tetrarca, e Saulo (At 13.1). A exemplo do apóstolo, este ministério é também mal compreendido. Frequentemente confunde-se o dom ministerial de profeta com o dom espiritual de profeta, principalmente no pentecostalismo. Todos podem profetizar, mas isso não faz da pessoa um profeta de ofício. Veja mais em: Entendendo a Natureza e o Papel dos Cinco Ministério de Efésios. A diferença entre o dom de profecia e o ofício de profeta é a abrangência: enquanto o dom de profecia tem como propósito a edificação, a exortação e o consolo (1Co 14:3) - isto é, encorajar a Igreja - aqueles que em si mesmos são o próprio dom (é assim que o assunto é tratado quando Paulo fala dos cinco ministérios), ou seja, profetas por ofício, são usados para advertir ou corrigir a Igreja como um todo, assim como os demais ofícios (p.ex.: Atos 11:27-29).

Outra característica do ofício de profeta é que ele fala do impulso de uma inspiração repentina, da luz de uma revelação repentina no momento. A ideia de falar a partir de uma revelação repentina parece aqui ser fundamental, tanto no que diz respeito a eventos futuros, quanto à mente do Espírito em geral. O profeta fala por inspiração divina direta, uma revelação imediata - não algo que ele pensou ou estudou, mas algo dado no calor do momento por inspiração repentina. Note que, portanto, não podemos confundir o dom de profeta com a atividade de pregação; pregação e profecia são coisas distintas, como facilmente pode ser entendido a partir das explicações anteriores. 

É bíblico que outros julguem a profecia (1 Coríntios 14:29), seja ela do dom de profetizar ou do dom de profeta. Pessoas que não querem que suas revelações - ou profecias - sejam julgadas estão erradas. E eles podem ter orgulho espiritual. Alguém pode dizer: "Bem, o Senhor não comete erros." Certamente não. Mas esses dons espirituais estão sendo manifestados por meio de seres humanos que são imperfeitos. É semelhante à água que flui através de um cano. A água pode ter o mesmo gosto do cano por onde passa. Outras pessoas têm o Espírito de Deus, especialmente aquelas que são usadas nessa área, então é por isso que a Palavra diz: "...deixe que o outro julgue." A conclusão lógica é que há distinção entre o propósito do profeta no Antigo Testamento para o Novo Testamento: o ministério dos profetas do Antigo Testamento acabaram se tornando livros da Bíblia, já os do Novo Testamento compuseram passagens citadas na Biblia, tal como Ágabo.

Deus pode enviar uma profecia de condenação? O apóstolo João em Jo 3.17 ensina que “Deus enviou o Seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo”. Em Rm 8.1 Paulo declara: “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.34). Portanto, a resposta é um categórico não. Outra pergunta importante: A palavra de profecia de uma só pessoa é suficiente para tomarmos decisões importantes? “Por boca de duas ou três testemunhas toda questão será decidida” (2 Co 13.1). A lei da confirmação é uma condição essencial para se julgar e provar uma palavra de profecia. Deus está sempre disposto a confirmar a Sua palavra, até mesmo com sinais e maravilhas (At 13.2). Numa ocasião um profeta predisse uma seca (At 11.28), mas não ofereceu nenhum conselho ou direção sobre o que deveria ser feito. Numa outra ocasião, um profeta predisse a prisão de Paulo em Jerusalém (At 21.10-14), e embora Paulo aparentemente não tivesse duvidado da verdade da predição, ele foi para Jerusalém assim mesmo, contrariando até os desejos expressos de outros discípulos (Ver: 1 Co 14.3,4; At 9.15). Portanto, uma direção pessoal precisa de uma testificação divina no seu próprio espírito (Rm 8.16), i. é., uma confirmação daquilo que Deus já lhe mostrou. Cuidado com profecias diretivas, não saia agindo precipitadamente com base em uma profecia, pois há muita meninice em relação a esse dom, com falsificação e manipulação (p.ex.: profecia do tipo "santo antonio casamenteiro").

(G) Variedade de Línguas: O dom de línguas – conhecido popularmente como glossolalia – é um dos dons mais controvertidos e mais mal compreendidos no meio evangélico. Há uma disputa ferrenha acerca da realidade e do propósito desse dom, com os mais variados entendimentos sobre o tema. As línguas estranhas seriam um produto da psiquê humana, invencionice de “crentes pentecostais que não conhecem a Bíblia em seu fanatismo religioso” (como é proposto por irmãos que seguem o tradicionalismo religioso-filosófico)? Ou seriam as línguas estranhas na verdade línguas estrangeiras, ou seja, estranhas para quem fala mas conhecidas para quem ouve? Ou a língua estranha é a língua dos anjos? No meio da imensa polêmica acerca do dom de línguas, há ainda aqueles irmãos que propõem que o dom de línguas (juntamente com o dom de profecia, o dom de apóstolo e outros) cessou com o fim da era apostólica. Esse grupo crê numa tese teológica chamada cessacionismo. 

Outro ponto importante é a língua como dom (variedade de línguas) e a língua como sinal. Todos falam em línguas? Paulo pergunta (I Coríntios 12:30). É necessário distinguir entre a evidência de línguas registrada em Atos e os diversos tipos de línguas, um dos dons do Espírito Santo. Devemos inicialmente abordar a diferença entre a língua estranha dada como evidência ou sinal do batismo com o Espírito Santo (Mc 16.17; semêion) e o dom (do Gr. doma, domata) do dom de línguas. Este sinal do batismo com Espírito Santo é dado a todos os crentes (1 Co 12.30). Porém o dom de línguas tem por finalidade transmitir à igreja uma mensagem em línguas estranhas, e por isso precisa de interpretação para que a igreja seja edificada. O dom de línguas estranhas em conjunto com o de interpretação, transmite uma mensagem similar ao da profecia (1 Co 14.5). O falar em línguas não é emitir simplesmente sons incompreensíveis e incoerentes, mas um modo determinado por Deus, visando a edificação da igreja e do próprio crente (1 Co 14.2,4,5). O fenômeno de falar em línguas é também conhecido pelo vocábulo grego “glossolalia” (glossa = língua e lalia = fala). O que fala em línguas edifica a si mesmo (1 Co 14.4) e não fala a homem mas sim a Deus (1 Co 14.2).  (veja mais em: DOM DE LÍNGUAS - ESPÍRITO SANTO E SEUS DONS NA IGREJA, HOJE! )  

 

CONCLUSÃO

Paulo diz: "Acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes" (I Co 12.1). O desejo do apóstolo era que os cristãos conhecessem e entendessem acerca desse importantíssimo ensino à Igreja, quer do primeiro século, como do nosso século atual. O ensino apostólico sobre os dons, aliado a prática, redundará em uma Igreja saudável e operosa, capaz de cumprir com mais veemência o Ide de Jesus. Que Deus possa usar essa simples postagem para trazer mais luz e despertamento à sua vida, querido(a) leitor(a), restaurando assim na Igreja a prática dos dons espirituais.

Graça, misericórdia e paz lhe sejam multiplicadas!

 

LEITURA ADICIONAL RECOMENDADA

  • Os Generais de Deus, de Roberts Liardon.  
  • Descobrindo o Dom Profético, de Mike Bickle. 
  • O Ministério Profético, de Rick Joyner. 
  • O Dom de Profecia, de Wayne Grudem.
  • A Igreja do Século 20: A História Que Não Foi Contada, por John Walker. 


quinta-feira, 9 de março de 2023

O JEJUM BÍBLICO: FUNDAMENTOS E PRÁTICA


Respondeu-lhes Jesus: É possível que os amigos do noivo fiquem de luto enquanto o noivo ainda está com eles? Dias virão, quando o noivo lhes será tirado; então jejuarão.
(Mateus 9:15)

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O jejum é comumente definido como a "abstenção de todos ou alguns tipos de comida ou bebida". Essa abstenção pode ser motivada por fins de saúde, por questões éticas ou como prática religiosa. Alguns consideram o jejum, enquanto prática de vida cristã, como sendo algo desnecessário, enquanto outros tornaram a prática em uma doutrina místico-ascética legalista; em ambos os casos, perde-se o real propósito e os benefícios espirituais em jejuar. É importante considerar também que em um mundo onde muitas pessoas são muito dependentes de alimentos por questões emocionais, como "válvula de escape" da ansiedade, depressão, tédio, etc., o jejum tende a ser cada vez menos ensinado e praticado. Para resgatar o propósito de Deus na prática do jejum, é preciso recorremos às Escrituras. Antes de mais nada, é muito importante deixar claro que salvo em pouquíssimas exceções envolvia a abstenção de alimentos e de água. Geralmente envolvia apenas a abstenção de alimentos.  

Na Bíblia Sagrada, a palavra "jejum" (צוֹם, tsom, em hebraico e νηστεύω, nésteuó em grego) aparece 26 vezes no Antigo Testamento e 20 vezes no Novo. Muitos personagens bíblicos praticaram o jejum como parte de sua devoção a Deus. Dentre eles, podemos citar Moisés, Davi, Ana, Daniel, Elias, Ester, Cornélio, Paulo e o próprio Senhor Jesus. Portanto, o jejum tratava-se de prática comum no período bíblico. 

 

I. O JEJUM NAS ESCRITURAS SAGRADAS.

Havia ocasiões em que o jejum era recomendado no Antigo Testamento. Vejamos algumas:

1. No Dia da Expiação (yom kippur) (Lv 16:29-31; 23:26-32; Nm 29:7): Este foi o único jejum ordenado pela Lei, a ser observado no décimo dia do sétimo mês. Embora não seja chamado de "jejum", a frase "afligir a própria alma" foi entendida como referindo-se ao jejum (cf. Sl 69:10). O uso dessa frase sugere um propósito do jejum.

2. Em época de doença ou luto: As pessoas frequentemente jejuavam sem mandamento específico em tempo de sofrimento; alguns eram assuntos comunitários, enquanto outros eram atos de particulares. O jejum era realizado quando um ente querido estava doente (David jejuou e chorou por seu filho enquanto o menino estava doente - II Sm 12:16-23) e até por seus inimigos (Sl 35:11-13). Em caso de morte as pessoas jejuavam, como mostram os episódios envolvendo (a) os homens de Jabes-Gileade, que jejuaram sete dias por Saul (I Samuel 31:13; I Crônicas 10:12) e (b) quando Davi e o povo jejuaram por Saul e Jônatas (II Samuel 1:12). 

3. Para buscar o perdão de Deus: Moisés jejuou quarenta dias por causa do pecado de Israel (Dt 9:15-18). Acabe jejuou para ser perdoado (I Rs 21:17-29). Nínive jejuou com a pregação de Jonas (Jonas 3:4-10). Daniel jejuou ao confessar os pecados de Israel (Dn 9:3-5). O jejum geral na leitura comunitária da Lei por Esdras foi um ato de penitência (Ne 9:1-3). 

4. Diante de um perigo iminente: Josafá jejuou quando ameaçado por Edom (2 Crônicas 20:3). Esdras liderou um jejum ao buscar o favor de Deus para com seu retorno do exílio (uma jornada repleta de perigos) (Ez 8:21). Neemias jejuou quando ouviu falar do estado de Jerusalém (Ne 1:4). Os judeus jejuaram quando souberam que Hamã havia obtido o decreto do rei contra eles (Ester 4:3) e Ester e Mardoqueu jejuaram antes de ela ir perante o rei (Ester 4:16). 

Como vimos, no Antigo Testamento o jejum era ordenado na Lei com o propósito de "afligir a alma" (Lv 23:26-32, Sl 69:10). O propósito de tal aflição ou castigo era "humilhar" a alma (Sl 35:13). Era também praticado comumente em casos de forte tristeza e angústia ou para buscar a Vontade de Deus ou para obter o favor de Deus, envolvendo assim sentimento de urgência e, com isso, incluía quase sempre a oração a Deus. Havia, portanto, o entendimento de que a auto-humilhação era agradável aos olhos de Deus (e muitas vezes era mesmo); no entanto, o jejum foi infrutífero quando era feito apenas cerimonialmente ou quando era feito sem verdadeiro arrependimento:

"Eis que para contendas e debates jejuais, e para ferirdes com punho iníquo; não jejueis como hoje, para fazer ouvir a vossa voz no alto. Seria este o jejum que eu escolheria, que o homem um dia aflija a sua alma, que incline a sua cabeça como o junco, e estenda debaixo de si saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aprazível ao Senhor? Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo o jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres abandonados; e, quando vires o nu, o cubras, e não te escondas da tua carne? Então romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará, e a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do Senhor será a tua retaguarda. Então clamarás, e o Senhor te responderá; gritarás, e ele dirá: Eis-me aqui. Se tirares do meio de ti o jugo, o estender do dedo, e o falar iniquamente; E se abrires a tua alma ao faminto, e fartares a alma aflita; então a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão será como o meio-dia" (Isaías 58:4-10).

Perceba aqui algo de vital importância sobre o jejum: o jejum não tem poder nenhum em si mesmo! Noutras palavras, jejuar sem o correto sentimento e sem ter uma vida prática coerente com a Vontade de Deus declarada na Bíblia é totalmente inútil! Jejum não é para criar polêmicas e confusões, nem para soberba ou prepotência; ninguém é melhor do que ninguém ou mais espiritual que outros por fazer jejum. Deus olha com atenção para todo aquele que em sua vida ame ao seu próximo como a si mesmo, agindo com bondade e misericórdia para com os oprimidos.   

Vejamos agora no Novo Testamento, começando pelo jejum que Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo fez antes do início do Seu ministério terreno. Ele jejuou por 40 dias no deserto: "Então foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome" (Mateus 4:1,2). Aqui temos um paralelismo óbvio com os jejuns de Moisés (Êxodo 34:28) e Elias (1 Reis 19:8). O efeito de tal jejum em qualquer organismo humano e, portanto, na humanidade real de nosso Senhor, seria interromper a continuidade normal da vida e aumentar todas as percepções do mundo espiritual, algo extremamente necessário para a grandiosa Obra que Deus Pai lhe havia confiado.

Mais adiante, vemos Jesus ensinar sobre o jejum por ocasião do Sermão do Monte. Ele disse: "E, quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram os seus rostos, para que aos homens pareça que jejuam. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Tu, porém, quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto, para não pareceres aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente" (Mt 6:16-18). Aqui, Jesus reconhece o jejum, mas condena a secreta auto-satisfação sob a máscara da contrição, o “orgulho que imita a humildade”, manifesta na expressão "eles desfiguram seus rostos" (o verbo é o mesmo que é traduzido como “corrompido” em Mateus 6:19) a qual aponta para o rosto sujo e o cabelo despenteado, possivelmente por causa às cinzas aspergidas em ambos, para que os homens pudesse conhecer e admirar àqueles que jejuavam. Observe que a clara intenção dos hipócritas era mostrar que jejuavam; ou, de outro modo, para que as pessoas vissem que eles estavam jejuando - o famoso PIV ("para inglês ver"), assumindo um semblante triste; um olhar abatido, austero e mortificado, fazendo com que a piedade consistisse em uma exibição externa, e não em verdadeira bondade. 

Perceba o que em detrimento do jejum hipócrita, Jesus nos ensina que quando nós jejuamos não devemos dar aos outros nenhuma impressão de que estamos jejuando: "unge a tua cabeça, e lava o teu rosto, para não pareceres aos homens que jejuas". Como ensina Jesus, nosso jejum não deve ser motivado por soberba ou pela necessidade de demonstrações de pretensa espiritualidade. O que conta sempre é a aprovação de Deus, nunca o aplauso dos homens. E assim, "teu Pai, que vê em secreto, te abençoará publicamente".  

O jejum é também abordado por Jesus noutras 2 ocasiões:

1. Respondendo aos questionamentos dos discípulos de João (Mt 9:14-15; ver também Mc 2:18-20; Lc 5:33-39): "Então, chegaram ao pé dele os discípulos de João, dizendo: Por que jejuamos nós e os fariseus muitas vezes, e os teus discípulos não jejuam? E disse-lhes Jesus: Podem porventura andar tristes os filhos das bodas, enquanto o esposo está com eles? Dias, porém, virão, em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão".

2. Respondendo aos seus próprios discípulos: "E, repreendeu Jesus o demônio, que saiu dele, e desde aquela hora o menino sarou. Então os discípulos, aproximando-se de Jesus em particular, disseram: Por que não pudemos nós expulsá-lo? E Jesus lhes disse: Por causa de vossa incredulidade; porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível. Mas esta casta de demônios não se expulsa senão pela oração e pelo jejum" (Mateus 17:18-21). É interessante notar que conforme Jesus disse, há alguns demônios que para serem expulsos requerem uma maior intensidade da vida espiritual, a ser obtida pela “oração e jejum” de que fala nosso Senhor. 

A prática do jejum era comum na Igreja no período apostólico. Em Antioquia (At 13:1-3), vemos que a comissão dos irmãos Barnabé e Saulo para a obra do Senhor fora confirmada pelo Espírito Santo à igreja por meio do serviço cristão e do jejum. Após a confirmação do Espírito Santo, a igreja "jejuando e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram".  Por sua vez, na Galácia (At 14:21-23) a igreja jejuou por causa da séria tarefa de nomear presbíteros, implicando na necessidade de receberem a confirmação do Senhor dos nomes indicados antes de serem empossados na função. Paulo jejuava (II Co 6:5; 11:27) como uma marca de seu ministério e de sua boa posição como ministro de Cristo.

Portanto, podemos extrair da Bíblia que a principal razão de jejuarmos é ampliarmos as nossas percepções do mundo espiritual, tornando-nos mais sensíveis e, portanto, mais capazes de discerni-lo. É importante que o jejum seja acompanhado de um momento separado com Deus, de comunhão com Ele de preferência por meio da oração e da leitura da Palavra; pode, contudo, prescindir da oração e da leitura desde que o foco seja mantido no Senhor Jesus, com exceção do episódio específico que Jesus explicou quando da libertação do possesso. O aumento da percepção, derivada do aumento da comunhão, irá permitir discernir melhor a Vontade de Deus, bem como irá tornar-nos mais sensíveis ao agir do Espírito Santo em nós e por nós (como, por exemplo, na delegação do Senhor para algo específico ou em receber Seu consolo em momentos de crise). Por outro lado, não deve nunca, em hipótese alguma, ser entendido como um fim em si mesmo (como uma espécie de "poder mágico"), nem ser praticado para fins de vanglória e auto-exaltação.

 

 II. A PRÁTICA DO JEJUM. 

Vamos considerar a prática do jejum. Primeiro, nunca deixe de beber água durante o jejum. Isso é fundamental. Quando passamos muito tempo sem água, nosso corpo sofre desidratação e começa a estar sujeito a uma série de doenças: "Dor de cabeça, sonolência, tonturas, fraqueza, cansaço e aumento da frequência cardíaca também podem estar associados aos episódios de desidratação. Além desses sintomas, que se intensificam com o agravamento do quadro, nos casos de desidratação grave, podem surgir outros, como queda de pressão arterial, perda de consciência, convulsões, coma, falência de órgãos e morte" (fonte: https://drauziovarella.uol.com.br/pediatria/desidratacao/). Deus jamais quererá que fiquemos doentes ou enfermos! Nosso corpo é morada de Deus e não devemos destruí-lo. A ingestão de água suficiente para satisfazer a hidratação normal não significa que o jejum tenha sido quebrado, porque água não é alimento! Água não é comida! 

John Piper, em seu livro "A Hunger for God: Desiring God through Fasting and Prayer" (Fome de Deus: Desejando a Deus através do Jejum e da Oração) pontua várias razões bíblicas para a prática do jejum:

a)  Jejuamos porque temos fome da Palavra de Deus e do Espírito de Deus em nossas vidas;

b)  Jejuamos porque desejamos que a glória de Deus ressoe na igreja e o louvor de Deus ressoe entre as nações;

c)  Jejuamos porque ansiamos pela volta do Filho de Deus e pela vinda do reino de Deus;

d) Em última análise, jejuamos simplesmente porque queremos Deus mais do que queremos qualquer coisa que este mundo tenha a nos oferecer.

Note, portanto, que a despeito dos benefícios do jejum para o corpo físico (como por exemplo na perda de peso e no controle da obesidade), estamos aqui somente nos referindo aos benefícios espirituais. 

Por fim, exorto o(a) amado(a) leitor(a) em ter muito cuidado com os livros sobre jejum. A Bíblia é muito precisa em nos alertar sobre as pessoas que “exigem a abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ação de graças por aqueles que crêem e conhecem a verdade” (1 Timóteo 4:1–3). O apóstolo Paulo pergunta consternado: “Por que . . . você se submete aos regulamentos - 'Não manuseie, não prove, não toque'? (Colossenses 2:20-21). Não estamos em pior situação se não comermos, nem em melhor situação se o fizermos (1 Coríntios 8:8). Jesus cita uma ocasião onde dois homens compareceram diante de Deus. Um disse: “Eu jejuo duas vezes por semana”; o outro disse: “Deus, tenha misericórdia de mim, um pecador!” Apenas um desceu justificado para sua casa (Lucas 18:12–14). A disciplina da abnegação (a qual inclui o jejum) está repleta de perigos para a nossa espiritualidade cristã sadia e até para as nossas vidas. Sobre isso também somos advertidos: “‘Todas as coisas me são lícitas’, mas eu não me deixarei dominar por nada” (1 Coríntios 6:12). 

II.1. DURAÇÃO DO JEJUM E DESJEJUM: DICAS.

Não há nenhuma regra especial para o jejum e o desjejum. Assim, o que se segue nesse item deve ser entendido somente como um conselho pastoral. 

Quanto tempo dura o jejum?  De forma geral, o jejum pode ser feito com duração parcial (metade de um dia) ou total (o dia inteiro). Caso a opção seja pelo jejum parcial, recomendo que o(a) leitor(a) comece-o ao acordar pela manhã e termine-o ao meio-dia. Se for com duração total, faça-o até às 18h.

Após o jejum, meu conselho é evitar beber líquidos gaseificados (refrigerantes) ou comer alimentos de difícil digestão (como por exemplo feijoada, buchada, rabada, etc.). Seu corpo está recebendo alimento depois de passar um período sem ele e esses tipos de alimentos podem prejudicar sua saúde (somente por conta da sua saúde ok? não há nenhuma restrição espiritual). Dê preferência a alimentos leves e de fácil digestão e beba água ou suco. 

Parênteses: Vou reforçar: não existe qualquer restrição do ponto de vista bíblico para a ingestão de qualquer alimento. Restringir alimentos com a justificativa de espiritualidade é, do ponto de vista bíblico, legalismo e, portanto, não abrangido pela Graça de Deus. Na Graça, todos os alimentos são permitidos aos cristãos!  Em várias ocasiões, Paulo aponta para o que ensinamos sobre comida como uma indicação do que acreditamos sobre a graça. Mais especificamente, em 1 Timóteo 4:1-5, Paulo adverte Timóteo para guardar a igreja contra mentirosos insinceros que proíbem alimentos criados por Deus: “Pois tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado se for recebido com ação de graças, pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração. Os conselhos aqui sobre desjejum referem-se apenas aos cuidados quanto a saúde física. Fecha parênteses.

Se for do seu interesse estender o jejum por períodos superiores a 1 dia, meu conselho é que você comece primeiro com um parcial, depois um total e então siga fazendo seu jejum por mais dias. Lembre-se de sempre beber água! Com o passar dos dias, o seu corpo irá enfraquecer por conta da não ingestão de alimentos e seu metabolismo irá se adequar a essa realidade; portanto, nunca faça jejuns prolongados se você tem restrições médicas e nunca faça-o sem orientação de um médico. Voltando a Bíblia, apenas Moisés, Elias e Jesus fizeram jejum total por 40 dias. Inclusive, alguns estudiosos da Bíblia dizem que nosso Senhor ficou sem comer por 40 dias, mas não sem beber água. De qualquer modo, cuidado com a sua saúde! Lembre-se: o que interessa para Deus é o seu coração voltado para buscá-Lo, não o comer ou deixar de comer. De maneira nenhuma e em caso nenhum interessa ao bondoso e gracioso Deus que você adoeça

E o jejum pode envolver somente a restrição de um determinado tipo de alimentos, como foi no caso de Daniel em Babilônia? É jejum comer apenas legumes e verduras, abrindo mão de comer carne? No meio evangélico é comum ser praticado aquilo que chamam "Jejum de Daniel". Não vejo nenhuma restrição bíblica a alguém, livre e espontaneamente, adotar esse tipo de jejum com foco apenas na ingestão de vegetais por um período definido. Fique entendido desde já, contudo, que estritamente falando não é um jejum do ponto de vista bíblico.

Lembre-se também que Daniel abriu mão de comer por uma razão especial: "Mas Daniel propôs em seu coração não se contaminar com a porção do manjar do rei, nem com o vinho que ele bebia; por isso pediu ao príncipe dos eunucos que não se contaminasse." (Dn 1:8). Logo, o propósito era não se contaminar com as iguarias que o rei de Babilônia oferecia. O motivo aqui, então, é distintamente religioso. A vida comum estava tão entrelaçada com a adoração idólatra que cada refeição era, em certo sentido, um sacrifício. Portanto, "não toque, não prove, não manuseie" era o ditame inevitável para um coração de um judeu temente ao Senhor sob a Lei de Deus. Assim, não é difícil supor então que os manjares do rei de Babilônia envolviam comidas sacrificadas aos ídolos de diversos tipos, incluindo animais que que a Lei tratava como impuros ritualisticamente para o consumo pelos fiéis a Deus daquela época: foi representado pelos profetas, como parte dos males de um cativeiro em uma terra estrangeira, que o povo teria a necessidade de comer o que era considerado impuro: "E o Senhor disse: Assim comerão os filhos de Israel o seu pão imundo entre os gentios, para onde os levarei" (Ezequiel 4:13:). Em Oséias vemos também que "não habitarão na terra do Senhor, mas Efraim voltará ao Egito; e comerão coisas impuras na Assíria" (Oséias 9:3). Nesse sentido, o comentário bíblico Barnes' Notes on the Bible sobre essa passagem de Daniel explica:

"Era costume entre os antigos trazer uma porção do que era comido e bebido como oferenda aos deuses, como um sinal de reconhecimento agradecido de que tudo o que os homens desfrutam é o seu presente. Entre os romanos, esses presentes eram chamados de "libamina", de modo que a cada refeição havia um ato de oferta. Portanto, Daniel e seus amigos consideravam o que era trazido da mesa real como comida que havia sido oferecida os deuses e, portanto, tão impuros".  

Nesse sentido, vale a pena verificar também o que explica o comentário bíblico Gill's Exposition of the Entire Bible: "[...] que ele não se contaminaria com a porção da carne do rei; comendo dele; em parte porque pode consistir no que foi proibido pela lei de Moisés, como a carne de criaturas impuras, particularmente suína, gordura e sangue, e assim se contaminar em um sentido cerimonial; e em parte porque, embora possa ser comida em si lícita para ser comida, mas parte dela sendo oferecida primeiro ao seu ídolo "Bel", como era de costume, e todo abençoado em seu nome, teria sido contra sua consciência, e uma contaminação disso, comer de coisas oferecidas ou abençoadas em nome de um ídolo. Nem com o vinho que bebeu; que era tão ilegal quanto sua comida; sendo uma libação para seus deuses, como observa Aben Ezra; caso contrário o vinho não era proibido; nem foi abandonado por Daniel, quando ele pôde participar à sua maneira (Daniel 10:3)".

Logo, o propósito de Daniel em não se contaminar com certos tipos de alimentos não é o mesmo que aquele dos cristãos hoje, uma vez que sob a Graça não há restrições dietéticas para os cristãos, salvo o que Paulo explica sobre o consumo de alimentos sacrificado aos ídolos, conforme sua Primeira Epístola aos Coríntios. Noutras palavras, Daniel evitou se contaminar (pecando contra a Lei de Deus) e por isso não comeu dos manjares do rei; isso é totalmente diferente de comer um bife que foi comprado no mercado no almoço de hoje. O único paralelo que existe entre Daniel e nossos dias é, novamente, a consagração da vida a Deus e a busca ao Senhor. Nada mais deve ser derivado do episódio de Daniel.  

Por fim, considere o seguinte: Não ingerir proteínas de origem animal por longos períodos, a não ser por orientação médica, pode também prejudicar sua saúde (pode por exemplo gerar perda de massa muscular o que, em alguns casos, pode acarretar em problemas na dentição, além de outras consequências). Portanto, não faça jejum de proteínas por longos períodos sem a orientação de um médico ou de um nutricionista. De novo, não se trata de comer ou deixar de comer, mas sim da busca de uma maior comunhão com Deus.

 

III. CONCLUSÃO.

O jejum, como vimos, é algo totalmente voluntário e não deve, em hipótese alguma, ser feito contra a vontade. O propósito principal do jejum é buscar ao Senhor e isso sempre foi e sempre será algo a ser feito por iniciativa pessoal ou com a concordância do fiel; o resultado de uma necessidade sentida, não a observância de um comando rígido. Enquanto o legalismo impõe regras e mais regras sem nenhum poder, eficácia ou autoridade bíblica, a Graça nos direciona a vivemos em liberdade. E é a partir dessa liberdade que Deus nos concede que escolhemos, livremente e de sã consciência, separamos um tempo para buscá-Lo mais intimamente. Observe que para Deus pouco importa se seu jejum será parcial ou total; o que importa para Ele é você buscá-Lo de todo o coração, com toda a sua alma e com todo o seu entendimento.   

No jejum, o cuidado com nossa saúde não deve ser desprezado. Cada pessoa tem as suas particularidades em termos de condição física e, portanto, precisa ter cuidado ao iniciar e concluir um jejum prolongado. Em qualquer caso, a ingestão de água é fundamental a qual por sua vez, biblicamente falando, não interfere no jejum. Nada de radicalismos ou rompantes de legalismos. Se necessário, o fiel em Cristo deve consultar um especialista antes de iniciar um jejum prolongado.

Lembre-se de que o jejum é entre você e Deus. Não interessa a mais ninguém saber que você está jejuando. Portanto, ao jejuar, nada de alardes ou de "caras e bocas". Faça seu jejum e ao final entregue-O ao Senhor e Ele, que te vê em secreto, te abençoará publicamente. E nada de comparações vangloriosas; nada do "eu sou mais espiritual do que você porque eu jejuo e você não". Deus abençoa o humilde e resiste ao soberbo. 

Para seu enlevo espiritual, segue a música "Jejum pelo Noivo".


 
Que o Senhor lhe abençoe rica e abundantemente! Graça, misericórdia e paz lhe sejam multiplicadas!