domingo, 28 de março de 2021

VENCER O MAL COM MAL OU COM O BEM? NÃO SE TRANSFORME NUM TIPO DE CORINGA!


"Se alguém causar defeito em seu próximo, como ele fez, assim lhe será feito: fratura por fratura, olho por olho, dente por dente; como ele tiver desfigurado a algum homem, assim se lhe fará"
(Lv 24.19,20).   

Olho por olho. Assim se resume o princípio da retribuição, materializado na Bíblia Sagrada no Antigo Testamento. Esse princípio, longe de justificar a violência, estabelece um limite para a mesma, de forma que haja uma medida para a vingança pessoal entre o povo de Israel naquela época, por volta de 1445 a.C. Assim, caso alguém sofresse algum dano causado por outrem, (a) a restituição poderia ser praticada e (b) a intensidade da restituição deveria ser proporcional ao dano sofrido, evitando assim a violência excessiva e, consequentemente, a crueldade. Deve ser ressaltado, assim, o caráter disciplinador e educador dessa Lei:

  • O dano não ficaria sem retribuição, ou seja não havia espaço para impunidade.
  • A retribuição ao dano seria proporcional a este. Não eram permitidos ou tolerados os excessos.

Essa Lei manifestava assim a Justiça de Deus diante da maldade e da crueldade do homem decaído. Deus é justo e não aceita de nenhuma forma a injustiça, seja ela na prática do mal ou em sua reparação. É claro que teoricamente a retaliação é a justiça mais exata e estrita; mas na prática surgem dificuldades. Como deve ser medida a força de um golpe? Como podem ser infligidas queimaduras e feridas exatamente semelhantes? Por isso, em Israel, os anciãos dentre o povo é quem deveriam julgar cada situação; eles estabeleciam a medida da retribuição na intensidade apropriada. Note também que originalmente Deus permitiu a aplicação da restituição em casos muito específicos, que posteriormente foram ampliados e generalizados pelos "doutores da Lei", passando a valer para qualquer situação. 

O princípio regulador foi tornado opressor e abusivo pelo homem, que corrompe e modifica a seu bel prazer aquilo que é justo e bom. Assim é até hoje: o homem insiste em corromper a Palavra de Deus, utilizando-a para justificar suas atitudes cruéis e pecaminosas derivadas da grande malignidade de seu coração. É essa malignidade que faz com que os homens odeiem, traiam e matem-se uns aos outros; que faz com que crianças e mulheres sejam vitimadas todos os dias por estupradores e assassinos - não raro, de dentro do próprio seio familiar. É essa violência que vemos todos os dias, com "balas perdidas/achadas", com aumento da carestia em razão da ganância humana, dos roubos e homicídios. Mas é também por causa dessa natureza cruel que há no homem que em épocas como a que estamos vivendo, de pandemia, com mais de 3.600 mortes por dia por Covid, com hospitais lotados, há aqueles que dão de ombros, que ligam o dane-se, que não estão nem aí se suas atitudes vão contaminar outras pessoas ou não (pense nisso: você, que está lendo esse texto, milhares de pessoas não poderão fazê-lo porque morreram hoje). Que ninguém liga se o outro tem fome, se tem sede ou se está doente ou mesmo em luto. 

Qualquer pessoa que se indigna diante de tanta malignidade e injustiça sente o intenso desejo de vingança. A vontade de dar a cada um do seu próprio veneno. Quem nunca sentiu-se assim? Diante do estupro, de pegar o estuprador e, no mínimo, fazer o mesmo com ele, até que ele implore pela morte? Quem, diante de tanta violência e maldade, nunca sentiu o desejo de colocar cada um bandido desse diante do pelotão de fuzilamento, ou de lançar no alto mar repleto de tubarões? Quem, diante desse descaso de muitos nessa pandemia, que insistem em não se isolarem, em não usarem máscaras, em se aglomerarem e assim serem agentes da morte para outros, não sentiu o desejo de que os tais tenham a doença e assim comprovem, com a vida, a necessidade daquilo que outros tem implorado para evitar? Quem nunca... atire a primeira pedra!

(Atenção: contém spoiler do filme) 

O personagem ficcional Arthur Fleck, interpretado pelo ator Joaquin Phoenix, no filme "Coringa" (Joker), diante do abuso, da opressão e do descaso não ficou apenas no desejo de vingança. Ele tomou a atitude. Extremamente pobre e portador de doença mental que o faz rir descontroladamente, ele perde a ajuda do governo para seus remédios - a própria terapeuta  afirma "eles não se importam com pessoas como você". É alvo da violência de Gotham, sendo agredido e humilhado várias vezes, foi despedido injustamente (?) do seu precário emprego por portar arma de fogo "para sua própria defesa" (?) dentro de um hospital para crianças. Foi espancado dentro do metrô por um trio de "pessoas de bem" (?).  Sendo o único responsável por cuidar da mãe, que padece de doenças físicas e psicológicas, acha um bilhete de sua mãe dizendo que o ricaço, pai de Bruce Wayne, é seu pai. Investigando a estória, descobre que a mãe já tinha estado internada por causa da sua psicose e ele, filho adotivo, tinha sido submetido a várias formas de abuso durante a infância, nas mãos de um antigo companheiro da mãe. É humilhado num talk show televisivo, por conta de sua atuação como "péssimo comediante".  

Assim, diante de tanto mal e infortúnio, Arthur decide "passar a ação". No filme, ele mata os opressores no trem e o ex-colega que o oprimia; mata a própria mãe e mata também o apresentador do talk show ao vivo, na TV. O seu pensamento é - e ele o exprime por palavras e atos - "toda a minha vida eu achei que não existia realmente. Mas eu existo. E as pessoas estão começando a perceber", "eu costumava achar que a minha vida era uma tragédia... Mas agora eu vejo que é uma comédia!" e "não tenho nada a perder, nada mais vai me machucar". Por conta dele, o pai e a mãe de Bruce Wayne são assassinados. Noutras palavras, ele se vinga. Se vinga dos opressores, se vinga da mãe e se vinga da sociedade. Quem assiste o filme é fortemente induzido a ficar do lado do personagem principal. Até para defendê-lo, justificando suas ações. Afinal, como alguns dirão, ele tentou ser correto, mas o "sistema" não deixou. Portanto, diante disso, tornar-se um assassino cruel e sádico é "mais do que justificado".  No entanto, a pergunta que surge é tamanha violência foi realmente justificada, na medida correta, ao ponto de transformá-lo no Coringa. 

O filme retrata exatamente como muitos infelizmente agem ou, no mínimo, como se sentem diante de tamanha malignidade que vemos nesse mundo. Nesse contexto, toda violência é justificada, quer seja a violência por parte dos opressores, quer dos oprimidos que acabam se tornando exatamente iguais aos seus opressores. Seguindo esse pensamento, os estupradores e os homicidas não passariam de vítimas da sociedade opressora. Do mesmo modo, quem os mata, estaria "fazendo um bem" a essa mesma sociedade. Estes, por sua vez, sentindo-se ainda mais oprimidos, mais violentos e cruéis se tornam contra a sociedade. Percebe que isso é um loop infinito de malignidade? Percebe que quando falamos em sociedade, termo genérico, estamos falando tanto dos maus e cruéis que nela existem, como também daqueles que não tem e nunca tiveram nada a ver com isso?

Qual é a perspectiva? Devido ao sistema desse mundo estar sob o domínio de Satanás, precisamos entender que enquanto perdurar esse domínio nada mudará, apenas se agravará. E antes que caiamos no erro de culpar o diabo por tudo, fomos nós que demos a ele esse domínio. Além disso, ninguém é obrigado a fazer nada; tudo que fazemos, fazemos porque queremos fazer. Logo, o diabo tem a parte dele nessa extrema malignidade, mas nós, raça humana, também temos a nossa.  Creia-me quando digo que as pessoas vão para o inferno com suas próprias pernas. 

Tem a solução? Depende. Para o mundo, o sistema maligno, não. O mundo jaz no maligno e isso não tem remédio. Para cada pessoa, sim. Mas o remédio é muito amargoso. O remédio é ser discípulo de Jesus, o que implica em negar a si mesmo e tomar a sua cruz. Implica, portanto, na renúncia, até o de vingar-se a si mesmo. Observe o que Cristo diz:

"Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil." (Mt 5.38-41)

Entendeu? Jesus disse que seus discípulos não devem retribuir o mal que sofrerem com mais mal; antes, devem retribuir o mal com o bem. Eu reconheço que isso pode ser muito complicado em inúmeras vezes - mesmo que se restrinja a um pensamento de nosso coração - mas foi o que Jesus ensinou. Ser cristão de verdade, genuíno, é muito difícil; o caminho do cristão é estreito e cheio de dificuldades. Ser cristão não essa pouca vergonha que hoje se vê; mesmo com o nome que se autodenominam é notório que não são cristãos de verdade. Um cristão tem a natureza amansada e pacificada pelo Senhor. Não quer dizer que esse cristão não se indigne, mas ele abre mão da vingança pessoal. Nenhuma vingança. Ele é injustiçado, mas não devolve a injustiça na mesma moeda. Sofre afronta e perseguição, mas não usa do mesmo expediente. Ele não paga mal com mal; não se deixa vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem. Recorde novamente o que o Senhor ensinou:

"Digo-vos, porém, a vós outros que me ouvis: amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam; bendizei aos que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam. Ao que te bate numa face, oferece-lhe também a outra; e, ao que tirar a tua capa, deixa-o levar também a túnica; dá a todo o que te pede; e, se alguém levar o que é teu, não entres em demanda. Como quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles. Se amais os que vos amam, qual é a vossa recompensa? Porque até os pecadores amam aos que os amam. Se fizerdes o bem aos que vos fazem o bem, qual é a vossa recompensa? Até os pecadores fazem isso." (Lucas 6:27-33)   

"Ah, pastor! Mas eu tenho o direito! Mas eu posso! Fulano, no país X, age assim e assado; aqui, meu líder do coração, o Optimus Prime, Última Bolacha do Pacote, disse que eu posso!" Querido(a), ser cristão é renunciar até mesmo aquilo que entendemos como "nosso direito", independente do que o líder religioso ou político ou mesmo político-religioso diga ou faça. Não existe "mas" diante do ensino absoluto de Jesus. Na verdade, o mal começou no mundo exatamente quando nós, seres humanos, colocamos um "mas" na frente da Palavra de Deus no Edén. É duro, eu sei. Mas essa é a vontade de Deus para aqueles que são filhos e filhas de Deus. 

"Ah pastor! Mas eu tenho todo direito de me defender! Vou comprar uma espingarda, como a  do Zé Buscapé, para mandar chumbo quando for preciso!" Não querido(a). Vai ser mais duro ainda, mas tenho que dizer: um cristão não pega em armas para se defender, isso não é correto - não importando que isso seja o que a história do país A ou B ensine. Aliás, se formos ser justos, nunca demos a mínima para a história, apenas dela recorremos quando nos interessa. Mas, olhando para os primeiros cristãos, é facílimo ver que para eles esse assunto, já claramente determinado pelo Senhor, já estava bem resolvido:

“O diabo é o autor de todas as guerras.” “Nós, que nos matávamos uns aos outros, não fazemos guerra aos nossos inimigos. Recusamo-nos a mentir ou enganar nossos inquisidores; preferimos morrer reconhecendo a Cristo.” - Justino Mártir aprox. 138 DC

“Não é lícito a um cristão portar armas por qualquer consideração terrena.” - Marcelo aprox. 298 DC  

“Sob nenhuma circunstância um verdadeiro cristão deve desembainhar a espada.” - Tertuliano 155-230 DC  

“Viemos de acordo com o conselho de Jesus de transformar nossas arrogantes espadas de argumentação em relhas de arado e convertemos em foices as lanças que antes usávamos na luta. Pois não pegamos mais espadas contra uma nação, nem aprendemos mais a fazer guerra, tornando-nos filhos da paz por amor de Jesus, que é nosso Senhor.” - Orígenes de Alexandria 185-254 DC

“[Cristãos] não têm permissão para matar, mas eles devem estar prontos para serem mortos ... não é permitido que os inocentes matem mesmo os culpados.” “Deus queria que o ferro fosse usado para o cultivo da terra e, portanto, não deveria ser usado para tirar vidas humanas.”  - Cipriano aprox. 250 DC 

  “Os servos de Deus não confiam para sua proteção nas defesas materiais, mas na Providência.” - Ambrósio 338-397 DC    

Os primeiros seguidores da fé costumam dizer: “Quando Jesus desarmou Pedro, Ele desarmou todos os cristãos”. De acordo com a tradição da igreja, quase todos os discípulos originais de Jesus foram torturados e assassinados por sua fé. Mesmo em meio à intensa perseguição pelo Império Romano, os primeiros cristãos voluntariamente deram suas vidas por suas crenças e por seus companheiros crentes. 

Vale ainda relembrar o que o apóstolo Paulo disse a todos os cristãos quando o fez aos crentes de Roma: "Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor. Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem" (Romanos 12:19-21) Esse texto, dentre muitos outros, mostra que Deus não deixará ninguém impune por qualquer ato maligno ou criminoso. "Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor". Esteja certo disso! E, se você acha pouco isso, leia o que o autor aos Hebreus diz: "Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo" (Hb 10.31) Criminosos, homicidas, traficantes, estupradores, ladrões, etc. podem até escapar das mãos da justiça humana, mas da Justiça Divina, que vinga e retribui, jamais escaparão! 

Concluindo, o cristão não deve recorrer a violência nem a vingança, nem usar do mesmo expediente de um mundo caído para sua autodefesa, pagando assim mal com mal, mas sim entregar sua vida nas mãos do Seu Senhor e Salvador. Na nossa vida somente acontece aquilo que o Senhor permite; pode ser que muitas vezes seja difícil ou mesmo impossível entender porque o Senhor permitiu que algo mal afligisse a nossa vida, no entanto devemos ter sempre, em nossos corações, a certeza de que Ele nos ama - essa é a minha certeza! É exatamente como diz a letra do hino "Nada Sei Sobre o Futuro", do pastor Feliciano Amaral (ouça em https://www.youtube.com/watch?v=veg7YvZS_nE):

Nada sei sobre o futuro
Desconheço o que haverá
É provável que as nuvens
Minha luz apagará
Nada temo do futuro
Pois Jesus comigo está
Eu o sigo decidido
Seu poder me guiará

Muitas coisas não compreendo
O amanhã, o que será?
Mas um doce amigo tenho
Que minha mão sustentará

Eu não sei sobre o futuro
Desconheço o que será
Mas quem cuida dos pardais
Cuidará também de mim
Quando estou em mau caminho
Se na prova ou dissabor
Sei que Cristo irá comigo
Sua graça e Seu amor  

O Senhor é nosso Senhor na vida e na morte, nos momentos de alegria e nos de tristeza ou luto, na saúde e na doença, na pobreza e na riqueza, na certeza ou na dúvida, na aflição, na angústia, na perseguição... em todos os momentos de nossa vida! Vou repetir: ELE NOS AMA! Nada ou ninguém nos pode separar do Seu amor! Portanto, permita que o Espírito Santo conforte seu coração e, quando necessário, limpe suas lágrimas e lhe ajude com suas fraquezas! ELE É O SENHOR! A Ele, a Jesus, se dobrará todo joelho e toda a língua o confessará como Senhor! E isso tudo porque Ele venceu o mundo não com a espada ou com a violência, mas com o Seu amor provado na Sua morte por nós, e morte de cruz! 

Quem abriga e nutre à revolta e a violência em seu coração acabará se transformando numa versão do Coringa: insensível, sádico e cruel, disposto a resolver o problema "com suas próprias mãos". Quem usa do mal contra o mal, faz dele um companheiro íntimo - mesmo dentro da própria casa! Todos os que lançam mão da espada à espada perecerão. 

Pense nisso! Graça, misericórdia e paz sejam contigo e com todos os seus!