sexta-feira, 2 de março de 2012

MINISTROS BÍBLICOS E O DESAFIO DO ANTI-INTELECTUALISMO EM TEMPOS TRABALHOSOS.

1Sabe, porém, isto, que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos;  2pois os homens serão amantes de si mesmos, gananciosos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a seus pais, ingratos, ímpios,  3sem afeição natural, implacáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, inimigos do bem,  4traidores, atrevidos, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus,  5tendo aparência de piedade, mas negando-lhe o poder. (II Timóteo 3:1-5)


Mais do que nunca, estou certo que vivemos dias trabalhosos. São dias de muito, mas muito trabalho, por parte daqueles que querem ser ministros segundo o coração de Deus, segundo os princípios norteadores para um ministério genuinamente cristão, bíblico e protestante. Infelizmente, as características enumeradas pelo apóstolo Paulo em sua segunda Epístola ao jovem Timóteo, estão cada vez mais materializadas, arraigadas na vida dos homens e mulheres atualmente, mesmo entre aqueles que dizem seguir a Bíblia. Aliás, para estes, o Livro Santo serve apenas para justificar os próprios caminhos contrários aquele que ele aponta. Uma vida de contrariedades e antagonismos, de mandos e desmandos, de doutrinas de homens desprovidos de conhecimento e de temor do Senhor.
A fé cristã, protestante, recebida por nossos irmãos e irmãs no passado, está quase em extinta. Hoje, o processo de desconstrução dos marcos antigos, de uma fé com base apenas nas Escrituras, segue sem pouca ou nenhuma interferência. Não sei de quem é a culpa disso estar assim. Talvez seja nossa, em permitir que pessoas desprovidas de educação formal, com evidências genuínas de vocação, assumam posições em nossas igrejas e púlpitos. Talvez seja nossa, em não ensinar a cada um a importância de estudar a Bíblia de uma forma mais profunda do que uma simples leitura de jornal ou de um livro de auto-ajuda. Talvez seja nossa, talvez não.
Ao estudar a história da igreja, preciso confessar o meu pecado: tenho certa inveja dos irmãos e irmãs que conviveram com homens de Deus do passado, tais como Jonathan Edwards, um grande ministro do Evangelho! Um homem que foi um dos maiores teólogos e pensadores da história dos Estados Unidos. Ele foi não somente um dos instrumentos do primeiro grande reavivamento ocorrido naquele país, mas o maior estudioso e intérprete desse fenômeno. Um homem que “começou a estudar o latim aos seis anos de idade e aos 13 já era fluente também em grego e hebraico. Em 1720 obteve o bacharelado no Colégio de Yale, em New Haven, iniciando em seguida os seus estudos teológicos nesta mesma instituição, obtendo o mestrado em 1722. Em seguida, assumiu uma cadeira de professor assistente em Yale, cargo que ocupou por dois anos.” (http://www.luz.eti.br/jedwards.html) Será que esquecemos o caminho? Onde foi que nos perdemos?!?
Historicamente falando, nós, protestantes, SEMPRE honramos o ensino e o aprendizado, quer secular, que teológico. Calvino, por exemplo, honrava os estudos seculares, pois segundo ele estes estudos serviriam para glória de Deus. Os maiores cientistas, que contribuíram muitíssimo com a humanidade, eram em sua maioria protestantes. Homens como Robert Boyle, John Dalton, Michael Faraday, Lorde Kelvin, etc. só para mencionar alguns. Homens respeitadíssimos, tanto por sua fé bíblica, quanto por seu conhecimento secular, que tanto contribuíram para os avanços científicos e tecnológicos da sociedade, dos quais hoje usufruímos.
Fico me perguntando se ainda somos protestantes. Será que já não decaímos para o mesmo misticismo que assolou a humanidade na Idade Média? Sim, porque rapidamente combatemos contra o ensino e o conhecimento! Sinceramente, acho difícil respeitar as opiniões de um místico, de um esotérico, mesmo que esse esoterismo esteja pretensamente baseado no Livro da Verdade: suas opiniões não estão baseadas numa análise séria das Escrituras, dentro de todo um contexto histórico e gramatical, nem eles seguem as práticas da hermenêutica bíblica ao pretensamente interpretarem os textos bíblicos. Baseiam-se, tão somente, em suas próprias idéias e preconceitos, interpretando o texto ao seu bel prazer. São esses, que por exemplo, condenam coisas as quais a Bíblia não condena – como o adorno da mulher (já argumentado neste blog em: http://www.apenas-para-argumentar.blogspot.com/2012/01/total-suficiencia-da-biblia-sagrada.html) e que aprovam coisas que a Bíblia não aprova.
Hoje, infelizmente, estes homens de Deus do passado não poderiam ser “evangélicos”. Eles simplesmente não seriam aceitos no meio daqueles que se julgam “espirituais”, cujo conhecimento vem da joelhologia, não muito maior do que o conhecimento de um neófito nos tempos áureos do protestantismo. Quando manifestassem sua opinião, seriam logo repudiados como “formais”, “sem unção”, “soberbos” e outras palavras desrespeitosas do mesmo gênero. Não há mais o interesse em saber, em crescer. Basta o “feijão com arroz” cozido e preparado com as “ervas saborosas da ignorância”. Colocíntidas! Delícia, dizem os crentes modernos; morte na panela, diriam os irmãos antigos! Hoje, faríamos com Galileu Galilei a mesma coisa que o Catolicismo fez: renegue seu conhecimento como “desvio da fé” e retrate-se perante a “igreja” ou então seja excomungado e morra na fogueira da inquisição! Afinal, diriam que “a Teoria Heliocêntrica, a qual afirma que o Sol é o centro imóvel do Universo, é herética porque não está escrita na Bíblia”, sic.
Abre parênteses: Hoje, a tônica é a falta de respeito com os ministros bíblicos hoje pelos ditos “obreiros do joelho”. Dos muitos e muitos pastores genuinamente bíblicos e protestantes que conheço e com os quais troco experiências e conhecimento, a queixa é a mesma: não há respeito! Esquecem que enquanto eles estavam no mundo, servindo o diabo, os mais velhos já serviam o Senhor há muito tempo e orando por eles, para que se convertessem. Deram – e alguns ainda dão e darão – muito trabalho aos seus pastores. Quem consagrou quem, cara pálida? Quem ordenou quem? Não estão – e do jeito que vão jamais estarão – no nível dos ministros bíblicos da Palavra! Pessoas indisciplinadas e arrogantes! Atrevidos! Gente de aparência! Nasceram ontem para a fé e querem ensinar os mais velhos – e, como se não bastasse o atrevimento e a petulância, ainda com falta de educação! Mais uma vez, falta-lhes educação comportamental e bíblica, noutras palavras, ética cristã. A falta de ética é tão grande que chegam ao ponto de usarem palavras injuriosas e, algumas vezes, até de baixo calão na internet, ou no dia-a-dia. Precisam muito ainda a aprender a se comportar como crentes, para depois aprenderem a se comportar como obreiros. Fecha parênteses.
Com o crescimento desses pseudo-espirituais – sim, porque a genuína espiritualidade bíblica advém do conhecimento da Palavra e da sua prática, nunca do misticismo – multidões tem sido atraídas para o lado oposto ao protestantismo. Não ao estudo, não ao seminário... Seminário? Para quê, se é fácil ser pastor? Para quê, se qualquer um é obreiro? Eu faço a seguinte pergunta: será que alguém pode exercer medicina sem ter estudo formal na área, ministrado por curso idôneo e reconhecido? Ou exercer medicina sem ser médico é exercício ilegal da profissão, algo que volta e meia consta nos jornais e noticiários? Eu, por exemplo, sou engenheiro químico de formação. Foram 05 anos de muito, muito estudo, para obter meu diploma. Estudei matérias como “Cálculo Diferencial e Integral I, II, III e IV”, “Química Orgânica I, II, III e V”, “Fisico-Química I e II”, “Termodinâmica”, “Engenharia Bioquímica”, “Cinética e Cálculo de Reatores”, “Operações Unitárias I e II”, “Transferência de Calor e de Massa”, “Mecânica dos Fluidos”, “Engenharia de Processos”, etc. com professores Ph.Ds nas áreas, que me fizeram dormir muitas vezes de madrugada. Ao final, ainda tive que elaborar e defender um Projeto final de curso. Ao sair da Universidade, ainda tive que obter meu registro profissional no CRQ, para só então estar apto, segundo a lei, para exercer minha profissão. Ah sim: Mais 2 anos e 8 meses de Mestrado e mais 3 anos e 6 meses de Doutorado. Um total de mais de 11 anos de ensino!
E um pastor, ele precisa estudar? O que ele estuda? Basta unção sem conhecimento? Que farisaísmo é esse? Isso é legalismo! Quando Deus me chamou para o ministério, fiz questão de obter ensino formal em Teologia, que me habilitasse a exercer meu ministério. Foram 04 anos de Seminário Teológico, com um dos maiores mestres da Palavra que já tive o prazer de conhecer, com um pastor que fundou diversos seminários teológicos de renome no RJ. Foram várias disciplinas, como “Soterologia”, “Cristologia”, “Hamartiologia”, “Angelologia, Demonologia e Satanalogia”, “Bibliologia”, “Hermenêutica e Exegese”, “Ética Cristã”, “Heresiologia”, etc. Mais 2 anos de mestrado. Mas um doutorado. Cursos livres, sim, mas nem por isso cursos sem qualidade! Atualmente sou Diretor e Professor de Seminário. Minha fé não é esotérica, sem “pé nem cabeça” ou coisa do gênero. Estudei muito, estudo e se Deus permitir ainda estudarei mais e mais, para exercer a minha fé de acordo com as Escrituras e assim ensiná-la às minhas ovelhas, as quais Deus me confiou nesta Terra e sobre as quais um dia prestarei contas diante de Deus. Hoje a teologia tem reconhecimento pelo MEC, mas na minha época não tinha. E qual é o problema? Hoje é um curso reconhecido, glórias a Deus por isso. Mas não é esse o foco. O foco está na formação formal que capacite o obreiro para exercício do ministério, coisa que é desprezada atualmente em prol de uma fé esotérica e anti-protestante e, por vezes, antibíblica. É possível ser pastor sem ter seminário? Em nossos dias trabalhosos, sim; biblicamente e segundo os princípios da reforma protestante, não. Não dá para ser “Ministro da Palavra”, de fato e de direito, sem conhecer a Bíblia, sua história, sua teologia.
Abre parênteses: Teologia é de suma importância para quem é chamado por Deus para o ministério. Todos os crentes precisam estudá-la? Não. Mas quem diz ser vocacionado por Deus precisa, obrigatoriamente, estudar. Teologia envolve muitas coisas, inclusive a Bíblia. Como ser um Ministro Cristão, apto para ensinar e proteger o rebanho de Deus, com um conhecimento rasteiro e distorcido da Bíblia? Como aconselhar os crentes de forma eficaz, sem sequer saber quais as bases e pressupostos do aconselhamento cristão, do papel do conselheiro, etc.? Como comunicar o Evangelho de forma eficiente, sem saber como ensinar ou pregar, sem conhecer Didática e Homilética? Como ensinar corretamente a Palavra, sem o conhecimento das regras de interpretação das Escrituras? É correto afirmar que foi Jesus que morreu na cruz, tendo sido ali abandonado por Cristo? Cristo era o homem portador de Deus? O que mais se tem escutado hoje, nos púlpitos das igrejas que pregam e ensinam abertamente ou de forma encoberta o anti-intelectualismo, são erros, erros e mais erros do ponto de vista bíblico e teológico! Ora, um ministro da Palavra deve buscar conhecer com detalhes, o máximo possível, de tudo o que se relacionar com a sua fé, a qual ele diz ser ministro e representante, ou o descrédito será inevitável. Fecha parênteses.
Abre parênteses: Atribui-se a John Wesley, um dos mais reconhecidos homens de Deus do passado, as questões abaixo, propostas para aqueles que se dedicam ao Estudo da Bíblia. Se são de sua autoria realmente ou não, pouco importa. O que importa é a relevância dessas questões, com as quais concordo plenamente:  1) Como alguém que se esforça para explicar a Escritura a outras pessoas, tenho o conhecimento necessário para que ela possa ser luz nos caminhos das pessoas?… Estou familiarizado com as várias partes da Escritura; com todas as partes do Antigo Testamento e do Novo Testamento? Ao ouvir qualquer texto, conheço o seu contexto e os seus paralelos?… Conheço a construção gramatical dos quatro evangelhos, de Atos, das epístolas; tenho domínio sobre o sentido espiritual (bem como o literal) do que leio?…Conheço as objeções que judeus, deístas, papistas, socinianos e todos os outros sectários fazem às passagens das Escrituras, ou a partir delas?… Estou preparado para oferecer respostas satisfatórias a cada uma dessas objeções? 2) Conheço suficientemente as ciências? Fui capaz de penetrar em sua lógica? Se não, provavelmente não irei muito longe, a não ser tropeçar em seu umbral… ou, ao contrário, minha estúpida indolência e preguiça me fizeram crer naquilo que tolos e cavalheiros simplórios afirmam: “que a lógica não serve para nada?” – Ela é boa pelo menos…para fazer as pessoas falarem menos – ao lhes mostrar qual é, e qual não é, o ponto de uma discussão; e quão extremamente difícil é provar qualquer coisa. 3) Estou familiarizado com os Pais da Igreja, aqueles veneráveis homens que viverem aqueles tempos, aqueles primeiros dias? Li e reli os restos dourados de Clemente de Roma, de Inácio de Antioquia, Policarpo, dei uma lida, pelo menos rápida nos trabalhos de Justino Mártir, Tertuliano, Orígenes, Clemente de Alexandria e de Cipriano? 4) Tenho conhecimento adequado do mundo? Tenho estudado as pessoas (bem como os livros), e observado seus temperamentos, máximas e costumes?…esforço-me para não ser rude ou mal-educado…sou afável e cortês para com todas as pessoas? Se sou deficiente mesmo nas capacidades mais básicas, não deveria me arrepender frequentemente dessa falta? Quão frequentemente…tenho sido menos útil do que eu poderia ter sido! (Extraído de: http://tiagolinno.wordpress.com/2012/02/21/o-anti-intelectualismo-evangelico-e-a-avaliacao-de-john-wesley/) Fecha parênteses.
O desconhecimento da Bíblia é grande! Falta muito mesmo! Dá até pena de ouvir as prédicas e estudos dos ministros anti-protestantes; é rasa e sem fundamento. Esquecem-se da regra mais básica de toda a interpretação da Bíblia – texto com contexto – e, assim, criam doutrinas e práticas com base em versículos isolados ou mal interpretados. Ora, se a Bíblia não passa de um conjunto de versículos, que podem ser interpretados como quiser, então é impossível crer na Bíblia: há uma enormidade de contradições nela, evidenciadas pelas interpretações estapafúrdias dos seus intérpretes. Isso, com certeza, dá base para o surgimento de seitas e heresias das mais diversas; além disso, justifica todas elas, já que o único conhecimento necessário é o “conhecimento sobrenatural”, do “manto de mistério”, do “ripa-la-pra-fora, sôpanatijela”. Aliás, basta um estudo da história das seitas e heresias que isso é facilmente constatado: a imensa maioria nasceu dessa prática, como o Mormonismo, onde Joseph Smith alegou ter experimentado uma visita sobrenatural, dando-lhes poderes sobrenaturais interpretativos – Urim e Tumim. Ops, me desculpe: estudar é contra a joelhologia, mas não dá para ser diferente, lamento. I´m sorry!
Confesso: fico muito preocupado, em Deus, quando me deparo com pessoas que se dizem cristãs e que desprezam e repudiam o ensino e o conhecimento, de gente na liderança de igreja que acha que “sabe tudo o que precisa saber” com sua leitura básica da Bíblia, que a “interpretação vem da oração”, e coisas do tipo. Gente que diz professar uma fé que sequer entende onde ela começa. Gente que diz basear-se na Bíblia, mas quando se pronunciam sobre ela o que se ouve é um show de erros, de preconceitos e doutrinas de homens. Será que estamos vendo surgir, hoje, os fundadores de novas heresias do amanhã? Será que amanhã haverá ainda conhecimento bíblico sólido no meio evangélico? Será que os Seminários Teológicos e Institutos Bíblicos, que durante gerações a fio formaram obreiros de renome no meio cristão, estão com os seus dias contados?
A Bíblia é totalmente favorável ao estudo! Nunca foi e nunca será ao contrário. Tanto o Antigo Testamento quanto o Novo defendem o estudo, especialmente por aqueles que têm o dever de ensinar o povo. Oséias já dizia: “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento. Porquanto rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeitarei, para que não sejas sacerdote diante de mim” (Os 4.6). Há muitos ditos ministros de Deus rejeitados pelo Senhor em nossos dias, sem terem a noção disso. Paulo, o apóstolo, era um homem versado nas Escrituras. Estudioso da Palavra. E Pedro? Os “joelhólogos ungidos” rapidamente dirão: “ele desprezava o saber, e ainda assim era apóstolo. Por isso, eu vou ser como Pedro, não quero saber de estudo!” Caramba, quando ouço isso, sinto até arrepios na espinha!
Será que Pedro era um anti-intelectualista? Será que Pedro foi o fundador da “Ordem dos Joelhólogos?” Ou será que foi da “Ordem dos Ministros Ignorantes”? Sabe o que é isso? Falta de conhecimento! Novamente, surge os dias de Corinto: “Uns de Paulo, outros de Apolo, outros de Cefas e outros de Cristo”. “Ah pastor, eu me identifico com Cefas: o coitado era ignorante e assim eu também vou ser...”. O argumento para afirmar isso, como de praxe, está baseado em versículos isolados. Neste caso, baseado em Atos 4:13: “Então eles, vendo a intrepidez de Pedro e João, e tendo percebido que eram homens iletrados e indoutos, se admiravam; e reconheciam que haviam estado com Jesus”. Na versão King James, assim está escrito: Now when they saw the boldness of Peter and John, and perceived that they were unlearned and ignorant men, they marvelled; and they took knowledge of them, that they had been with Jesus. Antes de começar a analisar o texto, é preciso novamente afirmar: a Bíblia se interpreta pela própria Bíblia. Nenhum ensino deve ser tomado ou aplicado com base na análise de versículos isolados! Isso é básico. Sem essa verdade solidificada, todo o demais perde sentido. Assim, volto a afirmar: a Bíblia nos ensina – especialmente àqueles que têm o dever de ensinar a outros – a buscar e adquirir o conhecimento.
Isto posto, vamos ao texto, então. Vamos usar as regras da hermenêutica para isso. PRIMEIRAMENTE, vejamos o texto em português, depois em grego (ops, grego e português também são estudados, me desculpe, tá?): Em português, o que o texto está afirmando? Que aqueles homens eram iletrados? Ou que assim eles foram reconhecidos pelo Sinédrio? Por favor, isso é apenas português, uma básica interpretação de texto! Se não souber interpretar no português, duvido que a interpretação no grego será possível. O texto é muito claro! Eles foram reconhecidos como iletrados e indoutos pelo Sinédrio, o que não significa que eles fossem analfabetos ou desprovidos de estudo, ok? Entendeu isso? Bom, vamos agora ao grego:  θεωρουντες δε την του πετρου παρρησιαν και ιωαννου και καταλαβομενοι οτι ανθρωποι αγραμματοι εισιν και ιδιωται εθαυμαζον επεγινωσκον τε αυτους οτι συν τω ιησου ησαν”. As palavras traduzidas por iletrados e indoutos são, respectivamente, agrammatos e idiotes. Note ainda que surge uma outra palavra: reconhecimento, aqui traduzido do grego epiginosko.
Precisamos AGORA analisar o contexto histórico no qual o episódio aconteceu, a fim de não tiramos conclusões precipitadas e forçarmos o texto a dizer o que ele não diz. Assim, é preciso analisar o termo agrammatos (iletrados), no contexto do Sinédrio judaico, no 1º século d.C. Nesse caso, o melhor significado para o termo seria algo como "não treinado na lei judaica". Pedro e João estavam sendo acusados de não terem recebido instrução de rabinos e, portanto, não tinham o direito de citar as Escrituras Hebraicas, como eles estavam citando e interpretando. Eles não haviam estudado nas escolas rabínicas de Hilel e Shamai, famosíssimas naquela época. Essa é a opinião do professor Ben Whiterington III, na Asbury Theological Seminary, na sua obra The Acts of Apostles: A Socio-Rhetorical Commentary (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1988), p. 195-197. Essa linha de interpretação é consubstanciada por Russell N. Champlin, Ph.D., em seu “Novo Testamento, Interpretado Versículo por Versículo”: “a referência especial [...] sem dúvida diz respeito a cultura rabínica, e não a educação elementar dos apóstolos. Pedro não exibia o refinamento de linguagem que um rabino culto geralmente empregava.  [...] Não haviam os apóstolos sido criados aos pés dos doutos, em qualquer das escolas e universidades dos judeus”. Ou seja: eles não possuíam conhecimento profissional na tradição dos escribas. Eles eram leigos quanto ao ensino formal dos escribas. Mas não significa que não dispunham de conhecimento ou estudo. Da mesma forma, o termo idiotes remete à mesma interpretação. Ele deriva-se de ἴδιος [ídios] "próprio"; "particular", "privado", "pessoal". Significa uma pessoa comum (plebeu), um cidadão particular, em contraste com alguém num cargo oficial; alguém que não tem conhecimentos profissionais (amador, leigo).
De fato, como comenta William L. Coleman, “os judeus do primeiro século eram um povo inteligente, com forte senso de apreciação da cultura. [...] Na época do Novo Testamento, muitas famílias possuíam exemplares do Torá, e os pais ensinavam regularmente a seus filhos.[...] A maioria do povo sabia ler não apenas em, sua língua nativa, mas também em grego e latim. [...] Nos dias de Cristo, a escola já era coisa comum, e que o povo não era apenas alfabetizado, mas realizava estudos avançados em filosofia, línguas, matemática e outras disciplinas. [...] Para avaliação da aprendizagem, os alunos tinham que recitar longas passagens das Escrituras com perfeição. É por isso que tanto Jesus quanto outros conheciam tão bem as Escrituras. [...] Embora as Escrituras fossem a base da educação de um israelita, não era absolutamente a única disciplina. Eles estudavam também literatura, escrita, música, matemática, engenharia, direito.” (Coleman, Manual dos Tempos e Costumes Bíblicos, Ed. Betânia)
Assim, resta demonstrado que as afirmações de que Pedro e João eram pessoas desprovidas de conhecimento, quase como desprovidos de cérebro, e que, portanto, seu conhecimento era obtido “do além” é sem fundamento. Porém, ainda há uma última pedra a ser colocada na sepultura desse falso ensino: O Sinédrio reconheceu que Pedro e João estiveram com Jesus. Das Escrituras, aprendemos que Jesus passou seu ministério terreno, dentre outras coisas, ensinando seus apóstolos. Foram pouco mais de três anos ensinando-os os fundamentos do ministério que Ele tinha reservado para eles após sua morte e ressurreição. Se a joelhologia legalista é correta, ou seja, se o saber vem do além sem necessidade de estudo, então Jesus perdeu o seu tempo com ensino teórico-prático. Porém, Ele não perdeu tempo: o investimento na vida de seus apóstolos redundou muitos frutos: a Igreja nasceu em Pentecostes, sendo edificada sobre o fundamento dos apóstolos. Poderia acrescentar mais e mais evidências, mas acho que já é o bastante.
Concluindo, cabe a pergunta: é preciso fazer faculdade, 3º. Grau, para ser pastor? Não, não é necessário. Isso é uma opção de cada um, ainda que eu, como ministro da Palavra, entendo que devo não apenas ensinar ao meu rebanho as coisas de Deus, mas também aquilo que lhes for útil do ponto de vista secular; assim, num país que cultua abertamente a burrice, com programas do quilate de um Big Brother Brasil, que nada acrescentam de positivo a ninguém; que paga mal aos professores públicos em todos os níveis; onde um presidente é eleito não por suas teses e idéias mas porque é o retrato fidedigno de uma nação culturalmente empobrecida, então vejo como parte de meu papel incentivar aqueles que pastoreio a crescerem e estudarem, a fim de não serem “mais um” nesse país de carnaval e futebol, não de livros e saber. Aliás, assim faziam – e muito mais até – os meus irmãos bíblicos protestantes no passado. Porém, reafirmo: quem quer ser pastor, de fato e de direito, precisa cursar um Seminário Teológico. Foi ordenado sem Seminário? Pare com a desculpa, com o argumento anti-intelectualista legalista e corra atrás do prejuízo! Vá estudar! Só assim, conhecendo a fé que diz professar, é que você poderá, de fato, ensiná-la sem erros, sem preconceitos, sem doutrina de homens.
E, por favor: não me peça para ser anti-intelectualista. Como dizia Lutero, não posso ir contra a minha fé nem contra a  minha razão!


Pense nisso. Deus está te dando visão de águia!