terça-feira, 17 de maio de 2016

UMA PALAVRA SOBRE A HONRA BÍBLICA


Portanto, dai a cada um o que deveis: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra. (Rm 13.7)


Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina; porque diz a Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E: Digno é o obreiro do seu salário. (I Tm 5.17,18)

Honrai a todos. Amai a fraternidade. Temei a Deus. Honrai ao rei. (I Pe 2.17)

Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa; para que te vá bem, e vivas muito tempo sobre a terra. (Ef 6.2,3)

Honra: (1) consideração devida a uma pessoa que se distingue por seus dotes intelectuais, artísticos, morais; privilégio; (2) atitude de consideração, sentimento ou marca de deferência; (3) marca de distinção; homenagem. Plural: honras, "manifestações que denotam respeito, consideração por alguém que se distinguiu por sua conduta". Do ponto de vista geral, Pedro nos ensina que todos os homens devem ser honrados por nós. Deus, portanto, do ponto de vista geral, nos chama para honrar todos os homens pelo simples fato de que Ele escolheu dar-lhes vida. Jesus viveu e morreu por homens tão pecaminosos para que eles pudessem ser salvos. As pessoas são preciosas para o Pai; elas são tão valiosas para ele como Seu filho. Quando honramos as pessoas, mostramos que elas são importantes para o Todo-Poderoso.

Porém, Paulo, o apóstolo, nos ensina que devemos honrar àqueles a quem devemos isso, ou seja, há no mundo um grupo de pessoas que são especialmente dignas da nossa honra. Indo mais além, no contexto da Igreja, dentre aqueles que merecem honra estão os presbíteros, os anciãos; e os anciãos que governam bem (governo do Corpo) devem ser duplamente honrados, especialmente os que trabalham na Palavra e na doutrina. 

A palavra "honra", do grego "time", significa para fixar valor, estimar, por implicação reverenciar. Imagine uma casa onde as crianças reverenciam seus pais e o marido à esposa, onde uns aos outros se honram. Devemos estimar e fixar o valor do outro. Pela honra criamos um "tampão" espiritual contra os ataques do inimigo, que de outra forma iriam corroer a qualidade de nossas vidas.

A história bíblica de Noé e seus filhos nos revela a importância da honra. Quando Cão expôs seu pai, Noé amaldiçoou o filho de Cão, Canaã. Por que Noé não amaldiçoou Cão, em vez do filho de Cão? Noé sabia que assim como Cão tinha sido para com ele, assim seria Canaã para com seu pai, Cão. A maldição de Noé foi realmente profunda. Ele disse que Canaã seria "um servo dos servos" (cf. Gn 9:25). Por quê? Porque se você não pode honrar um líder imperfeito, você nunca vai avançar na vida. Você será sempre um escravo.

A Bíblia não diz: honre seu pai e sua mãe caso eles sejam perfeitos. A bíblia não diz, honre seu pastor apenas quando ele estiver certo. Na realidade, o grande teste de submissão é quando nosso líder falha conosco. E ele por certo falhará, pois é imperfeito, exatamente como você o é.

Seu chefe, seu pastor, professor, prefeito, pai ou a mãe são todos imperfeitos. A bem da verdade, não existem líderes perfeitos. Quando você os expõe à humilhação ou desonra, dizendo aos outros suas fraquezas, isso traz maldição sobre sua vida. Você nunca irá avançar na vida com essa atitude. Para ser bem sucedido, você precisa ser capaz de submeter-se aos líderes que são imperfeitos sem desonrá-los. Você diz: "Se eu fizer isso, vou me sentir como um hipócrita". Porém, se você não mostrar honra, você já é um hipócrita. Um verdadeiro cristão estima e respeita as pessoas. Você deve honrá-los e respeitá-los. Deus nos chama para honrarmos e respeitarmos as pessoas, até mesmo quando discordamos delas. Sabemos que há ocasiões em que os homens abusam de sua autoridade oficial e resistem à vontade de Deus. Nesses casos, devemos obedecer à autoridade superior do Senhor, que está acima da autoridade institucional. Mas isso é somente quando somos ordenados por um governante, empregador ou até autoridade na igreja a desobedecer diretamente à Palavra de Deus ou renunciar à verdade. Contudo, mesmo neste contexto, não devemos desonrar os que estão em autoridade a fim de obedecer a uma autoridade superior. Não precisamos ter uma atitude rebelde em relação às pessoas a fim de ter uma atitude obediente para com Deus.

Há algo dentro de nós que se rebela contra a idéia de honrar as pessoas. Dizemos, muitas vezes com ar de “espirituais”, que honraremos apenas Deus. Sentimos que é nosso dever manter os outros humildes a fim de que o orgulho não os domine. Na realidade, é o nosso orgulho que nos domina, alimentado pela inveja que sentimos do sucesso dos outros. Veja o que nos ordena a Palavra de Deus: no corpo de Cristo, devemos honrar a cada membro, dando aos que parecem mais fracos, aos menos dignos, aos que não são decorosos honra mais abundante (1 Co 12.23,24). Além de honrar a todos os homens, devemos honrar o rei, ou as autoridades seculares (1 Pe 2.17); devemos honrar os presbíteros ou aqueles que governam a igreja (1 Tm 5.17); no trabalho, devemos honrar e respeitar nossos empregadores (1 Tm 6.1). Também devemos honrar as viúvas (1 Tm 5.3), o cônjuge (1 Pe 3.7; Ef 5.33) e os idosos (Lv 19.32). Na verdade, quando o ancião entra na sala, deveríamos parar de conversar, ficar em pé e reconhecer com reverência a entrada do indivíduo mais velho (isso inclui o ancião, idoso, e o ancião, presbítero). Quando foi a última vez que você viu algo assim?

O próprio Senhor concede honra às pessoas. João 12.26 diz: “Se alguém me serve, siga-me (…), e o Pai o honrará” (veja também Sl 91.14,15). Assim, se o Senhor não tem dificuldade em honrar as pessoas, considerando sua grandiosa glória, por que somos tão aptos a desonrá-las? Além do mais, a honra libera o poder de Deus, ao passo que a desonra o impede grandemente. Jesus ensinou: “Não há profeta sem honra senão na sua terra e na sua casa. E não fez ali muitos milagres por causa da incredulidade deles” (Mt 13.57,58). As pessoas da terra natal de Jesus não o honraram, e Jesus chamou sua falta de honra de “incredulidade”. A forma crítica e desonrosa com que os conterrâneos de Jesus o viam desabilitou-lhes a capacidade de receber os dons que Deus queria que recebessem através dele. Em outras palavras, quando desonramos um homem ou uma mulher de Deus, impedimos que o poder de Deus aja por intermédio deles.

Lembre-se que pastores cansam e muitos tendem a desanimar e muitos já estão desanimados. Segue abaixo algumas dicas de como você pode honrar seu pastor, sendo canal de Deus para abençoar sua vida:

a) Ame a Família do Seu Pastor: quando a família do pastor é amada e cuidada, todo mundo ganha. A família do pastor é encorajada, os membros da igreja são abençoados, e o pastor é amado e apoiado.  Tudo porque um membro da igreja mostrou amor à família do pastor. Lembre-se: "pastores fiéis derramam suas vidas por suas ovelhas e sua igreja." Esse sacrifício pode ser difícil para a família do pastor. Tenha em mente as dificuldades que o ministério podem trazer sobre a família do pastor e apoie-os em oração e encorajamento. Eles precisam dela e o pastor será grato. Lembre-se de amar e honrar também a esposa do pastor, pois é ela que fica nos bastidores. Ela é quem organiza tudo a fim de que seu esposo seja uma bênção de Deus para a Sua Igreja. Ela esta tão próxima dele, que tem condições de ajudá-lo de modo mais decisivo. Ela está a seu lado nos desalentos e aflições; e fica ao lado do esposo quando ele enfrenta as mais agudas tentações. Ela conhece a luta que se desenvolve no espírito e no coração do seu esposo pastor.

b) Respeite seu Pastor: Toda vez que seus passos se dirigem ao púlpito, o pastor carrega o peso, em sua alma, de que ele vai prestar contas um dia. O pastor está trabalhando na Palavra e na oração durante toda a semana e a Bíblia dá uma direção clara de que Ele deve ser honrado e estimado altamente por causa disso. Assim também não deve haver uma fila de ovelhas no final de cada culto esperando para dizer ao pastor uma coisa ou duas sobre o que ele disse ou fez ou deixou de fazer. Nem devem as ovelhas ligar tarde da noite para a casa do pastor para se queixarem, melindradas, das repreensões que receberam por parte dele. Existem problemas a serem tratados? Claro que sim, e temos de lidar com eles da forma adequada, na hora adequada e no fórum adequado. Mas isso não dá a ninguém o direito de ser desrespeitoso com o homem que Deus colocou acima deles.

c) Seja fiel ao Senhor e à Igreja: Um peso muito grande que há no coração de um pastor é o estado do rebanho. Se você respeita e ama seu pastor, esteja em seu lugar.  Exerça seu dom para o qual Cristo lhe chamou. Evangelize. Convide pessoas. Não desapareça do culto cristão. Especialmente nos dias atuais, com vários meios de comunicação, não há razão para não comunicar qualquer necessidade de afastamento. E  Seja solidário tanto verbalmente quanto ativamente: "pastor, estou com o senhor! Vamos em frente!"

d) Dispense e desencoraje feedback negativo, fofocas, rumores e críticas: Estas são coisas que trazem tribulação para pastores. Olha que descrição interessante da fofoca o Rick Warren fez: "Fofocar é transmitir informações quando você nem é parte do problema nem parte da solução". Se você não está envolvido na situação, não perca seu tempo escutando quando alguém te falar uma fofoca. Essa pessoa não é confiável, em breve ela estará falando de você. Os pastores tem um trabalho deveras desgastante, não dificulte as coisas ainda mais. Nada pode ser mais devastador para um pastor do que trabalhar numa igreja na qual os corredores e esquinas estão habitados por pessoas fofocando e murmurando. Proteja-o da maledicência, e dos ataques espirituais, através da sua amizade, apreço e intercessão. Tudo isso é muito importante para o sucesso de um ministério sadio. Tente fazer do trabalho do seu pastor um prazer e não um fardo, fazendo assim você não apenas estará ajudando ele, mas a você mesmo.

e) Ore pelo Seu Pastor: É mais valioso para seu pastor que as pessoas convertam o tempo de reclamação em período de intercessão pelo pastor, para ajudá-lo a perseverar diante da guerra espiritual e dos obstáculos ao ministério. Lembre-se daqueles que dedicaram tempo ouvindo seus problemas, o aconselhando. Tenha orgulho de chamá-lo de “Meu pastor” – mostre a pessoa que você se importa e é grato pela vida dele.

f) Honre seu pastor em datas especiais para ele: não esqueça de mandar uma mensagem no dia de seu aniversário, no aniversário do seu casamento, dê um simples telefonema, um cartão, por mais simples que seja, expressar nestes dias o quanto é importante o trabalho dele na sua vida gera um tremendo impacto nele e na família pastoral.

“Assim que, nós, daqui por diante, a ninguém conhecemos segundo a carne…” (2 Co 5.16). Embora sejamos novas criaturas em Cristo, nosso problema é que só reconhecemos um ao outro segundo a carne. Alguém precisa morrer antes que possamos reconhecê-lo segundo o espírito; temos familiaridade demais um com o outro no nível errado. Precisamos quebrar as limitações que a carnalidade e o ciúme colocaram nas nossas percepções: Cristo habita na pessoa que está ao nosso lado.

Precisamos aprender a não enterrar as pessoas nos seus erros e fracassos. Cristo permanece sempre presente, sempre disposto a restaurar e liberar seu poder, até nos seus vasos caídos e feridos. Para isso, precisamos cooperar, perdoando e aceitando a obra de Deus neles. No sentido mais verdadeiro, é o Espírito de Cristo e o seu potencial que merecem ser reconhecidos e honrados em cada um, até naqueles que ainda não o conhecem. Que aprendamos a não julgar as pessoas segundo a carne, mas a honrá-las de acordo com os olhos da nova criação!

Pense nisso. Deus está te dando visão de águia!
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Adaptado de: "O Poder da Honra Bíblica", em https://www.revistaimpacto.com.br/biblioteca/o-poder-da-honra-biblica/.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

BATISMO VICÁRIO OU BATISMO PELOS MORTOS: O QUE A BÍBLIA REALMENTE ENSINA


Doutra maneira, que farão os que se batizam pelos mortos, se absolutamente os mortos não ressuscitam? Por que se batizam eles então pelos mortos? (I Co 15.29)

επει τι ποιησουσιν οι βαπτιζομενοι υπερ των νεκρων ει ολως νεκροι ουκ εγειρονται τι και βαπτιζονται υπερ των νεκρων (I Co 15.29 - Stephanus, Textus Receptus, 1550) 

O que é o "batismo pelos mortos" (também chamado "batismo vicário")? Será que a Bíblia ensina que os cristãos devem ser batizados "substitutivamente", isto é, um crente vivo batiza-se em favor de alguém já falecido - este é um ensino das Escrituras? Esta pergunta me foi encaminhada, por e-mail; é uma pergunta pertinente. 

Para começar, vamos estabelecer dois pontos primordiais, basilares, pétreos antes de analisarmos a questão. Estes pontos, que passo a estabelecer, nada mais são aquilo que a Bíblia já tem ensinado. Portanto, passemos a eles:

1) A inspiração bíblica é plenária -  Ou seja, a inspiração (capacidade dada por Deus aos homens, através do Espírito Santo, de escrever a verdade divina de maneira exata e de simples entendimento) compreende toda a Bíblia. Todos os livros, todos os registros são inspirados por Deus. Esta inspiração, além de ser plenária (plena) também é verbal, ou seja, as próprias palavras da Escritura foram inspiradas por Deus. É, portanto, inspirada em seus ensinos e doutrinas, e também em suas palavras e detalhes.

2) A Bíblia se interpreta pela própria Bíblia (leia: http://apenas-para-argumentar.blogspot.com.br/2012/01/total-suficiencia-da-biblia-sagrada.html) - Aqui, a Escritura é seu próprio intérprete (sui ipsius interpres), ela é clara em sua própria mensagem (claritas), ainda que determinadas passagens sejam obscuras e somente ela é juiz, norma e regra (iudex, norma et regula). Noutras palavras, toda a Escritura - Antigo e Novo Testamentos - é norma normativa (norma normans, regra que regula) por excelência. Na prática, aplica-se do seguinte modo: qualquer interpretação, de qualquer passagem ou conjunto de passagens, não deve contradizer o ensino geral ou específico da Bíblia expresso noutra passagem, conjunto de passagens, livro bíblico ou mesmo toda a Bíblia. "Texto com contexto", ensinam os mestres da Palavra, porque "texto sem contexto é pretexto e deve ser jogado no cesto". Caso contrário, tal interpretação - e o ensino dela derivado - não tem base bíblica, mas é antibíblico e deve ser descartado ("jogado no cesto").

Dito isto, para interpretar a passagem acima (I Co 15.29) primeiramente precisamos estabelecer o seu contexto imediato. O contexto imediato, neste caso, é aquele que Paulo aborda no início do capítulo 15 de I Coríntios: A  realidade da ressurreição de mortos. O que estava acontecendo? Havia um grupo de irmãos, na Igreja de Corinto, que negavam a ressurreição dos mortos (I Co 15.12). Há muitos elementos que podem ter contribuído para esse falso ensino, como a conversão de saduceus (Mt 22.23), o "espírito ateniense" em alguns gentios convertidos (At 17.32) e a adesão às filosofias de Epicuro, que diziam "vamos comer e beber, e amanhã morreremos" (citado por Paulo no vers. 32). Paulo, então, passa a apresentar uma série de argumentos demonstrando a realidade da ressurreição corporal. O principal deles é a ressurreição corporal de Cristo Jesus, fato histórico inconteste (I Co 15.1-15).

Abre parênteses: A ressurreição do corpo é um dos grandes objetos de fé e esperança dos cristãos; o apóstolo neste capítulo põe esta realidade diante do Coríntios e de toda a humanidade. A maior de que o tão esperado evento é realidade inquestionável é, a saber, que trata-se de uma consequência necessária da ressurreição de Cristo. Porque Cristo ressuscitou corporalmente dentre os mortos, os crentes com haverão de ressuscitar também do mesmo modo. Nossa fé em vã, se não for a fé no Evangelho, o qual declara cabalmente que os crentes ressuscitarão no último dia (15:1,2). Fecha parênteses.

Além da ressurreição de Cristo, Paulo prossegue apresentando outros argumentos na defesa da verdade da ressurreição de mortos: os argumentos morais envolvidos na negação dessa realidade (vers. 16-28) e o testemunho de certas práticas que existiam naquela época (vers. 29-34). Dentre estas práticas, o texto afirma que alguns se batizavam pelos mortos (vers. 29). Note, contudo, que não há uma descrição dessa prática, apenas o relato da existência da mesma; sequer há um vaticínio, uma aprovação apostólica quanto ao batismo pelos mortos. Novamente, há somente um breve relato da existência, sendo usada como argumento em favor da ressurreição. É muito importante entender isso: Paulo não está defendendo a prática do batismo pelos mortos, nem descrevendo a mesma. Está dizendo que alguns tinham esta prática porque criam na ressurreição; o tema central é, portanto, a ressurreição.


Abre parênteses: Segundo alguns comentaristas, a prática do batismo pelos mortos era comum entre os marcionitas (discípulos de Marcião) no II século, contudo não há base histórica para afirmar que ela existiu na época de Paulo. A idéia por detrás da prática era que os benefícios do batismo poderiam, de algum modo, beneficiar aqueles que morreram sem ele. João Crisóstomo dá a seguinte descrição dessa prática: "Depois de um catecúmeno (isto é, alguém preparado para o batismo, mas não realmente batizado) morrer, eles escondiam um homem vivo sob a cama do falecido; em seguida, vindo eles à cama do homem morto falavam a ele, e perguntavam se ele receberia o batismo, e não havendo nenhuma resposta, o outro respondia em seu lugar, e assim eles batizavam o "vivo pelos mortos"" (Ellicott's Commentary for English Readers). Fecha parênteses.

Porém, cabe-nos uma análise mais acurada de I Co 15.29. Ainda que alguns comentaristas afirmem que a prática do batismo vicário tenha existido nos primórdios da Igreja Cristã, eu contra-argumento que a partir de uma simples leitura do contexto, torna-se fácil perceber que "os mortos", na argumentação paulina, refere-se ao pensamento de alguns de que Cristo não havia ressuscitado (I Co 15.12-14), isto é, a expressão "batismo pelos mortos" se referiria ao ato do cristão batizar-se pelo Cristo morto (veja a lógica: se não há ressurreição, Cristo não ressuscitou, portanto permanece morto. Assim, quem se batiza em Cristo é batizado em alguém que está morto, sendo vã a pregação, a fé e consequentemente este batismo). Essa interpretação encontra respaldo no ensino sobre o batismo bíblico, ou seja, naquele que é extraído das Escrituras, sendo radicalmente diferente do ensino do batismo pelos mortos. Ilustrando essa verdade, Lucas afirma que o batismo de João era o batismo de “arrependimento, para perdão dos pecados” (Lc 3.3). Note que Lucas relata que João exortava duramente à multidão que saía para ser batizada por ele (Lc 3.7-9). Ora, se ele pregava a necessidade urgente de batismo, porque ele repreendia àqueles que a ele vinham para sem batizados? Porque a multidão entendia que o batismo de João era mais um rito de purificação, algo meramente exterior, sem a necessidade de transformação interior (arrependimento). De nada adiantaria àquelas pessoas, espiritualmente falando, serem batizadas sem que houvesse real arrependimento primeiramente. O rito em si mesmo não tem efeito nenhum; é preciso de haja mudança de vida (Lc 3.10-14) para que haja eficácia no batismo. Por isso, o arrependimento e a fé devem ser primeiramente gerados pelo Espírito Santo no coração dos homens, para que só então esses homens sejam batizados nas águas (ver http://apenas-para-argumentar.blogspot.com.br/2011/09/rudimentos-da-doutrina-de-cristo-iii-os.html). Não há, portanto, base bíblica para esta doutrina.

Vale dizer, aqui, que se o batismo pelos mortos é uma prática válida para estes, então somos necessariamente forçados a concluir que outras práticas, realizadas pelos vivos em favor dos mortos, são igualmente válidas. Assim, por exemplo, seria válida, espiritualmente falando, em termos de benefícios para os mortos, as práticas de realizar orações por eles, realizar missas por eles, a prática de indulgências, etc. Obviamente, todo este ensino aponta para a doutrina católica romana do Purgatório. Vale dizer que o próprio João Crisóstomo ensina que os cristãos devem orar pelos mortos -  “Levemos-lhes socorro e celebremos a sua memória. Se os filhos de Jó foram purificados pelo sacrifício de seu pai (Jó 1,5), porque duvidar que as nossas oferendas em favor dos mortos lhes leva alguma consolação? Não hesitemos em socorrer aos que partiram e em oferecer as nossas orações por eles” (CIC, §1032; In I Cor 41,5 PG 61,361, cf. http://cleofas.com.br/as-oracoes-pelos-mortos/). Porque Crisóstomo ensinou, devemos aceitar tacitamente? Ou devemos comparar o ensino de Crisóstomo com o ensino bíblico? Seria Crisóstomo maior que Paulo e Silas, os quais tiveram seus ensinos submetidos ao crivo das Escrituras pelos crentes de Beréia (At 17.11)? 

Abre parênteses: O purgatório, segundo a doutrina católico romana, é um local intermediário, após a morte física, onde aqueles que estão destinados para o céu  estão sob purificação, para atingirem a santidade necessária para poderem alcançar o céu. Assim, para o Purgatório iriam aquelas almas que não são suficientemente livres dos efeitos temporais do pecado e suas conseqüências para entrar imediatamente no estado do céu , nem são tão pecaminosas e odiosas a Cristo para serem destinadas ao inferno.  Tais almas, portanto, destinadas a se unirem com Deus, devem primeiro serem purificadas neste estado intermediário, a fim de alcançarem a santidade necessária para entrarem no céu (purificação pelo fogo). Aqui entraria a classificação de pecados, feita pelos teólogos católicos, em mortais e veniais, onde os primeiros levariam ao inferno e os segundos ao purgatório. Obviamente, tal doutrina anula a suficiência do sacrifício de Cristo na cruz do calvário pelos pecados, voltando ao antigo erro da "salvação pelas obras" (neste caso, ás dos vivos pelos mortos), além de introduzir uma classificação de pecados estranha à Bíblia Sagrada. A existência do purgatório foi definida no I Concílio de Lyon (1274) e no Concílio de Florença (1438-1445), reafirmada no Concílio de Trento (1545-1563), afirmando que "as almas que nele estão detidas são aliviadas pelos sufrágios dos fiéis, principalmente pelo sacrifício do altar" (http://www.montfort.org.br/old/documentos/trento.html#sessao25). A doutrina do purgatório é o resultado de um malabarismo exegético-teológico-filosófico pelos seus proponentes (com base numa exegese forçada de I Co 3.10-15, juntamente com textos apócrifos de Macabeus), parte derivada do conceito teológico-judaico sobre o Sheol. Aliás a doutrina do purgatório é para a igreja católica romana uma questão de excomunhão para aqueles que nela não crerem; o mesmo Concílio estabelece que "se alguém disser que a todo pecador penitente, que recebeu a graça da justificação, é de tal modo perdoada a ofensa e desfeita e abolida a obrigação à pena eterna, que não lhe fica obrigação alguma de pena temporal a pagar, seja neste mundo ou no outro, no purgatório, antes que lhe possam ser abertas as portas para o reino dos céus - seja excomungado". Trata-se, obviamente, de um "combate" à doutrina bíblica da justificação pela fé, um combate direto à Reforma Protestante. Fecha parênteses

Abre parênteses: A indulgência é o ensino católico romano da remissão diante de Deus, por meio da mediação da Igreja, da pena temporal devida aos pecados cuja culpa já foi perdoada. Segundo o dic. Houaiss é definida como sendo "a remissão total ou parcial das penas temporais cabíveis para pecados cometidos, que a Igreja concede depois de os mesmos terem sido perdoados". A indulgência pode ser obtida para si mesmo, ou para um falecido, onde a absolvição livraria a pessoa do inferno e a indulgência livra a pessoa do purgatório. Assim, como ensina o site católico "Cleofas" (http://cleofas.com.br/o-purgatorio-e-as-indulgencias-parte-1/), a doutrina das indulgências está intimamente ligada à realidade do Purgatório. Fecha parênteses.

Assim, vimos que a doutrina do batismo pelos mortos (ou batismo vicário ou batismo por procuração) não encontra respaldo bíblico. Além de tudo o que foi apresentado, cabe mais uma explicação: a palavra traduzida por "mortos" em I Co 15.29 vem do grego nekron: βαπτιζομενοι υπερ των νεκρων (transliterado: baptizomenoi uper tōn nekrōn). Ton nekron pode ser traduzido como "o morto". Assim, o batismo seria pelo morto, o que corresponde à argumentação que foi feita, ou seja, que esse batismo era por Cristo morto, não ressurreto. Já que o batismo é a identificação do crente com a morte e a ressurreição do Senhor, e realizava-se sob a sua autoridade e mandato, representando a morte, sepultamento e ressurreição do crente com Cristo (Rm 6.3-5), seria totalmente inútil se Jesus fosse simplesmente um a mais entre tantos mortos.



Por outro lado, a preposição hiper (uper) nesse texto rege o tempo genitivo (exprime a relação de posse). Neste caso a tradução seria  "por", "em favor de", "por causa de". Deste modo, há a possibilidade de outra linha de interpretação: O batismo seria “por causa dos mortos”, isto é, como resultado do testemunho que deram enquanto vivos, ou ao morrerem. Assim, havia aqueles que se batizavam por causa do testemunho daqueles que já haviam morrido, sendo que eles próprios não acreditavam na ressurreição do corpo. O apóstolo estaria aqui condenando este inútil procedimento.

De qualquer modo, a invencionice mórmon do batismo pelos mortos não apresenta fundamento bíblico. 

Por último vale a exortação: "A Bíblia não manda que os cristãos se batizem pelos mortos; de fato, nem sequer menciona esta prática em alguma outra parte. O ensino bíblico é que cada crente seja batizado ele próprio. Não há a mínima indicação de que um cristão possa ser batizado a favor de outro crente vivo; muito menos que possa batizar-se por algum defunto. Em contrapartida, a Escritura ensina claramente que o destino eterno de cada um fica determinado inexoravelmente com a morte (Hebreus 9:27). Não está em nós o poder de salvar outros por nossa própria vontade; somente podemos interceder em oração para que outros recebam a salvação, nunca aceitá-la em representação deles. Ademais, a Bíblia explicitamente proíbe todo trato com os mortos. Recordemos que embora o batismo seja uma ordenança cristã ou sacramento e cada crente deva ser batizado num ato de obediência para com o mandamento de nosso Senhor e como uma testemunha d`Ele, o batismo não é imprescindível nem suficiente para a salvação; só a fé em Cristo pode salvar (ver o caso do ladrão arrependido no Calvário, Lucas 23:42-43 e o que Paulo diz em 1 Coríntios 1:14-17)" (http://conhecereis-a-verdade.blogspot.com.br/2013/01/sobre-o-batismo-pelos-mortos.html).  

Pense nisso. Deus está te dando visão de águia!