quinta-feira, 5 de maio de 2016

BATISMO VICÁRIO OU BATISMO PELOS MORTOS: O QUE A BÍBLIA REALMENTE ENSINA


Doutra maneira, que farão os que se batizam pelos mortos, se absolutamente os mortos não ressuscitam? Por que se batizam eles então pelos mortos? (I Co 15.29)

επει τι ποιησουσιν οι βαπτιζομενοι υπερ των νεκρων ει ολως νεκροι ουκ εγειρονται τι και βαπτιζονται υπερ των νεκρων (I Co 15.29 - Stephanus, Textus Receptus, 1550) 

O que é o "batismo pelos mortos" (também chamado "batismo vicário")? Será que a Bíblia ensina que os cristãos devem ser batizados "substitutivamente", isto é, um crente vivo batiza-se em favor de alguém já falecido - este é um ensino das Escrituras? Esta pergunta me foi encaminhada, por e-mail; é uma pergunta pertinente. 

Para começar, vamos estabelecer dois pontos primordiais, basilares, pétreos antes de analisarmos a questão. Estes pontos, que passo a estabelecer, nada mais são aquilo que a Bíblia já tem ensinado. Portanto, passemos a eles:

1) A inspiração bíblica é plenária -  Ou seja, a inspiração (capacidade dada por Deus aos homens, através do Espírito Santo, de escrever a verdade divina de maneira exata e de simples entendimento) compreende toda a Bíblia. Todos os livros, todos os registros são inspirados por Deus. Esta inspiração, além de ser plenária (plena) também é verbal, ou seja, as próprias palavras da Escritura foram inspiradas por Deus. É, portanto, inspirada em seus ensinos e doutrinas, e também em suas palavras e detalhes.

2) A Bíblia se interpreta pela própria Bíblia (leia: http://apenas-para-argumentar.blogspot.com.br/2012/01/total-suficiencia-da-biblia-sagrada.html) - Aqui, a Escritura é seu próprio intérprete (sui ipsius interpres), ela é clara em sua própria mensagem (claritas), ainda que determinadas passagens sejam obscuras e somente ela é juiz, norma e regra (iudex, norma et regula). Noutras palavras, toda a Escritura - Antigo e Novo Testamentos - é norma normativa (norma normans, regra que regula) por excelência. Na prática, aplica-se do seguinte modo: qualquer interpretação, de qualquer passagem ou conjunto de passagens, não deve contradizer o ensino geral ou específico da Bíblia expresso noutra passagem, conjunto de passagens, livro bíblico ou mesmo toda a Bíblia. "Texto com contexto", ensinam os mestres da Palavra, porque "texto sem contexto é pretexto e deve ser jogado no cesto". Caso contrário, tal interpretação - e o ensino dela derivado - não tem base bíblica, mas é antibíblico e deve ser descartado ("jogado no cesto").

Dito isto, para interpretar a passagem acima (I Co 15.29) primeiramente precisamos estabelecer o seu contexto imediato. O contexto imediato, neste caso, é aquele que Paulo aborda no início do capítulo 15 de I Coríntios: A  realidade da ressurreição de mortos. O que estava acontecendo? Havia um grupo de irmãos, na Igreja de Corinto, que negavam a ressurreição dos mortos (I Co 15.12). Há muitos elementos que podem ter contribuído para esse falso ensino, como a conversão de saduceus (Mt 22.23), o "espírito ateniense" em alguns gentios convertidos (At 17.32) e a adesão às filosofias de Epicuro, que diziam "vamos comer e beber, e amanhã morreremos" (citado por Paulo no vers. 32). Paulo, então, passa a apresentar uma série de argumentos demonstrando a realidade da ressurreição corporal. O principal deles é a ressurreição corporal de Cristo Jesus, fato histórico inconteste (I Co 15.1-15).

Abre parênteses: A ressurreição do corpo é um dos grandes objetos de fé e esperança dos cristãos; o apóstolo neste capítulo põe esta realidade diante do Coríntios e de toda a humanidade. A maior de que o tão esperado evento é realidade inquestionável é, a saber, que trata-se de uma consequência necessária da ressurreição de Cristo. Porque Cristo ressuscitou corporalmente dentre os mortos, os crentes com haverão de ressuscitar também do mesmo modo. Nossa fé em vã, se não for a fé no Evangelho, o qual declara cabalmente que os crentes ressuscitarão no último dia (15:1,2). Fecha parênteses.

Além da ressurreição de Cristo, Paulo prossegue apresentando outros argumentos na defesa da verdade da ressurreição de mortos: os argumentos morais envolvidos na negação dessa realidade (vers. 16-28) e o testemunho de certas práticas que existiam naquela época (vers. 29-34). Dentre estas práticas, o texto afirma que alguns se batizavam pelos mortos (vers. 29). Note, contudo, que não há uma descrição dessa prática, apenas o relato da existência da mesma; sequer há um vaticínio, uma aprovação apostólica quanto ao batismo pelos mortos. Novamente, há somente um breve relato da existência, sendo usada como argumento em favor da ressurreição. É muito importante entender isso: Paulo não está defendendo a prática do batismo pelos mortos, nem descrevendo a mesma. Está dizendo que alguns tinham esta prática porque criam na ressurreição; o tema central é, portanto, a ressurreição.


Abre parênteses: Segundo alguns comentaristas, a prática do batismo pelos mortos era comum entre os marcionitas (discípulos de Marcião) no II século, contudo não há base histórica para afirmar que ela existiu na época de Paulo. A idéia por detrás da prática era que os benefícios do batismo poderiam, de algum modo, beneficiar aqueles que morreram sem ele. João Crisóstomo dá a seguinte descrição dessa prática: "Depois de um catecúmeno (isto é, alguém preparado para o batismo, mas não realmente batizado) morrer, eles escondiam um homem vivo sob a cama do falecido; em seguida, vindo eles à cama do homem morto falavam a ele, e perguntavam se ele receberia o batismo, e não havendo nenhuma resposta, o outro respondia em seu lugar, e assim eles batizavam o "vivo pelos mortos"" (Ellicott's Commentary for English Readers). Fecha parênteses.

Porém, cabe-nos uma análise mais acurada de I Co 15.29. Ainda que alguns comentaristas afirmem que a prática do batismo vicário tenha existido nos primórdios da Igreja Cristã, eu contra-argumento que a partir de uma simples leitura do contexto, torna-se fácil perceber que "os mortos", na argumentação paulina, refere-se ao pensamento de alguns de que Cristo não havia ressuscitado (I Co 15.12-14), isto é, a expressão "batismo pelos mortos" se referiria ao ato do cristão batizar-se pelo Cristo morto (veja a lógica: se não há ressurreição, Cristo não ressuscitou, portanto permanece morto. Assim, quem se batiza em Cristo é batizado em alguém que está morto, sendo vã a pregação, a fé e consequentemente este batismo). Essa interpretação encontra respaldo no ensino sobre o batismo bíblico, ou seja, naquele que é extraído das Escrituras, sendo radicalmente diferente do ensino do batismo pelos mortos. Ilustrando essa verdade, Lucas afirma que o batismo de João era o batismo de “arrependimento, para perdão dos pecados” (Lc 3.3). Note que Lucas relata que João exortava duramente à multidão que saía para ser batizada por ele (Lc 3.7-9). Ora, se ele pregava a necessidade urgente de batismo, porque ele repreendia àqueles que a ele vinham para sem batizados? Porque a multidão entendia que o batismo de João era mais um rito de purificação, algo meramente exterior, sem a necessidade de transformação interior (arrependimento). De nada adiantaria àquelas pessoas, espiritualmente falando, serem batizadas sem que houvesse real arrependimento primeiramente. O rito em si mesmo não tem efeito nenhum; é preciso de haja mudança de vida (Lc 3.10-14) para que haja eficácia no batismo. Por isso, o arrependimento e a fé devem ser primeiramente gerados pelo Espírito Santo no coração dos homens, para que só então esses homens sejam batizados nas águas (ver http://apenas-para-argumentar.blogspot.com.br/2011/09/rudimentos-da-doutrina-de-cristo-iii-os.html). Não há, portanto, base bíblica para esta doutrina.

Vale dizer, aqui, que se o batismo pelos mortos é uma prática válida para estes, então somos necessariamente forçados a concluir que outras práticas, realizadas pelos vivos em favor dos mortos, são igualmente válidas. Assim, por exemplo, seria válida, espiritualmente falando, em termos de benefícios para os mortos, as práticas de realizar orações por eles, realizar missas por eles, a prática de indulgências, etc. Obviamente, todo este ensino aponta para a doutrina católica romana do Purgatório. Vale dizer que o próprio João Crisóstomo ensina que os cristãos devem orar pelos mortos -  “Levemos-lhes socorro e celebremos a sua memória. Se os filhos de Jó foram purificados pelo sacrifício de seu pai (Jó 1,5), porque duvidar que as nossas oferendas em favor dos mortos lhes leva alguma consolação? Não hesitemos em socorrer aos que partiram e em oferecer as nossas orações por eles” (CIC, §1032; In I Cor 41,5 PG 61,361, cf. http://cleofas.com.br/as-oracoes-pelos-mortos/). Porque Crisóstomo ensinou, devemos aceitar tacitamente? Ou devemos comparar o ensino de Crisóstomo com o ensino bíblico? Seria Crisóstomo maior que Paulo e Silas, os quais tiveram seus ensinos submetidos ao crivo das Escrituras pelos crentes de Beréia (At 17.11)? 

Abre parênteses: O purgatório, segundo a doutrina católico romana, é um local intermediário, após a morte física, onde aqueles que estão destinados para o céu  estão sob purificação, para atingirem a santidade necessária para poderem alcançar o céu. Assim, para o Purgatório iriam aquelas almas que não são suficientemente livres dos efeitos temporais do pecado e suas conseqüências para entrar imediatamente no estado do céu , nem são tão pecaminosas e odiosas a Cristo para serem destinadas ao inferno.  Tais almas, portanto, destinadas a se unirem com Deus, devem primeiro serem purificadas neste estado intermediário, a fim de alcançarem a santidade necessária para entrarem no céu (purificação pelo fogo). Aqui entraria a classificação de pecados, feita pelos teólogos católicos, em mortais e veniais, onde os primeiros levariam ao inferno e os segundos ao purgatório. Obviamente, tal doutrina anula a suficiência do sacrifício de Cristo na cruz do calvário pelos pecados, voltando ao antigo erro da "salvação pelas obras" (neste caso, ás dos vivos pelos mortos), além de introduzir uma classificação de pecados estranha à Bíblia Sagrada. A existência do purgatório foi definida no I Concílio de Lyon (1274) e no Concílio de Florença (1438-1445), reafirmada no Concílio de Trento (1545-1563), afirmando que "as almas que nele estão detidas são aliviadas pelos sufrágios dos fiéis, principalmente pelo sacrifício do altar" (http://www.montfort.org.br/old/documentos/trento.html#sessao25). A doutrina do purgatório é o resultado de um malabarismo exegético-teológico-filosófico pelos seus proponentes (com base numa exegese forçada de I Co 3.10-15, juntamente com textos apócrifos de Macabeus), parte derivada do conceito teológico-judaico sobre o Sheol. Aliás a doutrina do purgatório é para a igreja católica romana uma questão de excomunhão para aqueles que nela não crerem; o mesmo Concílio estabelece que "se alguém disser que a todo pecador penitente, que recebeu a graça da justificação, é de tal modo perdoada a ofensa e desfeita e abolida a obrigação à pena eterna, que não lhe fica obrigação alguma de pena temporal a pagar, seja neste mundo ou no outro, no purgatório, antes que lhe possam ser abertas as portas para o reino dos céus - seja excomungado". Trata-se, obviamente, de um "combate" à doutrina bíblica da justificação pela fé, um combate direto à Reforma Protestante. Fecha parênteses

Abre parênteses: A indulgência é o ensino católico romano da remissão diante de Deus, por meio da mediação da Igreja, da pena temporal devida aos pecados cuja culpa já foi perdoada. Segundo o dic. Houaiss é definida como sendo "a remissão total ou parcial das penas temporais cabíveis para pecados cometidos, que a Igreja concede depois de os mesmos terem sido perdoados". A indulgência pode ser obtida para si mesmo, ou para um falecido, onde a absolvição livraria a pessoa do inferno e a indulgência livra a pessoa do purgatório. Assim, como ensina o site católico "Cleofas" (http://cleofas.com.br/o-purgatorio-e-as-indulgencias-parte-1/), a doutrina das indulgências está intimamente ligada à realidade do Purgatório. Fecha parênteses.

Assim, vimos que a doutrina do batismo pelos mortos (ou batismo vicário ou batismo por procuração) não encontra respaldo bíblico. Além de tudo o que foi apresentado, cabe mais uma explicação: a palavra traduzida por "mortos" em I Co 15.29 vem do grego nekron: βαπτιζομενοι υπερ των νεκρων (transliterado: baptizomenoi uper tōn nekrōn). Ton nekron pode ser traduzido como "o morto". Assim, o batismo seria pelo morto, o que corresponde à argumentação que foi feita, ou seja, que esse batismo era por Cristo morto, não ressurreto. Já que o batismo é a identificação do crente com a morte e a ressurreição do Senhor, e realizava-se sob a sua autoridade e mandato, representando a morte, sepultamento e ressurreição do crente com Cristo (Rm 6.3-5), seria totalmente inútil se Jesus fosse simplesmente um a mais entre tantos mortos.



Por outro lado, a preposição hiper (uper) nesse texto rege o tempo genitivo (exprime a relação de posse). Neste caso a tradução seria  "por", "em favor de", "por causa de". Deste modo, há a possibilidade de outra linha de interpretação: O batismo seria “por causa dos mortos”, isto é, como resultado do testemunho que deram enquanto vivos, ou ao morrerem. Assim, havia aqueles que se batizavam por causa do testemunho daqueles que já haviam morrido, sendo que eles próprios não acreditavam na ressurreição do corpo. O apóstolo estaria aqui condenando este inútil procedimento.

De qualquer modo, a invencionice mórmon do batismo pelos mortos não apresenta fundamento bíblico. 

Por último vale a exortação: "A Bíblia não manda que os cristãos se batizem pelos mortos; de fato, nem sequer menciona esta prática em alguma outra parte. O ensino bíblico é que cada crente seja batizado ele próprio. Não há a mínima indicação de que um cristão possa ser batizado a favor de outro crente vivo; muito menos que possa batizar-se por algum defunto. Em contrapartida, a Escritura ensina claramente que o destino eterno de cada um fica determinado inexoravelmente com a morte (Hebreus 9:27). Não está em nós o poder de salvar outros por nossa própria vontade; somente podemos interceder em oração para que outros recebam a salvação, nunca aceitá-la em representação deles. Ademais, a Bíblia explicitamente proíbe todo trato com os mortos. Recordemos que embora o batismo seja uma ordenança cristã ou sacramento e cada crente deva ser batizado num ato de obediência para com o mandamento de nosso Senhor e como uma testemunha d`Ele, o batismo não é imprescindível nem suficiente para a salvação; só a fé em Cristo pode salvar (ver o caso do ladrão arrependido no Calvário, Lucas 23:42-43 e o que Paulo diz em 1 Coríntios 1:14-17)" (http://conhecereis-a-verdade.blogspot.com.br/2013/01/sobre-o-batismo-pelos-mortos.html).  

Pense nisso. Deus está te dando visão de águia!

2 comentários:

  1. Ricardo, boa noite. Diante de tudo que li acima. Gostaria de sua orientação cristã: Você considera os mórmons uma seita?

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    1. Não considero o movimento mórmon aderente ao cristianismo bíblico, posto que seu corpo doutrinário é radicalmente contrário às Escrituras Sagradas.

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