domingo, 6 de janeiro de 2019

RELIGIÃO: A FÉ EM CRISTO NUMA CASCA DE NOZ


"Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito..." (William Shakespeare, "Hamlet", ato 2, cena 2) 

Dentro de uma casca de noz. Limitado no espaço, no tempo e na cosmovisão. E mesmo assim considerar-se rei do infinito. Parece uma tarefa simples, afinal tudo o que essa pessoa conhece é tudo o que ela vê e assim o seu infinito é aquilo que seus sentidos podem captar. Um infinito que é na verdade finito. E pequeno. 

O físico Stephen Hawking usou o mesmo texto citado no início dessa argumentação como inspiração para escrever seu bestseller "O Universo numa Casca de Noz". Segundo Hawking, não devemos ficar reclusos em nosso próprio "universo", mas expandir nossos pensamentos ao infinito.  A partir dessa lógica, ele discorre sobre Cosmologia, de forma simples e agradável. 

Viver numa casca de noz sem nunca considerar esta limitação é algo muito comum. É comum nas atividades humanas; onde há um ser humano, haverá sempre a possibilidade deste considerar a si mesmo "rei", isto é, conhecedor de toda a realidade possível, em virtude dessa realidade ser apenas uma fração de uma realidade infinitamente maior. Essa arrogância é típica de muitos pesquisadores em suas áreas de saber, que ao reduzirem a realidade passam a crer que já atingiram o clímax do conhecimento. Uma vez na casca de noz, cessa a curiosidade e consequentemente a capacidade de fazer perguntas, estagnando o conhecimento e com ele a própria compreensão da realidade das coisas. 

Reduzir a realidade para tentar compreendê-la não é, por si só, algo ruim. Na verdade, se tentássemos entender a realidade que nos envolve e da qual somos participantes, sob todos os seus amplos e inumeráveis aspectos, nunca iríamos chegar a conhecimento algum. Imagine tentar entender a Química, por exemplo, sem particularizar esse estudo, sem reduzi-la nas disciplinas de Fisico-Química, Química Orgânica, Química Inorgância, Química Geral, Química Analítica, Bioquímica, Termodinâmica, Química Quântica, Cinética Química e Catálise, etc.! O grande desafio no entendimento de qualquer assunto é tanto considerar (1) se não é possível haver algum aspecto daquela área que não foi abordado, quanto (2) como juntar as partes, ou seja, como entender a área maior a partir de suas partições menores. 

Considerando agora a fé em Cristo, discernir as partes da realidade é fundamental. Podemos viver as partes como se fossem toda a realidade sem nunca considerar que existe uma realidade maior, superior a que estamos vivendo. Podemos fazer pior: podemos considerar como parte da fé aquilo que jamais foi, é ou será uma parte da mesma, vivendo a fé e considerando-a em seu clímax a partir dessa falsa parte. É possível viver numa caverna escura, acorrentado, de costas para a luz, ignorando por completo que há um mundo fora da caverna e, ainda assim, crer que está vivendo em plena relidade das coisas. Isso muito se assemelha ao mito ou Analogia da Caverna, de Platão:

Imaginemos homens que vivam numa caverna cuja entrada se abre para a luz em toda a sua largura, com um amplo saguão de acesso. Imaginemos que esta caverna seja habitada, e seus habitantes tenham as pernas e o pescoço amarrados de tal modo que não possam mudar de posição e tenham de olhar apenas para o fundo da caverna, onde há uma parede. Imaginemos ainda que, bem em frente da entrada da caverna, exista um pequeno muro da altura de um homem e que, por trás desse muro, se movam homens carregando sobre os ombros estátuas trabalhadas em pedra e madeira, representando os mais diversos tipos de coisas. Imaginemos também que, por lá, no alto, brilhe o sol. 

Finalmente, imaginemos que a caverna produza ecos e que os homens que passam por trás do muro estejam falando de modo que suas vozes ecoem no fundo da caverna. Se fosse assim, certamente os habitantes da caverna nada poderiam ver além das sombras das pequenas estátuas projetadas no fundo da caverna e ouviriam apenas o eco das vozes. Entretanto, por nunca terem visto outra coisa, eles acreditariam que aquelas sombras, que eram cópias imperfeitas de objetos reais, eram a única e verdadeira realidade e que o eco das vozes seriam o som real das vozes emitidas pelas sombras.

Suponhamos, agora, que um daqueles habitantes consiga se soltar das correntes que o prendem. Com muita dificuldade e sentindo-se freqüentemente tonto, ele se voltaria para a luz e começaria a subir até a entrada da caverna. Com muita dificuldade e sentindo-se perdido, ele começaria a se habituar à nova visão com a qual se deparava. Habituando os olhos e os ouvidos, ele veria as estatuetas moverem-se por sobre o muro e, após formular inúmeras hipóteses, por fim compreenderia que elas possuem mais detalhes e são muito mais belas que as sombras que antes via na caverna, e que agora lhes parece algo irreal ou limitado.

Suponhamos que alguém o traga para o outro lado do muro. Primeiramente ele ficaria ofuscado e amedrontado pelo excesso de luz; depois, habituando-se, veria as várias coisas em si mesmas; e, por último, veria a própria luz do sol refletida em todas as coisas. Compreenderia, então, que estas e somente estas coisas seriam a realidade e que o sol seria a causa de todas as outras coisas. Mas ele se entristeceria se seus companheiros da caverna ficassem ainda em sua obscura ignorância acerca das causas últimas das coisas. Assim, ele, por amor, voltaria à caverna a fim de libertar seus irmãos do julgo da ignorância e dos grilhões que os prendiam. Mas, quando volta, ele é recebido como um louco que não reconhece ou não mais se adapta à realidade que eles pensam ser a verdadeira: a realidade das sombras. E, então, eles o desprezariam...


Exatamente assim dá-se com quem vive sua fé em Cristo aprisionado na caverna da religião. Sim, a religião é uma verdadeira caverna escura, onde a realidade maior é convenientemente substituída por uma compreensão deturpada dessa realidade, onde a fé em Cristo se resume em assistência aos cultos e programações e na contribuição financeira com os mesmos (e com a liderança religiosa). Nessa "casca de noz", aquilo que é grande é apequenado de forma conveniente. Não para compreensão, não para entendimento, mas para obscurecimento da verdade. Nada escapa da religiosificação.

É interessante perceber que a religião dita cristã traz seus elementos de verdade. O problema é verdade e mentira foram diluídos e então cristalizados juntos, ou seja, a religião resume-se em elementos da verdade cristalizados juntos com a mentira, não uma verdade pura. Com isso, com a mistura, a verdade perde muito do seu poder real e transformador. Veja, a religião cristã pode ter pregação da Bíblia, mas o poder dessa pregação esvai-se à medida que a realidade por ela abrangida restringe-se à vida na casca de noz, dentro da religião. Prega-se sobre a plena liberdade em Cristo, por exemplo, mas ao mesmo tempo delimita-se para os ouvintes essa liberdade, restringindo-a ao ato de ir aos cultos dominicalmente, ser bom dizimista/ofertante e nunca, jamais e em hipótese alguma questionar das decisões e erros da liderança, tornando os efeitos dessa pregação inócua. Ensina-se, por exemplo, sobre comunhão entre os cristãos com direito a citações de textos em grego e hebraico, mas reduz-se essa "comunhão" a meros gestos nas reuniões, onde após a mesma cada um vai para sua casa e dane-se o outro com seus problemas; onde ninguém se entende, ninguém considera ninguém - onde nora quebra pau com sogros e cunhados e vice-versa, onde líderes traem outros por cobiça de posição, por "tapinha nas costas"; onde "toda paz, todo amor" tão badalados em verso e prosa não passam de cena religiosa. Ensina-se sobre fé, mas o exercício dessa fé é somente nos brados e gritos durante as reuniões, onde precisa-se frequentemente de um "objeto de fé" para servir de "ponto de contato pós-reunião". Tudo isso é apenas discurso vazio, inócuo.

Conheço muita gente que vive exatamente assim, numa casca de noz religiosa: tem aqueles que convidam outros para suas reuniões não com o propósito de ajudá-los, ou por simples gesto de amor desinteressado por todas as demais coisas mas totalmente interessado por elas; antes, o fazem para aumentar o número de frequentadores e assim "ganharem pontos" junto às suas lideranças, ou até à Deus. "Precisamos fazer essa igreja crescer!", "Fulano é mau obreiro porque não faz a obra crescer!", e por aí vai, esfolando-se para aumentar o público pagante. Tem outros que acham que cuidar de igreja é preparar lanchinhos e manter sempre o local de reuniões limpinho (não que isso não seja importante, mas note o reducionismo). Tem aqueles que acham que pastorear é sinônimo de pregação triunfalística psicologizada, aceitando tudo que é pecado sem nunca advertir e orientar realmente a pessoa. Tem aqueles que assistem às reniões apenas por causa da pressão exercida na casca de noz, para não serem "julgados e sentenciados" como "rebeldes", "desviados", "falsos cristãos", e por aí vai. No fundo de seus corações, consideram aquilo tudo um saco, uma perda de tempo: vão porque tem que ir, estão porque tem que estar, fazem porque tem que fazer; não por real amor ou interesse genuíno em Deus e nos outros. Se pudessem, estariam noutro lugar, como numa praia ou num cinema ou mesmo em casa. Mas, ao estarem presentes, mesmo contrariados, naquela "prisão da alma", seus "líderes-carcereiros" dirão que "está tudo bem na vida deles", "que estão em comunhão" e que "Deus os abençoará por ali estarem"! 

Leia a Bíblia, especialmente o Novo Testamento. Você terá um choque ao lê-la e comparar o que ela diz com aquilo que se vive na casca de noz religiosa, na caverna das trevas da religião. Princípios muito claros no Novo Testamento (que está no Antigo também, mas no Novo é gritante) são o do exercício da fé em Cristo respeitando-se sempre a liberdade do cristão (liberdade de ir e não ir, de fazer ou não fazer, de comer e não comer, de contribuir com quanto quiser e não contribuir, dessas contribuições serem destinadas para ajudar aos irmãos necessitados), do exercício do amor a Deus de forma concomitante e indissolúvel do amor do próximo, do interesse do coração em estar reunido (reunião é por prazer, por amor, não por coação), do desejo sincero de edificar vidas, de sempre abençoar pessoas (independente de elas crerem ou virem a crer ou não como os cristãos crêem), de viver a vida de bem com todos, do perdão pessoal e do perdão divino interligados, de suportar com fé o mal, de corrigir e ajudar os que se desviam, de socorrer os aflitos e atribulados até mesmo com as posses se preciso for, de todos poderem participar ativamente das reuniões (de forma ordenada, é claro), do cultivo de uma vida valorosa e cheia de boas obras, da evidência do fruto do Espírito como modo de vida (e não mera curiosidade bíblica), e por aí vai. Da compreensão da Unidade da fé como algo maior do que a unidade denominacional. De que uma pessoa ou denominação não é "feliz proprietário" da verdade em detrimento de outra denominação "que está nas trevas" (a síndrome dos únicos certos).  Que mesmo aqueles que não crêem ainda em Cristo como Senhor e Salvador pessoal tem seu valor para nós e que Deus pode trazê-los a nós de forma que haja um relacionamento benéfico e abençoador para ambos. Que o cescimento do Reino de Deus é antes de tudo interior e não exterior, para só então ser exteriorizado. Que a tão propalada "obra de Deus" é constituída 100% de pessoas vivas, não de coisas; fazer a obra é então cuidar dessas pessoas pelas quais Cristo morreu, não cuidar de estruturas sem vida. Que Igreja é diferente de denominação, que é possível ser Igreja sem ser denominação ou estar em uma denominação. Percebe como a fé em Cristo é muito, mas muito maior do que aquilo que se vive na dita religião cristã??

Quem vive numa casca de noz, limitado em sua vida e em sua compreensão, acha-se "rei do infinito". São "reis da divindade", "entendedores de Deus", decifradores dos códigos da Bíblia, possuidores dos segredos eternos do Altíssimo. Os "reis do infinito" fazem uma imensa questão de serem assim reconhecidos! Veja, por exemplo, o que se dá com o tal "conhecimento bíblico": quanto mais se conhece, menos se vive e mais "arrota-se" superioridade sobre os demais! A pessoa faz questão de ler a Bíblia e de ler muitos e muitos livros e enciclopédias sobre a Bíblia somente para dizer para si mesmo e para outros "eu conheço isso tudo!" E ai de quem não concorde com ela! Conhecimento bíblico, assim, na denominação, vira "coisa de especialista em Deus" com direito a "esfregar" "o currículo ministerial" na "cara dos outros"! Afinal, ninguém é tão "rei do infinito" quanto o fulano é, devendo todos se recolherem às suas insignificâncias diante de sua Majestade! Sua Majestade falou, tá falado!

Minha proposta para você, dileto(a) leitor(a), é que você procure enxergar sua fé em Cristo além da abóbada da casca religiosa. Faça isso a partir da Bíblia, do Novo Testamento especialmente (lembre-se que o Novo Testamento tem ascendência sobre o Antigo Testamento em matéria de fé para o cristão; qualquer ensino derivado do Antigo deve ser comparado com o Novo). E, a partir dessa realidade expandida, viva intensamente esta fé! Jesus, em João 10, nos diz que o ladrão (os líderes religiosos, que usam e se aproveitam da religião para benefício próprio, cujo o dinheiro e a influência é o que lhes importam) veio para matar, roubar e destruir; ao contrário, Ele veio para nos dar vida e vida em abundância! Os "reis do infinito" um dia constatarão sua pequenez e insignificância, quando se deparem com o Infinito Ressuscitado, o Verdadeiro Rei dos reis e Senhor dos senhores! Não seja você mais um rei do infinito, saia da casca e veja que há uma realidade superior, de Deus para você! Passe a viver, de verdade, a sua fé em Cristo! A fé verdadeira, expandida, é maravilhosa! Chega de teorias! Chega de discursos que nunca viram prática, chega de toda religiosificação da fé! Chega de vida de caverna em trevas, de casca de noz! Venha para a luz em Cristo! 

"Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito. O caminho dos perversos é como a escuridão; nem sabem eles em que tropeçam." (Pv 4.18,19) 

Pense nisso!
Graça e paz!

Um comentário:

  1. Triste condição . Somos inclinados à religião. Os fariseus constituíam o grupo que mais severo tratamento recebeu de Cristo. Não por desamor , mas para que sendo advertidos mudassem sua condição pelo arrependimento.
    " Misericórdia quero é não sacrifícios" soa bem alto aos ouvidos, retinindo vez após vez. Coração quebrantado e contrito não são rejeitados, são requeridos. Somente assim a lepra deixa de corroer a alma.

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