quinta-feira, 9 de março de 2023

O JEJUM BÍBLICO: FUNDAMENTOS E PRÁTICA


Respondeu-lhes Jesus: É possível que os amigos do noivo fiquem de luto enquanto o noivo ainda está com eles? Dias virão, quando o noivo lhes será tirado; então jejuarão.
(Mateus 9:15)

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O jejum é comumente definido como a "abstenção de todos ou alguns tipos de comida ou bebida". Essa abstenção pode ser motivada por fins de saúde, por questões éticas ou como prática religiosa. Alguns consideram o jejum, enquanto prática de vida cristã, como sendo algo desnecessário, enquanto outros tornaram a prática em uma doutrina místico-ascética legalista; em ambos os casos, perde-se o real propósito e os benefícios espirituais em jejuar. É importante considerar também que em um mundo onde muitas pessoas são muito dependentes de alimentos por questões emocionais, como "válvula de escape" da ansiedade, depressão, tédio, etc., o jejum tende a ser cada vez menos ensinado e praticado. Para resgatar o propósito de Deus na prática do jejum, é preciso recorremos às Escrituras. Antes de mais nada, é muito importante deixar claro que salvo em pouquíssimas exceções envolvia a abstenção de alimentos e de água. Geralmente envolvia apenas a abstenção de alimentos.  

Na Bíblia Sagrada, a palavra "jejum" (צוֹם, tsom, em hebraico e νηστεύω, nésteuó em grego) aparece 26 vezes no Antigo Testamento e 20 vezes no Novo. Muitos personagens bíblicos praticaram o jejum como parte de sua devoção a Deus. Dentre eles, podemos citar Moisés, Davi, Ana, Daniel, Elias, Ester, Cornélio, Paulo e o próprio Senhor Jesus. Portanto, o jejum tratava-se de prática comum no período bíblico. 

 

I. O JEJUM NAS ESCRITURAS SAGRADAS.

Havia ocasiões em que o jejum era recomendado no Antigo Testamento. Vejamos algumas:

1. No Dia da Expiação (yom kippur) (Lv 16:29-31; 23:26-32; Nm 29:7): Este foi o único jejum ordenado pela Lei, a ser observado no décimo dia do sétimo mês. Embora não seja chamado de "jejum", a frase "afligir a própria alma" foi entendida como referindo-se ao jejum (cf. Sl 69:10). O uso dessa frase sugere um propósito do jejum.

2. Em época de doença ou luto: As pessoas frequentemente jejuavam sem mandamento específico em tempo de sofrimento; alguns eram assuntos comunitários, enquanto outros eram atos de particulares. O jejum era realizado quando um ente querido estava doente (David jejuou e chorou por seu filho enquanto o menino estava doente - II Sm 12:16-23) e até por seus inimigos (Sl 35:11-13). Em caso de morte as pessoas jejuavam, como mostram os episódios envolvendo (a) os homens de Jabes-Gileade, que jejuaram sete dias por Saul (I Samuel 31:13; I Crônicas 10:12) e (b) quando Davi e o povo jejuaram por Saul e Jônatas (II Samuel 1:12). 

3. Para buscar o perdão de Deus: Moisés jejuou quarenta dias por causa do pecado de Israel (Dt 9:15-18). Acabe jejuou para ser perdoado (I Rs 21:17-29). Nínive jejuou com a pregação de Jonas (Jonas 3:4-10). Daniel jejuou ao confessar os pecados de Israel (Dn 9:3-5). O jejum geral na leitura comunitária da Lei por Esdras foi um ato de penitência (Ne 9:1-3). 

4. Diante de um perigo iminente: Josafá jejuou quando ameaçado por Edom (2 Crônicas 20:3). Esdras liderou um jejum ao buscar o favor de Deus para com seu retorno do exílio (uma jornada repleta de perigos) (Ez 8:21). Neemias jejuou quando ouviu falar do estado de Jerusalém (Ne 1:4). Os judeus jejuaram quando souberam que Hamã havia obtido o decreto do rei contra eles (Ester 4:3) e Ester e Mardoqueu jejuaram antes de ela ir perante o rei (Ester 4:16). 

Como vimos, no Antigo Testamento o jejum era ordenado na Lei com o propósito de "afligir a alma" (Lv 23:26-32, Sl 69:10). O propósito de tal aflição ou castigo era "humilhar" a alma (Sl 35:13). Era também praticado comumente em casos de forte tristeza e angústia ou para buscar a Vontade de Deus ou para obter o favor de Deus, envolvendo assim sentimento de urgência e, com isso, incluía quase sempre a oração a Deus. Havia, portanto, o entendimento de que a auto-humilhação era agradável aos olhos de Deus (e muitas vezes era mesmo); no entanto, o jejum foi infrutífero quando era feito apenas cerimonialmente ou quando era feito sem verdadeiro arrependimento:

"Eis que para contendas e debates jejuais, e para ferirdes com punho iníquo; não jejueis como hoje, para fazer ouvir a vossa voz no alto. Seria este o jejum que eu escolheria, que o homem um dia aflija a sua alma, que incline a sua cabeça como o junco, e estenda debaixo de si saco e cinza? Chamarias tu a isto jejum e dia aprazível ao Senhor? Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo o jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres abandonados; e, quando vires o nu, o cubras, e não te escondas da tua carne? Então romperá a tua luz como a alva, e a tua cura apressadamente brotará, e a tua justiça irá adiante de ti, e a glória do Senhor será a tua retaguarda. Então clamarás, e o Senhor te responderá; gritarás, e ele dirá: Eis-me aqui. Se tirares do meio de ti o jugo, o estender do dedo, e o falar iniquamente; E se abrires a tua alma ao faminto, e fartares a alma aflita; então a tua luz nascerá nas trevas, e a tua escuridão será como o meio-dia" (Isaías 58:4-10).

Perceba aqui algo de vital importância sobre o jejum: o jejum não tem poder nenhum em si mesmo! Noutras palavras, jejuar sem o correto sentimento e sem ter uma vida prática coerente com a Vontade de Deus declarada na Bíblia é totalmente inútil! Jejum não é para criar polêmicas e confusões, nem para soberba ou prepotência; ninguém é melhor do que ninguém ou mais espiritual que outros por fazer jejum. Deus olha com atenção para todo aquele que em sua vida ame ao seu próximo como a si mesmo, agindo com bondade e misericórdia para com os oprimidos.   

Vejamos agora no Novo Testamento, começando pelo jejum que Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo fez antes do início do Seu ministério terreno. Ele jejuou por 40 dias no deserto: "Então foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome" (Mateus 4:1,2). Aqui temos um paralelismo óbvio com os jejuns de Moisés (Êxodo 34:28) e Elias (1 Reis 19:8). O efeito de tal jejum em qualquer organismo humano e, portanto, na humanidade real de nosso Senhor, seria interromper a continuidade normal da vida e aumentar todas as percepções do mundo espiritual, algo extremamente necessário para a grandiosa Obra que Deus Pai lhe havia confiado.

Mais adiante, vemos Jesus ensinar sobre o jejum por ocasião do Sermão do Monte. Ele disse: "E, quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram os seus rostos, para que aos homens pareça que jejuam. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Tu, porém, quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto, para não pareceres aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente" (Mt 6:16-18). Aqui, Jesus reconhece o jejum, mas condena a secreta auto-satisfação sob a máscara da contrição, o “orgulho que imita a humildade”, manifesta na expressão "eles desfiguram seus rostos" (o verbo é o mesmo que é traduzido como “corrompido” em Mateus 6:19) a qual aponta para o rosto sujo e o cabelo despenteado, possivelmente por causa às cinzas aspergidas em ambos, para que os homens pudesse conhecer e admirar àqueles que jejuavam. Observe que a clara intenção dos hipócritas era mostrar que jejuavam; ou, de outro modo, para que as pessoas vissem que eles estavam jejuando - o famoso PIV ("para inglês ver"), assumindo um semblante triste; um olhar abatido, austero e mortificado, fazendo com que a piedade consistisse em uma exibição externa, e não em verdadeira bondade. 

Perceba o que em detrimento do jejum hipócrita, Jesus nos ensina que quando nós jejuamos não devemos dar aos outros nenhuma impressão de que estamos jejuando: "unge a tua cabeça, e lava o teu rosto, para não pareceres aos homens que jejuas". Como ensina Jesus, nosso jejum não deve ser motivado por soberba ou pela necessidade de demonstrações de pretensa espiritualidade. O que conta sempre é a aprovação de Deus, nunca o aplauso dos homens. E assim, "teu Pai, que vê em secreto, te abençoará publicamente".  

O jejum é também abordado por Jesus noutras 2 ocasiões:

1. Respondendo aos questionamentos dos discípulos de João (Mt 9:14-15; ver também Mc 2:18-20; Lc 5:33-39): "Então, chegaram ao pé dele os discípulos de João, dizendo: Por que jejuamos nós e os fariseus muitas vezes, e os teus discípulos não jejuam? E disse-lhes Jesus: Podem porventura andar tristes os filhos das bodas, enquanto o esposo está com eles? Dias, porém, virão, em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão".

2. Respondendo aos seus próprios discípulos: "E, repreendeu Jesus o demônio, que saiu dele, e desde aquela hora o menino sarou. Então os discípulos, aproximando-se de Jesus em particular, disseram: Por que não pudemos nós expulsá-lo? E Jesus lhes disse: Por causa de vossa incredulidade; porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível. Mas esta casta de demônios não se expulsa senão pela oração e pelo jejum" (Mateus 17:18-21). É interessante notar que conforme Jesus disse, há alguns demônios que para serem expulsos requerem uma maior intensidade da vida espiritual, a ser obtida pela “oração e jejum” de que fala nosso Senhor. 

A prática do jejum era comum na Igreja no período apostólico. Em Antioquia (At 13:1-3), vemos que a comissão dos irmãos Barnabé e Saulo para a obra do Senhor fora confirmada pelo Espírito Santo à igreja por meio do serviço cristão e do jejum. Após a confirmação do Espírito Santo, a igreja "jejuando e orando, e pondo sobre eles as mãos, os despediram".  Por sua vez, na Galácia (At 14:21-23) a igreja jejuou por causa da séria tarefa de nomear presbíteros, implicando na necessidade de receberem a confirmação do Senhor dos nomes indicados antes de serem empossados na função. Paulo jejuava (II Co 6:5; 11:27) como uma marca de seu ministério e de sua boa posição como ministro de Cristo.

Portanto, podemos extrair da Bíblia que a principal razão de jejuarmos é ampliarmos as nossas percepções do mundo espiritual, tornando-nos mais sensíveis e, portanto, mais capazes de discerni-lo. É importante que o jejum seja acompanhado de um momento separado com Deus, de comunhão com Ele de preferência por meio da oração e da leitura da Palavra; pode, contudo, prescindir da oração e da leitura desde que o foco seja mantido no Senhor Jesus, com exceção do episódio específico que Jesus explicou quando da libertação do possesso. O aumento da percepção, derivada do aumento da comunhão, irá permitir discernir melhor a Vontade de Deus, bem como irá tornar-nos mais sensíveis ao agir do Espírito Santo em nós e por nós (como, por exemplo, na delegação do Senhor para algo específico ou em receber Seu consolo em momentos de crise). Por outro lado, não deve nunca, em hipótese alguma, ser entendido como um fim em si mesmo (como uma espécie de "poder mágico"), nem ser praticado para fins de vanglória e auto-exaltação.

 

 II. A PRÁTICA DO JEJUM. 

Vamos considerar a prática do jejum. Primeiro, nunca deixe de beber água durante o jejum. Isso é fundamental. Quando passamos muito tempo sem água, nosso corpo sofre desidratação e começa a estar sujeito a uma série de doenças: "Dor de cabeça, sonolência, tonturas, fraqueza, cansaço e aumento da frequência cardíaca também podem estar associados aos episódios de desidratação. Além desses sintomas, que se intensificam com o agravamento do quadro, nos casos de desidratação grave, podem surgir outros, como queda de pressão arterial, perda de consciência, convulsões, coma, falência de órgãos e morte" (fonte: https://drauziovarella.uol.com.br/pediatria/desidratacao/). Deus jamais quererá que fiquemos doentes ou enfermos! Nosso corpo é morada de Deus e não devemos destruí-lo. A ingestão de água suficiente para satisfazer a hidratação normal não significa que o jejum tenha sido quebrado, porque água não é alimento! Água não é comida! 

John Piper, em seu livro "A Hunger for God: Desiring God through Fasting and Prayer" (Fome de Deus: Desejando a Deus através do Jejum e da Oração) pontua várias razões bíblicas para a prática do jejum:

a)  Jejuamos porque temos fome da Palavra de Deus e do Espírito de Deus em nossas vidas;

b)  Jejuamos porque desejamos que a glória de Deus ressoe na igreja e o louvor de Deus ressoe entre as nações;

c)  Jejuamos porque ansiamos pela volta do Filho de Deus e pela vinda do reino de Deus;

d) Em última análise, jejuamos simplesmente porque queremos Deus mais do que queremos qualquer coisa que este mundo tenha a nos oferecer.

Note, portanto, que a despeito dos benefícios do jejum para o corpo físico (como por exemplo na perda de peso e no controle da obesidade), estamos aqui somente nos referindo aos benefícios espirituais. 

Por fim, exorto o(a) amado(a) leitor(a) em ter muito cuidado com os livros sobre jejum. A Bíblia é muito precisa em nos alertar sobre as pessoas que “exigem a abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ação de graças por aqueles que crêem e conhecem a verdade” (1 Timóteo 4:1–3). O apóstolo Paulo pergunta consternado: “Por que . . . você se submete aos regulamentos - 'Não manuseie, não prove, não toque'? (Colossenses 2:20-21). Não estamos em pior situação se não comermos, nem em melhor situação se o fizermos (1 Coríntios 8:8). Jesus cita uma ocasião onde dois homens compareceram diante de Deus. Um disse: “Eu jejuo duas vezes por semana”; o outro disse: “Deus, tenha misericórdia de mim, um pecador!” Apenas um desceu justificado para sua casa (Lucas 18:12–14). A disciplina da abnegação (a qual inclui o jejum) está repleta de perigos para a nossa espiritualidade cristã sadia e até para as nossas vidas. Sobre isso também somos advertidos: “‘Todas as coisas me são lícitas’, mas eu não me deixarei dominar por nada” (1 Coríntios 6:12). 

II.1. DURAÇÃO DO JEJUM E DESJEJUM: DICAS.

Não há nenhuma regra especial para o jejum e o desjejum. Assim, o que se segue nesse item deve ser entendido somente como um conselho pastoral. 

Quanto tempo dura o jejum?  De forma geral, o jejum pode ser feito com duração parcial (metade de um dia) ou total (o dia inteiro). Caso a opção seja pelo jejum parcial, recomendo que o(a) leitor(a) comece-o ao acordar pela manhã e termine-o ao meio-dia. Se for com duração total, faça-o até às 18h.

Após o jejum, meu conselho é evitar beber líquidos gaseificados (refrigerantes) ou comer alimentos de difícil digestão (como por exemplo feijoada, buchada, rabada, etc.). Seu corpo está recebendo alimento depois de passar um período sem ele e esses tipos de alimentos podem prejudicar sua saúde (somente por conta da sua saúde ok? não há nenhuma restrição espiritual). Dê preferência a alimentos leves e de fácil digestão e beba água ou suco. 

Parênteses: Vou reforçar: não existe qualquer restrição do ponto de vista bíblico para a ingestão de qualquer alimento. Restringir alimentos com a justificativa de espiritualidade é, do ponto de vista bíblico, legalismo e, portanto, não abrangido pela Graça de Deus. Na Graça, todos os alimentos são permitidos aos cristãos!  Em várias ocasiões, Paulo aponta para o que ensinamos sobre comida como uma indicação do que acreditamos sobre a graça. Mais especificamente, em 1 Timóteo 4:1-5, Paulo adverte Timóteo para guardar a igreja contra mentirosos insinceros que proíbem alimentos criados por Deus: “Pois tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado se for recebido com ação de graças, pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração. Os conselhos aqui sobre desjejum referem-se apenas aos cuidados quanto a saúde física. Fecha parênteses.

Se for do seu interesse estender o jejum por períodos superiores a 1 dia, meu conselho é que você comece primeiro com um parcial, depois um total e então siga fazendo seu jejum por mais dias. Lembre-se de sempre beber água! Com o passar dos dias, o seu corpo irá enfraquecer por conta da não ingestão de alimentos e seu metabolismo irá se adequar a essa realidade; portanto, nunca faça jejuns prolongados se você tem restrições médicas e nunca faça-o sem orientação de um médico. Voltando a Bíblia, apenas Moisés, Elias e Jesus fizeram jejum total por 40 dias. Inclusive, alguns estudiosos da Bíblia dizem que nosso Senhor ficou sem comer por 40 dias, mas não sem beber água. De qualquer modo, cuidado com a sua saúde! Lembre-se: o que interessa para Deus é o seu coração voltado para buscá-Lo, não o comer ou deixar de comer. De maneira nenhuma e em caso nenhum interessa ao bondoso e gracioso Deus que você adoeça

E o jejum pode envolver somente a restrição de um determinado tipo de alimentos, como foi no caso de Daniel em Babilônia? É jejum comer apenas legumes e verduras, abrindo mão de comer carne? No meio evangélico é comum ser praticado aquilo que chamam "Jejum de Daniel". Não vejo nenhuma restrição bíblica a alguém, livre e espontaneamente, adotar esse tipo de jejum com foco apenas na ingestão de vegetais por um período definido. Fique entendido desde já, contudo, que estritamente falando não é um jejum do ponto de vista bíblico.

Lembre-se também que Daniel abriu mão de comer por uma razão especial: "Mas Daniel propôs em seu coração não se contaminar com a porção do manjar do rei, nem com o vinho que ele bebia; por isso pediu ao príncipe dos eunucos que não se contaminasse." (Dn 1:8). Logo, o propósito era não se contaminar com as iguarias que o rei de Babilônia oferecia. O motivo aqui, então, é distintamente religioso. A vida comum estava tão entrelaçada com a adoração idólatra que cada refeição era, em certo sentido, um sacrifício. Portanto, "não toque, não prove, não manuseie" era o ditame inevitável para um coração de um judeu temente ao Senhor sob a Lei de Deus. Assim, não é difícil supor então que os manjares do rei de Babilônia envolviam comidas sacrificadas aos ídolos de diversos tipos, incluindo animais que que a Lei tratava como impuros ritualisticamente para o consumo pelos fiéis a Deus daquela época: foi representado pelos profetas, como parte dos males de um cativeiro em uma terra estrangeira, que o povo teria a necessidade de comer o que era considerado impuro: "E o Senhor disse: Assim comerão os filhos de Israel o seu pão imundo entre os gentios, para onde os levarei" (Ezequiel 4:13:). Em Oséias vemos também que "não habitarão na terra do Senhor, mas Efraim voltará ao Egito; e comerão coisas impuras na Assíria" (Oséias 9:3). Nesse sentido, o comentário bíblico Barnes' Notes on the Bible sobre essa passagem de Daniel explica:

"Era costume entre os antigos trazer uma porção do que era comido e bebido como oferenda aos deuses, como um sinal de reconhecimento agradecido de que tudo o que os homens desfrutam é o seu presente. Entre os romanos, esses presentes eram chamados de "libamina", de modo que a cada refeição havia um ato de oferta. Portanto, Daniel e seus amigos consideravam o que era trazido da mesa real como comida que havia sido oferecida os deuses e, portanto, tão impuros".  

Nesse sentido, vale a pena verificar também o que explica o comentário bíblico Gill's Exposition of the Entire Bible: "[...] que ele não se contaminaria com a porção da carne do rei; comendo dele; em parte porque pode consistir no que foi proibido pela lei de Moisés, como a carne de criaturas impuras, particularmente suína, gordura e sangue, e assim se contaminar em um sentido cerimonial; e em parte porque, embora possa ser comida em si lícita para ser comida, mas parte dela sendo oferecida primeiro ao seu ídolo "Bel", como era de costume, e todo abençoado em seu nome, teria sido contra sua consciência, e uma contaminação disso, comer de coisas oferecidas ou abençoadas em nome de um ídolo. Nem com o vinho que bebeu; que era tão ilegal quanto sua comida; sendo uma libação para seus deuses, como observa Aben Ezra; caso contrário o vinho não era proibido; nem foi abandonado por Daniel, quando ele pôde participar à sua maneira (Daniel 10:3)".

Logo, o propósito de Daniel em não se contaminar com certos tipos de alimentos não é o mesmo que aquele dos cristãos hoje, uma vez que sob a Graça não há restrições dietéticas para os cristãos, salvo o que Paulo explica sobre o consumo de alimentos sacrificado aos ídolos, conforme sua Primeira Epístola aos Coríntios. Noutras palavras, Daniel evitou se contaminar (pecando contra a Lei de Deus) e por isso não comeu dos manjares do rei; isso é totalmente diferente de comer um bife que foi comprado no mercado no almoço de hoje. O único paralelo que existe entre Daniel e nossos dias é, novamente, a consagração da vida a Deus e a busca ao Senhor. Nada mais deve ser derivado do episódio de Daniel.  

Por fim, considere o seguinte: Não ingerir proteínas de origem animal por longos períodos, a não ser por orientação médica, pode também prejudicar sua saúde (pode por exemplo gerar perda de massa muscular o que, em alguns casos, pode acarretar em problemas na dentição, além de outras consequências). Portanto, não faça jejum de proteínas por longos períodos sem a orientação de um médico ou de um nutricionista. De novo, não se trata de comer ou deixar de comer, mas sim da busca de uma maior comunhão com Deus.

 

III. CONCLUSÃO.

O jejum, como vimos, é algo totalmente voluntário e não deve, em hipótese alguma, ser feito contra a vontade. O propósito principal do jejum é buscar ao Senhor e isso sempre foi e sempre será algo a ser feito por iniciativa pessoal ou com a concordância do fiel; o resultado de uma necessidade sentida, não a observância de um comando rígido. Enquanto o legalismo impõe regras e mais regras sem nenhum poder, eficácia ou autoridade bíblica, a Graça nos direciona a vivemos em liberdade. E é a partir dessa liberdade que Deus nos concede que escolhemos, livremente e de sã consciência, separamos um tempo para buscá-Lo mais intimamente. Observe que para Deus pouco importa se seu jejum será parcial ou total; o que importa para Ele é você buscá-Lo de todo o coração, com toda a sua alma e com todo o seu entendimento.   

No jejum, o cuidado com nossa saúde não deve ser desprezado. Cada pessoa tem as suas particularidades em termos de condição física e, portanto, precisa ter cuidado ao iniciar e concluir um jejum prolongado. Em qualquer caso, a ingestão de água é fundamental a qual por sua vez, biblicamente falando, não interfere no jejum. Nada de radicalismos ou rompantes de legalismos. Se necessário, o fiel em Cristo deve consultar um especialista antes de iniciar um jejum prolongado.

Lembre-se de que o jejum é entre você e Deus. Não interessa a mais ninguém saber que você está jejuando. Portanto, ao jejuar, nada de alardes ou de "caras e bocas". Faça seu jejum e ao final entregue-O ao Senhor e Ele, que te vê em secreto, te abençoará publicamente. E nada de comparações vangloriosas; nada do "eu sou mais espiritual do que você porque eu jejuo e você não". Deus abençoa o humilde e resiste ao soberbo. 

Para seu enlevo espiritual, segue a música "Jejum pelo Noivo".


 
Que o Senhor lhe abençoe rica e abundantemente! Graça, misericórdia e paz lhe sejam multiplicadas!

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