sábado, 24 de dezembro de 2016

ANALISANDO A PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS NA CEIA DO SENHOR

Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice. (I Co 11.28)

De início, é importante que reconheçamos a questão da participação de crianças na Ceia do Senhor é um assunto polêmico dentre as mais variadas denominações cristãs-evangélicas. Nossos irmãos da Igreja Luterana Evangélica do Brasil, por exemplo, advogam que as crianças podem e devem participar da Eucaristia (da Ceia) mediante ensino preliminar sequencial sobre a importância e seriedade dessa participação (cf. website: http://www.luteranos.com.br/conteudo/ceia-do-senhor-com-criancas. Acesso: 22/12/2016). A Igreja Metodista aceita que as crianças, filhas dos membros da igreja, irmãos/ãs da comunidade de fé ou pelas pessoas responsáveis pela sua educação da fé, participem da Ceia. Por seu turno, o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, respondendo consulta sobre os membro comungantes e não-comungantes e participação das crianças batizadas na infância, na celebração da Santa Ceia do Senhor (CE-SC/IPB-2004 - DOC XXXVII - Quanto ao Documento 004 - disponível em: http://www.executivaipb.com.br/site/atas/CE/CE2004/doc_XXXVII_004.pdf ) conclui que filhos de pais crentes ("filhos do pacto") podem e devem manifestar a fé salvadora e assim que ela manifeste esta fé pode ser recebida por meio da Profissão Pública de Fé e participar assim da Ceia do Senhor. Estes devem receber educação cristã e espiritual formal, a qual deve ser ministrada pelos pais, com ajuda e orientação da Igreja, antes da participação na Ceia do Senhor. Na Igreja Anglicana Reformada do Brasil, os pais são responsáveis de discernir e instruir os seus filhos na fé Cristã. Eles devem decidir se os filhos estão prontos para participar da celebração da Santa Comunhão. Há outras muitas variações sobre esse tema.

Olhando para os diversos entendimentos acerca da participação de crianças na Ceia, a despeito das muitas variações interpretativas, nota-se que há o consenso quase absoluto (com exceção das denominações neopentecostais, onde não há um claro critério de membresia e a ceia é servida para todos os presentes) de que apenas um convertido devidamente batizado nas águas seja admitido na Ceia, excluindo-se desse modo a "Ceia Aberta" (também chamada "Ceia Universal ou Ultra-Livre", onde os elementos são servidos a todos os presentes na ocasião, independente do seu credo, da fé salvadora no Senhor Jesus Cristo e da religião). Assim, uma criança que tenha sido previamente batizada nas águas pode, como crente em Cristo, participar da Ceia, uma vez que a fé salvadora precede tanto o batismo quanto a Ceia. Pelas Escrituras Sagradas, fica evidente que a consciência de pecado, regeneração, fé e salvação precedem o batismo, sendo pré-requisitos para o mesmo, de modo que é necessário que o candidato ao batismo possua discernimento quanto àquilo que representa o batismo. Por derivação, a necessidade do discernimento do ato aplica-se também à Ceia (concordando desse modo com o ensino de I Co 11.28).

No que consiste o auto-exame a que Paulo se refere em "examine-se, pois, o homem a si mesmo"? "Examinar" vem do termo grego "dokimazo", assim a expressão "examine-se a si mesmo" é a tradução de "dokimazetō eauton". O termo dokimazo significa "testar; discernir; examinar; provar; experimentar; julgar"; "colocar à prova"; "distinguir pelo teste"; "aprovado após testado". O termo grego era usado, por exemplo, quando se verificava se algo era genuíno ou não (como metais), como em Rm 14.22; I Co 16.3; II Co 8.22 e I Jo 4.1. O mesmo termo é usado com o sentido de "examinar, escrutinizar, provar" em II Co 8.8 ("...mas para provar, pela diligência dos outros, a sinceridade de vosso amor") e em I Ts 2.4 ("Mas, como fomos aprovados de Deus para que o evangelho nos fosse confiado, assim falamos, não como para agradar aos homens, mas a Deus, que prova os nossos corações").   Vejamos outras traduções da Bíblia Sagrada:

1. Aramaic Bible in Plain English: Because of this, let a man search his soul, and then eat of this bread and drink from this cup (tradução: "Por causa disto, que o homem busque sua alma, e então coma deste pão e beba deste cálice"). 

2. GOD'S WORD® Translation: With this in mind, individuals must determine whether what they are doing is proper when they eat the bread and drink from the cup. (tradução: "Com isto em mente, os indivíduos devem determinar se o que eles estão fazendo é apropriado quando eles comem o pão e bebem o cálice.")

3. Jubilee Bible 2000: But let each man prove himself, and so let him eat of the bread and drink of the cup. (tradução: "Mas cada homem prove a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice.") O mesmo texto encontra-se nas versões Darby Bible Translation e English Revised Version, com pequenas variações.

4. Bíblia King James Atualizada Português: Examine, pois, cada um a si próprio, e dessa maneira coma do pão e beba do cálice.

Portanto, fica claro que o "auto-exame" recomendado por Paulo como prévio ao participar da Ceia refere-se a uma atividade que deve ser realizada a partir da capacidade de juízo, de julgamento, de raciocínio pessoal. Há a obrigatoriedade, portanto, para aquele que pretende participar da Ceia, de verificar se encontra-se apto para isso ou não. Seguindo-se a leitura de I Co 11 a partir do versículo 27, Paulo vai explicar que a obrigatoriedade do auto-exame deve-se a seriedade e severidade da participação na Ceia: "Portanto, qualquer que comer este pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice. Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor. Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem. Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo". Noutras palavras, caso o auto-exame não seja realizado, aquele que participa da Ceia corre o sério risco de "participar indignamente, sendo réu do corpo e do sangue do Senhor", "comendo e bebendo a Ceia para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor". Como consequência disso, ou seja, da participação indigna, havia entre os crentes Corintos "muitos fracos e doentes", e muitos que haviam morrido.

De antemão, é fácil perceber que esse auto-exame prévio refere-se dentre outras coisas a "discernir o corpo do Senhor". Conforme o Comentário de Benson, discernir o corpo do Senhor envolve considerar a morte de Cristo e os benefícios que o Senhor obteve por meio dela para nós, por seu amor surpreendente por nós, representados naquela solene ordenança; distinguindo assim o pão e o cálice do alimento comum. Ou seja, no erro dos crentes de Corinto estava envolvido o ato de não considerar o simbolismo do pão e o cálice como corpo e sangue do Senhor, mas sim como um alimento comum cotidiano. Aquele pão e cálice eram, nas palavras do próprio Senhor Jesus por ocasião da última Ceia, "o meu corpo" e "meu sangue" (Mt 26.26-28). O pão representa seu corpo dado por nós no Calvário e o vinho simboliza o seu sangue derramado. Note: o pão não se transformava em carne, nem o vinho se transformava em sangue; estes elementos não se transubstanciavam (transformação de uma substância em outra) nem se consubstanciavam (união de dois ou mais corpos na mesma substância) naqueles. Isso, contudo, não significa que devamos considerar a Ceia como somente um rito vazio ou mero memorial, uma vez que há no ato de comer da Ceia severas consequências para quem o fizer indignamente.

Parênteses: Particularmente, o autor desse texto crê que uma vez consagrados no momento da Ceia, o pão e o cálice passam a representar no mundo espiritual o corpo e o sangue do Senhor. Na terra, o pão continua a ser pão e cálice (suco de uva ou vinho) continua a ser o mesmo, jamais alterando sua substância molecular nem tendo a adsorção de moléculas do corpo e do sangue (não há fenômeno de superfície no pão e no cálice); daí segue que ingeri-los é ingerir pão e cálice. Porém, no mundo espiritual, é como se o crente estivesse comendo do corpo e do sangue do Senhor.  

O fato é que a Ceia do Senhor é uma ordenança repleta de significação espiritual, daí segue-se a imperiosa necessidade de entendimento acerca da participação na mesma. Esse discernimento é algo que muitas pessoas com capacidade de julgamento não conseguem alcançar - vide os crentes Corintos, imagine então as crianças!!!

O auto-exame é então aqui determinado como um modo de levar o crente a participar "dignamente" da Ceia do Senhor, evitando-se assim profaná-la, tal como mencionado nos versículos 27 e 29. No auto-exame, o crente faz uma análise honesta e criteriosa sobre o significado da Ceia bem como das razões de sua participação na Ceia. Muitas coisas estão, portanto, envolvidas nesse auto-exame: do ponto de vista pessoal, vão desde o reconhecimento das faltas pessoais com o sincero desejo de abandoná-las bem como da necessidade de perdoar e receber perdão dos irmãos com quem participa da comunhão cotidiana. Passa, portanto, pelo reconhecimento das faltas e pelo consequente arrependimento sincero das mesmas (obviamente, todo aquele que vive obstinadamente em pecado e aqueles que foram excluídos da Igreja não podem participar da Ceia). Olhando agora para o aspecto coletivo, a Ceia é a expressão máxima da comunhão que temos uns com os outros (comunhão envolve decisivamente a participação naquilo que é comum, terreno, de modo que o amor fraternal encontre a sua expressão além do poético, mas de modo prático), pois é a comunhão naquilo que é espiritual e que nos une como Igreja - não instituição humana falida, hipócrita e religiosa, mas sim como Organismo Vivo e Sobrenatural, que é o Corpo de Cristo. Na ceia mostramos a nossa dependência contínua da verdadeira vida que vem de Jesus através da comunhão viva com ele no Espírito neste Corpo de muitos membros. Tudo, portanto, que impede ou dificulta a comunhão no que é terreno, impede a comunhão naquilo que é espiritual; daí, constituem-se faltas contra o Corpo e devem ser também objeto de arrependimento sincero. A Ceia do Senhor nos conclama à união, na qualidade de um só Corpo, e não às divisões, partidos e facções, como se fôssemos membros de diferentes corpos!

Parênteses: Para o pr. Harold Walker, o crente deve chegar-se a Deus sem mentira e sem fingimento, mas com verdade e luz. Aquilo que os outros veem deve ser o que você é. Chegue-se a Deus e à ceia reconhecendo que você é uma “porcaria”, mas uma “porcaria” aceita por Deus. Deus aceita todo tipo de “porcaria”; Ele só não aceita “porcaria com cara de crente”. Deus ama a sinceridade e a verdade. Ele não tem problema com pecado, porque o pecado Ele resolve. Ele tem problema com a religiosidade, pois esta encobre o pecado e nos faz fingir que somos santos. Então, “aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura.” (Hebreus 10.22). Ter um “coração purificado da má consciência” é ter seus pecados confessados, é andar na luz. Assim que fizer algo errado, procure alguém e confesse seu pecado, fique com a consciência limpa diante de Deus. “Corpo lavado com água limpa” se refere ao batismo. Não se deve tomar a ceia sem ser batizado. No batismo, minha mente é purificada porque recebo perdão pelo sangue. O que lava é o sangue, e não a água. Mas se eu não obedecer à Palavra e descer às aguas, o sangue não vai me lavar. Só posso ter a consciência purificada se eu for batizado.  Portanto, tendo o corpo purificado com água limpa, a mente purificada pelo sangue e um verdadeiro coração na luz, “retenhamos inabalável a confissão da nossa esperança, porque fiel é Aquele que fez a promessa; e consideremo-nos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras, não abandonando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia.” (Hebreus 10.23-25). (fonte: http://www.servindocomapalavra.com.br/dinamic2/index.php/textos-publicados/79-como-tomar-a-ceia-do-senhor)

Assim uma criança não batizada, mesmo sendo inocente, pode participar da ceia? A resposta é não. Nesse caso, sua participação seria indigna (I Co 11.27), não por causa de sua condição, mas porque não se enquadra na maneira correta da participação da Ceia. Se as crianças sentirem vontade de tomar a ceia, devem os pais explicar-lhes a razão de sua proibição. No tempo da lei, se alguém comesse da carne do sacrifício de forma indigna, cometia pecado (Lv 7.18; Lv 22.10). Um não batizado ou uma criança, não pode apropriar-se das coisas consagradas ao Senhor: “Laço é para o homem apropriar-se do que é santo…” (Pv 20.25).

Perceba que a solução seria batizar as crianças. Porém, é preciso considerar também no batismo de crianças o elemento do discernimento e da compreensão. Hoje, é comum vermos crianças pedindo para serem batizadas apenas para poderem participar da Ceia, estando ausentes os elementos espirituais necessários para que uma pessoa seja batizada nas águas: arrependimento, confissão e fé, justamente porque lhes falta a capacidade de compreender tais coisas. Aqui, nesse ponto, é bom fazermos a seguinte distinção: há crianças que não atingiram a maturidade para serem batizadas e, portanto, não possuem ainda condições de participação na Ceia. Porém, há também crianças que compreendem bem sua condição para com Deus e podem, portanto, expressarem as condições para serem batizadas e por conseguinte participarem da Ceia. Note que a chamada à salvação, que envolve o reconhecimento da condição perante Deus e a aceitação da solução por Deus proposta, bem como a perseverança no Caminho, envolve a necessidade de reflexão - inicial e sequencial. Os pais e os pastores devem analisar todos os candidatos antes de procederem ao batismo, o que inclui as crianças, e não satisfazerem vontades dissociadas de elementos probatórios verificáveis.   

Com que idade uma criança se torna responsável pelos seus atos, podendo ser então considerado o batismo das mesmas? Os teólogos da idade média pressupunham que com 12 anos as crianças atingiam a fase da responsabilidade. Secularmente, alguns países fixam a responsabilidade (criminal, ou seja, a pessoa passa a ter responsabilidade sobre seus atos perante a lei humana) aos 10 anos. A idade da responsabilidade criminal nos Estados Unidos varia de 6 a 12 anos; na Inglaterra e no País de Gales, é 10 anos; na Suíça, 10; na Escócia, 12; na França, 13; na Rússia, na Alemanha e no Japão, 14; na Suécia e na Dinamarca, 15; em Portugal, 16. No Brasil, apesar da maioridade ser conferida somente aos 18 anos, há crianças de até 8 anos que cometem violência e fazem sexo (até sexo entre crianças). Com a influência cada vez mais poderosa da mídia, bem das pressões - até políticas - para o despertamento sexual das crianças - verdadeira atuação de Satanás sobre as mesmas, é impossível deixar de afirmar que cada vez mais precocemente as crianças atingem a compreensão dos seus atos (perdendo a prerrogativa de inocência). De qualquer modo, os pais - a quem Deus conferiu a primeira e grande responsabilidade de ensinar as crianças - juntamente com os pastores das Igrejas devem analisar caso a caso a fim de decidir batizar ou não uma criança.   

Concluindo: as crianças não devem participar da Ceia, a menos que sejam previamente batizadas nas águas. E isso pressupõe a compreensão de tudo o que está envolvido nesse ato. As exigências são, portanto, as mesmas para adultos, adolescentes e crianças. Não batizar crianças que ainda não tem a condição de sê-lo (bem como negar-lhes consequentemente a participação na Ceia) tem função pedagógico-espiritual tanto para as próprias crianças, como para os adultos, relacionado à valorização da importância e seriedade de ambas as ordenanças. Eventuais justificativas quanto a participação de crianças na Ceia baseadas no Antigo Pacto não se sustentam, tendo-se em vista que a Ceia não é a versão ipsis litteris da Páscoa judaica. Vale lembrar, por fim, que ambas as ordenanças não são sacramentos. Os sacramentos conferem graça e santificação pela simples participação neles; já nas ordenanças é preciso entender a fim de usufruir dos benefícios espirituais dos mesmos (Paulo, em Romanos 6, explica com profundidade o significado espiritual do batismo) e, como vimos no caso da Ceia, é preciso discernir para não participar indignamente.   

Pense nisso!
Graça e paz!

Um comentário:

  1. Precisa- se de mais temor ao Senhor! Adultos há que até hoje, apesar de anos na igreja, ainda não entendem bem sobre tudo o que envolve a Santa Ceia. Não sabem o que é discernir o Corpo , não entendem que é necessário, (forçoso mesmo )a Comunhão dos membros do Corpo.
    Se é assim entre os mais vividos a fé, o que se dirá das crianças, as quais devem ser orientadas por aqueles . Embora acredite que haja crianças precoces, sinceramente convertidas, tudo deve ser analisado com cautela. Não se pode banalizar ou tornar mera formalidade algo santo.

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