sábado, 5 de março de 2011

CARNAVAL: ÉPOCA DE RETIRO OU DE EVANGELISMO?

Carnaval: alguns chamam de festa da carne, devido à libertinagem desenfreda que acontece nesta festa; outros, dizem que ela deriva-se dos antigos festivais romanos conhecidos como bacanais (do Lat. bacchanale s. m., festim dissoluto; devassidão), em homenagem a Baco (ou Dionísio). O fato é que o carnaval contém em si mesmo vários elementos que o transformam numa festa de imenso apelo à sensualidade, quer pelas mulheres semi(?)nuas que desfilam, agitando libidinosamente seus corpos diante dos expectadores, quer pelas bebedeiras e porres, quer pelo sexo livre e orgias em bailes ou mesmo em logradouros públicos.

Para evitar que seus membros caiam em tentação, muitas igrejas promovem nesta época os chamados "retiros espirituais", geralmente em sítios ou chácaras, afastados dos grandes centros onde o carnaval tem sua maior expressão. Nestes retiros, os crentes em Cristo estariam "à salvo" de caírem em pecado, da "tentação de ligar a TV" e acabar participando ativa ou passivamente do carnaval, envolvidos em orações, estudos bíblicos e, dependendo da igreja, lazer (futebol, piscina, cachoeira, etc). Nesta argumentação, chama-los-ei de "grupo dos preservadores", que visam à todo custo preservar a pureza e a santidade dos crentes.

Para os membros deste grupo, é imprescindível que haja retiro no carnaval. Chegam a fazer cara feia se a igreja, por qualquer razão, deixa de promover o evento. O retiro é o fim dos problemas do crente, a solução para não pecar, o oásis espiritual em meio ao deserto de luxúria e pecado que assola a humanidade. É, na concepção destes, quase um "Bello Monte". Quer tacitamente, quer explicitamente, os preservadores crêem e defendem a realização do retiro de Carnaval como a única forma de garantir que os crentes não se desviem nesta época.  

Já outras igrejas entendem que "este é o momento", a "grande oportunidade" de evangelizar "os mundanos perdidos", que "jazem no maligno". Daí, formam equipes de evangelismo ou até mesmo "blocos de carnaval evangélicos" - uma ação de evangelismo estratégico, com direito a mestre-sala e porta-bandeira, samba enredo, alegorias e tudo mais que é comum ao carnaval, mantendo-se, é claro, as devidas proporções. Aqui, estes serão chamados de "grupo dos conquistadores", cujo objetivo é conquistar todos os carnavalescos e admiradores para Cristo.


Não raramente, ambos os grupos "se estranham" mutuamete. Para os perservadores, os conquistadores são, na verdade, carnais enrustidos. O evangelismo é entendido como uma desculpa esfarrapada para dar lugar ao diabo e à carne. Os conquistadores, aqui, são vistos como libertinos, sensuais e sem o Espírito de Deus. Tal raciocínio advém da própria lógica do grupo dos preservadores: que é impossível alguém se envolver com carnaval, por mais espirituais e corretas que sejam as motivações, sem ser contaminado com ele. 

Já do ponto de vista dos conquistadores, os preservadores não passam de legalistas, radicais religiosos, hipócritas. Segundo os conquistadores, os preservadores se isolam em retiros no carnaval porque, no seu íntimo, desejam mesmo é cair na folia. "É gente religiosa, que precisa deixar a Lei e passar a viver a graça de Deus", expressão que resume o sentimento e as opiniões dos conquistadores. A lógica predominante aqui é a do triunfalismo: invariavelmente, o crente ao tornar-se crente passou a viver em condição de "vitória imperdível e absoluta" - mesmo neste corpo mortal - sobre o diabo, o pecado e o mundo. As tentações não têm nenhum tipo de efeito sobre ele, pois ele é mais que vencedor, sempre! "Se foi tentado e caiu, é porque não era crente verdadeiro", é o consenso tácito do grupo.

Assim, para um grupo as tentações são irresistíveis; para outro, as tentações não existem, pelo menos em seus efeitos sobre o crente. Mas quem está com a razão, à luz da Bíblia: os preservadores ou os conquistadores? Será que as tentações têm ou não poder de influência sobre o crente em Cristo?

Primeiramente, é preciso conhecer o que a Bíblia tem a dizer sobre as tentações. Ora, o próprio Mestre de Nazaré nos ensinou a orar, e em sua oração nos ensinou a pedir que ao Pai para que Ele não nos deixe cair nas tentações (Lc 11.4). Também nos ensinou que devemos vigiar e orar para não cairmos em tentação (Mt 26.41), isto é, para que nós não cedamos às pressões da tentação. Segundo o apóstolo Paulo, o crente pode ser objeto de tentação, mas esta jamais será acima das nossas capacidades de suportá-la (I Co 10.13) - ou seja, é possível ser tentado e não cair em pecado. O próprio Senhor foi tentado em TODAS AS ÁREAS DA SUA VIDA (inclusive sexual), mas venceu TODAS as tentações COMO HOMEM, na dependência do Espírito Santo (Hb 2.18). Já Tiago nos diz que é possível ao homem suportar a tentação (Tg 1.12); ora, isso é revela-nos que diante da tentação é tanto possível ao crente resistir firme na fé quanto cair em pecado.

Cada um de nós é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência. Ou seja, o desejo que nos impele ao pecado não provém de Deus, mas de nós mesmos. Tentação, na Bíblia, é um sentimento fortíssimo em direção ao pecado, ao mal, que só pode ser resistido com a vigilância e oração e na total dependência de Deus. A tentação em si mesma não é pecado, só se tornando pecado quando e conforme a sugestão ao mal é aceita e se acede à mesma.

Consoante a este ensino, ambos os grupos estão errados. Os preservadores estão errados, porque não há necessariamente ligação entre a presença do mal (com a tentação) e a queda. É possível ao crente ser tentado e permanecer sem cometer o pecado que está sendo sugerido. Ora, se fosse diferente, ao tornar-se cristão o crente deveria imediatamente enclausurar-se em monastérios e conventos. A história mostra que tal prática - antiga no cristianismo - foi ineficaz em seus efeitos: os próprios monges, padres, madres, freiras acabavam cometendo toda a sorte de pecado - inclusive feitiçaria, prostituição e aborto - no interior de suas "redomas" preservacionistas.

Abre parênteses: Em muitos "retiros espirituais" é comum acontecerem fornicações e variantes, mesmo sem o conhecimento dos líderes e organizadores. É o casal que se afasta um pouco do grupo duarente o dia ou que se encontra à noite após todos dormirem. Quem quer pecar, dá sempre um jeito de conseguir consumar o desejo, independente do local onde esteja. Fecha parênteses.

A questão é: todos obrigatoriamente cairão em pecado diante do Carnaval? A resposta é não. Aliás, permita-me expandir o racicínio: tudo o que acontece no carnaval, acontece o ano todo também. Homem/Mulher pelada existe o ano todo - quer em revistas, quer em sites, quer mesmo na rua. Homem/Mulher querendo sexo casual? Há centenas de milhares, inclusive casado(a)s. A possibilidade de se transar com qualquer um/uma é imensa; é quase igual a probabilidade de se lançar uma moeda e dizer que dará uma das faces (sem especificar qual). E a feitiçaria? Ande nas ruas e inevitavelmente você verá anúncios, propagandas; receberá panfletos ou conversará com alguém que é praticante.

Abre parênteses: Se formos considerar feitiçaria aquilo que ela realmente é - a prática ou celebração de rituais, orações ou cultos com ou sem uso de amuletos ou talismãs (objetos ao qual são atribuídos poderes mágicos), com vista à obtenção de resultados, favores ou objetivos - então basta ir a uma igreja neopentecostal mais perto da sua casa e participar ativamente do "culto". Lâmpada ungida para banho de luz, rosa ungida, óleo de Israel, "água orada", toalhinha ensebada de unção fedorenta, sal grosso, manto sagrado, etc e outros "apetrechos espirituais" do gênero, que podem ser adquiridos ou de graça ou a preços módicos, e que garantem a solução dos males da pessoa. O que é isso, senão feitiçaria da braba com roupagem evangélica esfarrapada? Fecha parênteses.  

Os conquistadores também estão errados. Sim, porque segundo o ensino bíblico o crente pode cair em pecado diante da tentação. Independente de seu estado espiritual, tentação será sempre tentação, enquanto neste corpo vivermos. Há pelo menos um testemunho bíblico poderosíssimo que corrobora esta verdade: o testemunho de Adão e Eva. Bastou que a serpente tentasse Eva para que ela, que até então não tinha nenhum pecado ou mal em sua vida, comesse do fruto proibido e ainda desse do mesmo à Adão. Ela ficou ali, diante do fruto, parada, dando trela à serpente; a tentação foi crescendo dentro dela até tornar-se em prática. Assim, cmo regra geral, fugir da aparência do mal, como manda a Palavra de Deus, é sempre uma ótima estratégia para se evitar a prática do pecado.

Logicamente, nem todos caem. Cair em pecado diante da tentação está ligado a inúmeros fatores, que podem ter diferentes "pesos de ponderação" (o quanto aquele fator contribui para a decisão final) para cada pessoa. Por exemplo, estar sozinho pode se constituir num fator que propicie a queda diante da tentação; porém duas pessoas diferentes podem reagir diferentemente diante da tentação quando sozinhas, sem mais ninguém por perto (ou seja, o fator tem peso de ponderação diferente para cada um). 

Outra coisa: nem tudo que é tentação para uma pessoa é também para outra. Uns serão tentados diante de um rabo de saia; outros, diante de um copo de cerveja (especialmente se for bispo neopentecostal, sic). Outros ainda se sentirão tentados pelo fumo, outros pelo jogo, outros pelo dinheiro, outros, o sexo (com suas variantes - voyerismo, etc). O diabo sabe extamente a área em que cada um de nós é mais sucestível à queda. Justamente nestas áreas, a nossa vigilância deve ser maior.  No que consiste esta vigilância? Consiste em estar atento ao menor sinal de complicação e, de maneira preventiva, literalmente "dar no pé".

Abre parênteses: Com o advento das "mulheres-fruta" e o seu sucesso financeiro e com os homens, cada vez mais as mulheres são tentadas a se tornarem "versões turbinadas" delas mesmas. Silicone aqui, silicone ali, dias de muitas dores na recuperação, dietas e horas de ginástica localizada somente para, ao final tudo, se sentirem objeto do desejo masculino. Fecha parênteses.

Concluindo: independente de seu grupo - conquistador ou preservador - volte-se para a realidade da Palavra de Deus, especialmente no que se refere às tentações. Não é o retiro que vai livrá-lo do pecado, tampouco é o seu envolvimento com o evangelismo estratégico a garantia de que você não pecará. O problema não é o lugar exterior, mas lugar interior, o coração - o lugar mais íntimo do homem. Apenas tratando do coração, com a vigilância, a oração e a dependência total e irrestrita de Deus é possível ao crente não pecar, e isso em qualquer época do ano. Parodiando a Bíblia, "e o Carnaval passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre".  

Pense nisso. Deus está te dando visão de águia!

8 comentários:

  1. Retiro não resolve o problema do coração.Se resolvesse ninguém cairia mais em tentação.E seria de bom alvitre vivermos retirados.Caso contrário,como escaparemos dela nos demais dias?Há todo um apelo à carne.Parece que estamos vivendo dentro de um grande açougue humano.Brincadeira à parte,estão aí todas as facilidades para fazer qualquer um cair.O problema na verdade está em nós.Nossa carne que vive na busca incessante pelo prazer.O pecado nada mais é do que isso saciar os desejos da carne.Isso em todas as áreas.Por isso a recomendação bíblica:"Vigiai e orai,para que não entreis em tentação:na verdade,o espirito está pronto,mas a carne é fraca."Palavras de Jesus.Ele conhece o ser humano melhor que ninguém.Nesses dias de forte apelo para a carne,mais do que nunca devemos vigiar e orar.Até mesmo uns pelos outros.Há muita coisa que se pode fazer nesse dias...que tal o aluguel de um bom fime?ou um bom livro?Meditar na Palavra?Colocar em dia a leitura da Bíblia?Dormir?Reunir-se com os amigos,que tb são avessos ao carnaval e colocar o papo em dia?

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  2. Outra sugestão boa:ler e comentar o blog do pastor Ricardo.E tantos outros...Também há muita coisa interessante na internet.Basta querer e procurar que acha.Agora,se há em nós o desejo de participar da festa...Aí nada nos segurará.Ainda em um retiro nossas mentes viajariam até o lugar do batuque,do "churrasco" humano.

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  3. Retiro... Evangelismo... Tudo bom. Fui a alguns retiros que fizeram evangelismo no local onde estavam e outros que foram alvos do grande avivamento do Senhor e voltaram cheioa do poder para ganhar almas. Deus orienta e faz o que Ele quer. Este é o meu pensamento. Deus sabe todas as coisas e principalmente o que a Igreja está necessitando. Glória a Deus pelo seu Blog, irmão, achei tudo maravilhoso e proveitoso e desejo que o Pai lhe abençoe cada vez mais. Um forte abraço! Pastora Neide.

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  4. Obrigado pelos comentários, Pra. Lucy e Pra. Neide! Deus continue abençoando o ministério das amadas!

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  5. Excelente postagem, pr.Ricardo! Satanás, o nosso adversário, está sempre ao nosso derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar(1Pe 5:8). Se não vigiarmos ele nos tragará, quer no retiro ou fora dele. Como você bem disse, “não é o retiro que vai livrá-lo do pecado, tampouco é o seu envolvimento com o evangelismo estratégico a garantia de que você não pecará. O problema não é o lugar exterior, mas lugar interior, o coração - o lugar mais íntimo do homem”.
    Um abraço!
    Luciano Lourenço

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  6. Obrigado pelo comentário, amado irmão Luciano!

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  7. Entendo que o autor enveredou-se pelo caminho de que "não pecar" seria o motivo de muitos se refugiarem em retiros ou mergulharem desenfreadamente no ativismo cristão.

    Mas olhando sob a ótica bíblica da expansão do reino, creio que esta época a Igreja DEVE cumprir o IDE sim! Infelizmente há certos devaneios e determindas estratégias que talvez não condizem.

    Entretanto, Jesus não deixou de assentar de comer com publicanos e pecadores, o que lhe rendeu até mesmo apelidos pejorativos.

    A diferença e acho que faltou a abordagem é que Jesus INFLUENCIAVA os pecadores e não era influenciado por eles.

    Hoje, muitas igrejas se escondem no Carnaval (outras se escondem o ano todo). Creio que retiros devem existir para uma busca espiritual mais intensa, um propósito ou etc, mas não para separar a Igreja de um importante momento de pregar a Palavra de Deus.

    Claro que, um planejamento adequado de como e quem vai deve ser traçado, pois é um período que envolve grande Batalha Espiritual, mas nem isso deve ser motivo para desfalecermos.

    Antes, devemos lembrar dos Heróis da Fé que perderam (acharam) suas vidas em prol do Reino.
    Será que o Cristianismo moderno está disposto???

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  8. Obrigado pelo comentário, pastor Marcelo!

    Na verdade, relatei apenas o consenso tácito que existe com relação as duas posições dominantes, sem esposar necessariamente uma das duas.

    Continue sempre argumentando!

    Graça e Paz!

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