segunda-feira, 23 de agosto de 2010
O CARÁTER DOS HOMENS EM DIAS TRABALHOSOS
"Sobrevirão tempos trabalhosos", é o que nos exorta o Espírito Santo a partir da vida e ministério do apóstolo Paulo. Para compreender com clareza àquilo que tão enfaticamente é dito, vamos recorrer ao texto grego: τουτο δε γινωσκε οτι εν εσχαταις ημεραις ενστησονται καιροι χαλεποι
Transliterando-se o texto acima, obtemos: touto de ginōske oti en eschatais ēmerais enstēsontai kairoi chalepoi. A expressão "tempos trabalhosos" é uma das possíveis traduções de "kairoi chalepoi". Kairos é um termo bastante conhecido, significa "tempo, oportunidade, temporada". Já o termo "chalepos" significa "doloroso, penoso, atroz, grave, pesado, opressivo, repugnante, horrível"; "perigoso, arriscado" e "difícil". Assim, a expressão em português nas nossas Bíblias indica uma época perigosa, época complicada e de sofrimento, uma época que traz repugna, ojeriza.
Porque essa época seria tão ruim, tão horrível? Paulo mesmo se encarrega de explicar. Por causa da malignidade dos homens (sui generis - homens e mulheres) que viveriam nesta época. Pessoas que teriam a vida centradas em si mesmas, cuja satisfação do "eu" seria a única força motriz de suas almas; pessoas que contam somente no rol físico de membros. Gente que se introduziria na Igreja cheios de paixões e vontades carnais, mas que nunca chegariam ao conhecimento da verdade, ainda que aprendam sempre. Homens que resistem à verdade, sendo corruptos de entendimento e réprobos quanto à fé.
Mais do que um assunto para a escatologia (eschatos - últimos dias), esse é um assunto para os nossos dias. Isso pode se notar facilmente. A despeito da Igreja ser Ekklesia, "os chamados para fora do mundo", cada vez mais surge um grupo de "autodenominados crentes" que buscam viver para si mesmos, sem nunca desfrutarem nem a Graça nem a plenitude da Comunhão do Espírito no Corpo. Pessoas que estão na Igreja por mera conveniência ou por amizades com crentes, mas que jamais permitem que o Espírito Santo trate do seu caráter deformado pelo pecado. Pessoas que não se pode contar para nada; muito pelo contrário: é até perigoso contar com elas, porque além de você ficar na mão, corre o risco de se tornarem adversários caluniadores.
De onde vêm este grupo de homens dos últimos dias? De dois lugares principais. O primeiro é o mundo. Com a banalização do Evangelho e a "reinterpretação conveniente" da moral e ética cristã, hoje qualquer pessoa torna-se membro de uma Igreja evangélica sem ter experimentado a conversão e o novo nascimento. Ser evangélico antigamente era ser perseguido, ser "persona non grata" na sociedade. Éramos conhecidos como "os Bíblias". Hoje, é ser popular. O escândalo da cruz foi astuciosamente eliminado, de forma a possibilitar uma maior aceitação da "mensagem franca e positiva" por todas as classes sociais. O choque com a verdade de que se é um miserável e perdido pecador, condenado ao inferno; o arrependimento e a confissão de pecados e a identificação com o sacrifício de Cristo foram substituídos pela promessa de bens materiais, de honra e de um deus-alfred, mordomo e cúmplice dos pecados humanos. Um deus que entende os pecados e a ingratidão humana, como já ouvi falar.
O segundo lugar é a própria Igreja. Alguns crentes "apostatam da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios", possuindo um fungo do inferno dentro do ouvido que lhes causa uma comichão sem fim, que só é aliviada com falsos ensinos por falsos mestres. "Amam o mundo e o que no mundo há", e no entanto continuam na Igreja! Não vivem plenamente nem o mundo nem a Igreja porque há divisão em seu interior. No lugar de se "encherem com o Espírito", vão tomando a cada momento alguns pequenos cálices do vinho sedutor do mundo até estarem completamente embriagados pelo pecado.
Ambos os grupos se enquadram no texto paulino. Ambos "aprendem sempre, e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade". Ambos já deveriam serem mestres há muito tempo, por todo o aprendizado que receberam; ao contrário, dizendo-se crentes eles agem como homens naturais, na melhor das hipóteses, como carnais. Sensuais, que não têm o Espírito.
São amantes de si mesmos (gr. philautos) e avarentos (gr. philarguros): não conseguem nem se doarem, nem doarem o que possuem. Acabam sempre priorizando seus próprios interesses, caprichos, carnalidades em detrimento do Reino de Deus. Usam a Deus, a Igreja e o pastor para satisfazerem suas necessidades; mas quando eles podem ser úteis, nem sequer aparecem. Quando obreiros, são conhecidos como irmãos "abraço companheiro", ou seja, "aqueles que vão pelas Igrejas"; dependendo da situação (se o time de futebol para o qual ele torce está jogando, por exemplo) ele torna-se "crente cristo em casa". Quando se faz campanha financeira para comprar alguma coisa que será de benefício para a própria Igreja, passam a serem conhecidos como "crentes mão de samambaia" - não conte com ele nem para pagar a luz da Igreja que ele usa! Quando doa alguma coisa, ou é algo que não tem a menor condição de uso, ou é de qualidade duvidosa.
São presunçosos (gr. alazon) e soberbos (gr. huperephonos). Presunçoso é aquele que está cheio de vento, contador de vantagens, confiando excessivamente em si mesmo. O presunçoso acha que nunca precisa de ninguém, enquanto o soberbo tem certeza disso. O presunçoso acha que pode pastorear a si mesmo, afinal já sabe muito; o soberbo pastoreia-se a si mesmo, é auto-suficente, ele se basta. O presunçoso acha-se muito capaz, acha que sabe tudo; mas na hora que a "coisa aperta" ele corre pedindo por socorro. O soberbo jamais pede socorro a ninguém, afinal ele sabe tudo.
Já dizia Blaise Pascal, em sua obra "Pensamentos": "Somos tão presunçosos que desejaríamos ser conhecidos de toda a terra, e até das pessoas que vierem quando nela não estivermos mais; e somos tão vãos que a estima de cinco ou seis pessoas que nos cercam nos diverte e nos contenta".
São blasfemos (gr. blasphemos) e desobedientes aos pais (gr. goneus apeithes). No grego, blasfemos eram aqueles que amavam o insulto, quer contra o próximo, quer contra a Deus. Insultam por palavras, gestos e atos; não receiam blasfemar nem das dignidades. Quando confrontados em seu pecado, suas bocas mais parecem o escapamento do inferno, de tantas afrontas e insultos que emanam delas. São desobedientes (apeithes: a + pheites, Tt 3.3), ou seja, "sem persuasão", não há como persuadí-los dos seus atos e de sua vida sem Deus, porque não aceitam nenhum tipo de argumento que os contradiga.
São ingratos (gr. acharistos) e profanos (gr. anosios). Você pode honrá-los o quanto quiser: pode consagrá-los ou ordená-los a diáconos, presbíteros, evangelistas, pastores; líderes de louvor; pode dar-lhes a honra de ministrarem aulas na Escola Bíblica; podem liderar departamentos e ministérios. Podem dirigir cultos públicos. Porém, apesar de tudo de bom que lhe é feito, são incapazes de demonstrar gratidão. Você pode se doar a eles; não há nenhum tipo de reconhecimento. São pessoas desprovidas da graça de Deus. Não é à-toa que são profanos: não há pureza, não há piedade, não há santidade em suas vidas. Não são pessoas consagradas a Deus. São ímpios transvestidos de crentes, malignos, cheios de toda sorte de imundícias.
São sem afeto natural (gr. astorgos) e irreconciliáveis (gr. aspondos). São pessoas desprovidas de amor familiar (a+storge). De fato, a família é caótica, ninguém se entende. O desamor impera dentro de casa. Vivem apenas sob o mesmo teto, por questão de comodidade e aparências. Obviamente, são também irreconciliáveis, ou seja, incapazes de alcançarem um consenso, ou a uma conciliação. Incapazes da trégua (sponde). São pessoas que não conseguem se entender com ninguém. Amam o litígio, a contenda, o conflito, a guerra. Não pedem perdão e não perdoam.
São caluniadores (gr. diabolos) e incontinentes (gr. akrates). O caráter maligno destas pessoas logo manifesta sua origem - o próprio diabo. O diabo é o patrono de todos os caluniadores e de todos os caluniadores ele é o chefe. Inventam toda a sorte de mentiras contra os outros e, de tanto mentirem e viverem na mentira, acabam tomando-a por verdade. Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Adolf Hitler, já dizia que "uma mentira cem vezes repetida torna-se uma verdade". Além disso, não possuem domínio próprio, agindo de acordo com os impulsos carnais que pululam em suas veias. Carnais!
São cruéis (gr. anemeros) e sem amor para com os bons (gr. aphilagathos). O termo anemeros é usado para denotar bestas selvagens. Assim, denota selvageria. São grossos, ignorantes. Todos os cães lamentam quando ferem seus donos (o meu chega a fica amuado, no canto, enquanto não faz as pazes comigo), porém estas pessoas não sentem absolutamente nada por ferirem o próximo. Há diversos exemplos de pessoas assim: pedófilos, assassinos, estupradores... dentro da Igreja! Fica bastante claro que os tais não possuem nenhum tipo de amor nem pela virtude, nem pelos virtuosos. A idéia aqui é uma inversão de valores: o que era bom, passou a ser odioso; o que era odioso, passou a ser bom. Um exemplo prático é o costume de se interpretar como "normal" o jovem manter relações sexuais fora do casamento, onde errado passou a ser não fazer sexo sendo solteiro. São aqueles mencionados por Isaías: "Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal; que fazem das trevas luz, e da luz trevas; e fazem do amargo doce, e do doce amargo!" (Is 5.20)
São traidores (gr. prodotes) e obstinados (gr. propetes). Prodotes denota alguém que é falso no cumprimento de seus deveres ou alguém que é desleal com a confiança depositada por outro. Hoje, a exemplo de Demas, muitos obreiros abandonam a Obra por amarem o mundo, traindo a confiança que lhes foi depositada. É interessante que Paulo, ao escrever sobre as qualificações dos diáconos, diz que "os que servirem bem como diáconos, adquirirão para si uma boa posição e muita confiança na fé que há em Cristo Jesus" (I Tm 3.13). Se os que servem bem alcançam boa posição e muita confiança, os que servem desleixadamente, relaxadamente, quando querem fazê-lo, além de não alcançarem posição, não gozam de confiança. De fato, quando contamos com alguém para alguma coisa, por menor que seja, depositamos confiança nele. Se este alguém mostra-se desleixado com aquilo que lhe confiamos, somos por ele traídos e assim perdemos a confiança nele.
Já o termo propetes significa "descuidado", "negligente", "indiferente", "precipitado". No grego, denota alguém que cai da cama. É o cabeça-dura, teimoso. Alguém que age impetuosamente, sem considerar as outras pessoas ou as possíveis consequências de seus atos. Agem motivados por seus impulsos e paixões, atropelando tudo e todos, não escutando conselhos de ninguém. Depois que a coisa sai malfeita, aí o sujeito traz o problema para você resolver. Porém, o estrago já está feito.
São orgulhosos (gr. tuphoo) e mais amigos dos prazeres do que de Deus (gr. philedonos). Tuphoo indica alguém "envolvido com fumaça", "inchado com fumaça". Paulo diz que não se deve colocar o novo convertido no ministério, "para que não se ensoberbeça [encha com fumaça] e caia na condenação do diabo". São pessoas cheias de vento. Todas as suas realizações serão reduzidas a nada em pouco tempo! Já o termo philedonos significa aquele que ama os prazeres sensuais. São pessoas que vivem como se o sentido da vida fosse a busca pelo prazer individual e imediato. Esquecem-se que tudo não passa de vaidade!
Note o que Paulo conclui: Estes tem aparência de piedade, mas negam a eficácia dela. Eficácia é a tradução em português do termo grego dunamis, poder. Assim, tais pessoas negam o poder da piedade, ou seja, o poder sobrenatural, salvador e transformador, que a piedade cristã possui e que a distingue de "outras piedades". Sem transformação de vida, sem mudança de caráter, sem novo nascimento, sem renúncia ao eu e arrependimento, o que é o cristianismo, senão um conjunto de "bons conselhos para a vida diária"? Estas pessoas, as quais Paulo se refere, negam com sua própria vida aquilo que aparentam ser. Negam com suas práticas mundanas e pecaminosas que o "evangelho é poder de Deus para salvação de todo aquele que crê". (Rm 1.16)
Paulo, em Romanos 1:16, diz que não se envergonha do evangelho de Cristo. Mas o evangelho de Cristo se envergonha de muitos que se dizem cristãos e não o são, de fato e direito, mas cuja vida serve apenas como motivo de blasfêmia do nome de Deus entre os ímpios. Devemos vigiar e nos afastar destes.
Pense nisso. Deus está te dando visão de águia!
4 comentários:
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E as igrejas estão lotadas deles.O ego,o amor ao mundo,os seus interesses hoje são chamados por muitos de "sabedoria"Essa tem sido a justificativa que muitos dão para não contarmos com eles.Afinal, pretendem com essa dita sabedoria ganhar o marido não crente,agradar o pai,a filhota..."Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim;e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim."Muitos desses se esquecem que há o dia mau e nesse dia como soe acontecer ocupam o gabinete pastoral em busca de solução,de socorro para suas aflições.
ResponderExcluirPr. Ricardo,
ResponderExcluirProfunda e altamente relevante sua análise do texto bíblico mencionado.
Estamos vivendo dias realmente trabalhosos, árduos e repletos de impedimentos.
Não nos é surpreendente, mas deveria ser pelo menos perceptível a maioria dos cristãos de nossa época, estarmos gastando nossas forças principalmente, contra a falta da Verdade e compromisso dentro das paredes de nossas igrejas. Todo o tempo e esforço que desprendemos para tal batalha poderia estar sendo dirigida para o evangelismo e a pregação. Mas, infelizmente, temos que a todo instante lembrar a muitos do que é ser cristão,de como se comportar dignamente e que devem afastar-se de falsos irmãos.
Sabemos que o joio cresce junto, mas o trigo poderia ser mais vigilante e mais atuante.
Mas, não desistimos. Continuamos defendendo a fé cristã e ao mesmo tempo propagando as Boas Novas".
Ah, se Deus nos nos ajudasse e nos capacitasse para tal trabalho...
Ele sempre será nossa Fortaleza e nossa Segurança.
Em Cristo,
Pr. Magdiel G Anselmo.
corrigindo...
ResponderExcluirdigo,
Ah, se Deus NÃO nos ajudasse e nos capacitasse para tal trabalho...
Ele sempre será nossa Fortaleza e Segurança.
Olá Pr. Ricardo!
ResponderExcluirParabéns pela iniciativa do blog. Quero lhe encorajar a prosseguir. Já estou seguindo.
Aproveito para lhe convidar a conhecer meu espaço, e se desejar também segui-lo, será uma honra.
Seus comentários também serão sempre bem-vindos.
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Te espero lá!